Abre a geladeira e falta inspiração? Aprenda a evitar o desperdício

Pesquisa revela que a maioria da população joga alimentos no lixo por causa da 'cegueira da geladeira'

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  • Laura Fernades

Publicado em 24 de setembro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

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“Abro a geladeira pra pensar”. Quem nunca? A frase ilustra muito mais que um passatempo, como já dizia a música da banda Scambo, e reflete um hábito de consumo do brasileiro. A dúvida do que fazer com a comida atinge boa parte da população e, sem saber como aproveitar os alimentos, muita gente acaba desperdiçando uma quantidade expressiva de comida. O fenômeno tem até nome: “cegueira da geladeira”.

Pelo menos foi assim que a pesquisa recém-lançada pela Unilever batizou o hábito que atinge 75% da população brasileira. O principal problema está na “falta de inspiração”, disseram 81% das 4 mil pessoas entrevistadas pela pesquisa que abordou 1 mil brasileiros, 1 mil argentinos e 2 mil americanos, entre 18 e 64 anos. Ao olhar para a geladeira, a maioria (78%) respondeu que “não sabe o que cozinhar”.

Como era de se imaginar, os perecíveis estão entre os alimentos mais desperdiçados: saladas (74%), vegetais (73%) e frutas (73%). Curioso é que outro levantamento, dessa vez feito pela Embrapa e divulgado na semana passada, aponta que a dupla mais famosa do cardápio brasileiro é quem lidera o número de alimentos desperdiçados: arroz e feijão. Os dois representam cerca de 38% dos alimentos jogados fora no Brasil.

Realidade mais do que presente na vida do ator Vinicius Bustani, 31 anos, que nas últimas semanas jogou três potes de feijão no lixo. “Pior que era o feijão que veio da casa da minha mãe...”, lamenta, sem perder o bom humor. Essa foi “uma semana de azar” no apartamento onde vive com o marido, justifica, mas o hábito Vinicius geralmente tenta evitar.

Apesar da consciência, o ator nem sempre consegue fugir do desperdício. Afinal, teve aquele resto de aipim que “ficou abandonado lá no fundo da geladeira” e aquela “bendita abóbora” que acabou apodrecendo. “Fico extremamente incomodado quando jogo comida fora, mas ao mesmo tempo perco a noção do tempo. Esqueço que tem e quando vejo digo ‘amanhã eu faço’. Quando finalmente fui pegar a abóbora, estava cheia de fungo”, lembra Vinicius. O ator Vinicius Bustani tenta não desperdiçar, mas nem sempre consegue consumir o que tem na geladeira (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Cara nova O mesmo problema aparece em outras casas, afinal o desperdício é uma realidade e os números são alarmantes. Por ano, são desperdiçadas 1,3 bilhão de toneladas de alimentos no mundo, ou seja, volume que representa 30% de toda a comida produzida no planeta. Os dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram, ainda, que só no Brasil são descartadas cerca de 41 mil toneladas todos os dias, número que daria para alimentar 25 milhões de pessoas.

“A família brasileira desperdiça, em quantidade relativamente grande, até mesmo alimentos mais caros e proteicos, tais como carne bovina e frango, um dado que nos surpreendeu”, ressalta o professor de marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Eduardo Lourenço, apoiador da pesquisa da Embrapa que ouviu 1.764 famílias de diferentes classes sociais e de todas as regiões do Brasil.

O reflexo do desperdício aparece no consultório da nutricionista baiana Clara Dias, 28. Apesar de não assumirem que jogam comida fora, muitos dos seus pacientes dizem que “não gostam de comida requentada, mas de comida fresca”. “Talvez mudar a forma de apresentação do alimento ajude”, aponta Clara, citando uma das soluções para o desinteresse na comida do dia anterior.

Especialista em nutrição clínica e funcional, terapia nutricional e nutrição esportiva, Clara destaca que o bolinho de arroz ou de feijão também podem surgir como alternativas para aquele restinho de comida que ficou do almoço. O frango pode ser desfiado para rechear a tapioca do café da manhã, por exemplo, e a salada pode ser aproveitada como recheio de uma crepioca, um sanduíche ou uma panqueca.“O alimento fresco vai ter sempre um sabor mais atraente que o requentado. Mas não perde nutrientes. Por isso é interessante dar uma cara nova”, defende a nutricionista. Outra dica para evitar o desperdício é congelar a comida em pequenas porções para tirar só a quantidade do dia e não precisar esquentar várias vezes. (Foto: Shutterstock/Divulgação) Dom ou hábito? Depois de admitir que tinha “hábitos alimentares péssimos”, a médica Yanne Amorim, 41, decidiu mudar de vida. Paraibana que mora em Salvador há 18 anos, encontrou no acompanhamento nutricional um estímulo. Sem nenhum dom para a cozinha, não deixa de ter iniciativa e está sempre em busca de receitas.

Auxiliada pela cozinheira, já pensa em como reaproveitar a banana da terra que comeu “cortadinha com canela”, para fazer “um purê e juntar com a carne”. “Eu era péssima!”, conta rindo. “Nunca me liguei nisso. Mas agora tento usar essas manobras para aproveitar ao máximo o que o alimento tem a oferecer”, completa Yanne. “Evitar desperdício é fundamental. A alimentação faz você se sentir melhor: é bem-estar psíquico e social”, resume.

Vinicius Bustani concorda e diz que mudar esse quadro pede uma mudança de hábito, de rotina mesmo. “Tem gente que diz que não quer comer feijão naquele dia, mas se chegasse quentinho na mesa comeria. É se dar conta da alimentação e saber adequar a quantidade de alimentos para você. Tudo exige certa programação e atenção. É ficar cada vez mais atento”, ressalta o ator que ficou “mortificado” quando perdeu a abóbora. “Ela estava linda”.

Por isso, hoje compra menos alface e outros tipos de folhas, já que são apenas duas pessoas em casa. Além disso, congela os temperos verdes para que durem mais tempo e, quando chega do mercado, lava logo as frutas e verduras e descasca o aipim para congelar. “É se dar ao trabalho mesmo. Muita gente come três dias de cuscuz e deixa a pobre da batata doce apodrecer. Muita gente fala ‘ah, mas não tenho dom’. Não precisa dom, precisa estar ativo. Prestar atenção na sua casa, na sua cozinha”, convida. (Foto: Shutterstock/Divulgação) Dicas para não desperdiçar

Compre o que for consumir A maioria das famílias brasileiras, mais precisamente 68%, gosta de ter a despensa e a geladeira cheias de alimento, segundo aponta a pesquisa recém-lançada pela EMbrapa. Porém, é importante planejar o mercado de acordo com o número de pessoas que moram na casa para evitar desperdícios.

Lave e separe as folhas em vasilhas Folhas como alface, rúcula, agrião, hortelã e manjericão ficam melhores se consumidas frescas. Para que durem mais tempo na geladeira, basta lavar com soluções esterlizantes em gotas, encontradas no mercado, secar bem e guardar dentro de uma vasilha com camadas de papel toalha. Outra alternativa para a lavagem é a solução clorada: uma colher de sopa de água sanitária para um litro de água. Deixe de molho de 10 a 15 minutos e enxague.

Congele temperos verdes e folhas Quem mora sozinho enfrenta o desafio de “dar conta” do tempero verde e das folhas que são vendidas em grandes quantidades. Caso não encontre porções me- nores, raras nas prateleiras, uma saída é congelar o tempero verde em cubas de gelo. Depois de lavar com soluções esterlizantes, é só conservar as porções puras ou com azeite de oliva. A porção sem azeite também pode ser armazenada em um saco. À medida que for usar, é só quebrar. A couve, por exemplo, pode ser usada em sucos.

Congele os legumes Legumes como brócolis, cenoura, beterraba, batata-doce e abóbora podem ser congelados crus ou cozidos. A chef e apresentadora Rita Lobo dá dicas: se congelar cru, consuma depois de refogar ou cozinhar,  porque a textura fica mole ao descongelar. Outra dica é usar a técnica do branqueamento, ou seja, um cozimento rápido que conserva melhor os alimentos. Neste processo, Mergulhe os legumes cortados (no tamanho desejado) em água fervente, deixe escorrer bem e congele. Para descongelar, mergulhe em água fervente ou refogue. Ele deve sair do congelador direto para a panela quente.38% do montante  de alimentos jogados fora no Brasil diz respeito à dupla símbolo da culinária do país: arroz e feijão (Fonte: Embrapa)Planeje as porções congeladas Para quem não quer cozinhar toda hora, uma saída é fazer comida uma vez na semana e congelar em pequenas porções. Além de poder descongelar a quantidade ideal para cada pessoa que estiver em casa na hora, é possível mudar o cardápio diariamente para não “enjoar”. Outra vantagem é evitar esquentar o feijão várias vezes, já que cada vez que vai para o fogo fica mais amolecido até virar uma “papa”. O mesmo pode ser feito com o arroz, a carne e o frango. A dica em relação às carnes é: peça para fatiar na hora de comprar e guarde cada porção dentro de um saco. Para descongelar, coloque na geladeira de um dia para o outro.

Transforme os alimentos O feijão que sobrou não precisa ser jogado fora: pode virar uma sopa ou bolinho. O frango pode ser desfiado e virar recheio de torta, tapioca ou panqueca. A banana da terra madura pode virar um purê para comer com a carne que sobrou. A salada pode servir de recheio para sanduíche ou crepioca. A hortelã pode ser usada em sucos. A banda de limão ou laranja que sobraram podem ser espremidas no feijão, pois são fontes de Vitamina C e ajudam na absorção do ferro. cascas, talos e folhas dos vegetais têm grande valor nutritivo: faça um caldo com cebola, alho e congele para usar em sopas e molhos. Bolinho de Arroz de Rita Lobo é opção para dar uma cara nova à sobra do almoço (Foto: Divulgação) Receitas para inspirar

Crepioca (Por Clara Dias)

Ingredientes - 2 Ovos - 1 colher de sopa de tapioca ou aveia

Preparo Misture os ovos, a tapioca e bata no garfo. Esquente o fundo da frigideira, despeje a mistura e tampe. Deixe uns minutos para assar embaixo e cozinhar em cima. Quando a mistura ficar durinha, é só virar. Recheie, por exemplo, com frango desfiado, abobrinha, cenoura ou outros legumes que sobraram no almoço

Bolinho de arroz (Por Rita Lobo)

Ingredientes - 2 xícaras (chá) de arroz pronto - ½ xícara (chá) de salsinha picada - 2 ovos - 1 xícara (chá) de farinha de trigo - 4 colheres (sopa) de queijo parmesão ralado - 1 litro de óleo sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

Preparo Junte os ingredientes, exceto o óleo, numa tigela. Misture bem, usando uma colher de pau. A mistura deve ficar homogênea e desgrudando das mãos. Coloque o óleo numa panela e, enquanto ele aquece, faça bolinhas com o auxílio de uma colher de chá e coloque num prato. Quando o óleo estiver bem quente, coloque as bolinhas delicadamente para fritar. Não coloque todas de vez, frite em etapas. Com a ajuda de uma escumadeira, retire as bolinhas da panela quando estiverem douradas e coloque sobre um prato forrado com papel-toalha. Sirva bem quente. (Foto: Divulgação) Bolinho de feijão (Por Bela Gil)

Ingredientes - 1 xícara de feijão preto seco - 200g de tofu defumado - ¾ xícara de farinha de mandioca fina crua (sem torrar) - 2 maços de couve cortados fininhos - 4 dentes de alho - 1 colher (chá) de páprica defumada - 3 colheres (sopa) de azeite - 3 xícaras de água - 500ml de óleo de girassol, milho ou óleo de soja orgânico - 2 folhas de louro - 2 laranjas

Preparo Em uma panela de pressão, cozinhe o feijão com as folhas de louro por aproximadamente 1h (marque o tempo após o início da pressão). Use mais ou menos 1l de água para este passo. No liquificador, bata o feijão cozido com o caldo. Em uma panela grande, aqueça o azeite, doure dois dentes de alho e refogue o feijão batido. Tempere com sal e páprica defumada. Acrescente aos poucos a farinha de mandioca, sem parar de mexer, até engrossar e soltar do fundo da panela. Retire do fogo e deixe esfriar. Em uma frigideira, refogue os outros dois dentes de alho e o tofu defumado, junte a couve e deixe no fogo por aproximadamente 2 minutos. Desligue e reserve. Abra pequenas porções de massa na mão. Coloque uma colher de chá de couve com tofu e feche os bolinhos. Aqueça o óleo para fritar e frite por 5 minutos cada bolinho. Sirva em uma travessa com molho de pimenta e gominhos de laranja.