Abuso sexual na ginástica: até quando?

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  • Miro Palma

Publicado em 2 de maio de 2018 às 06:47

- Atualizado há um ano

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Há exatos três meses e uma semana, eu questionava aqui sobre como foi possível o abuso sexual de mais de 360 meninas – números atualizados – durante 25 anos ter sido ignorado por instituições tradicionais e importantes como a Universidade Estadual de Michigan, a Federação Americana de Ginástica e o Comitê Olímpico Americano. Era o último dia do julgamento de Larry Nassar, ex-médico da seleção americana de ginástica olímpica, condenado a até 175 anos de prisão depois de uma semana de depoimentos chocantes de 156 vítimas de abusos sexuais cometidos por ele.

Um horror. Um capítulo tenebroso da história do esporte. Passamos a página e pouco mais de três meses depois a história muda de cenário, só que mantém os mesmos contornos desumanos da narrativa anterior. Crianças, dessa vez meninos entre 8 e 15 anos, promessas da ginástica artística brasileira, tendo seus sonhos jogados no lixo pela violência de quem deveria protegê-los: o treinador.  

Durante quase quatro meses, a repórter Joanna de Assis, da TV Globo, recolheu 42 depoimentos de ginastas e ex-ginastas que alegaram ter sido vítimas de abusos físico, moral ou sexual cometidos por Fernando de Carvalho Lopes por pelo menos 15 anos. Fernando fez carreira como técnico no Clube Mesc, em São Bernardo do Campo, e integrou por dois anos a comissão técnica da seleção masculina.

Parece ironia de um roteiro cruel que a história se repita no mesmo esporte. Esporte esse que exige que seus atletas iniciem a prática muito novos. E, talvez, aí more a maior vulnerabilidade. Ao ler os testemunhos coletados pela equipe de reportagem é possível ter noção do calvário que crianças passaram diariamente e por anos, sem que ninguém lhes desse ouvidos. Porque elas falaram. Os atletas e ex-atletas que foram entrevistados alegam que, além de reclamar diretamente com Fernando inúmeras vezes, falaram com a psicóloga do Mesc, Thais Coppini, e que os abusos eram de conhecimento de outros técnicos e atletas.

E no lugar de serem ouvidas, terem apoio ou mesmo ajuda para realizar a denúncia, essas vítimas foram ignoradas. E o pior, foram novamente violentadas: tornaram-se motivo de chacota para outros treinadores e ginastas. De um lado, Fernando de Carvalho Lopes ia ganhando cada vez mais atenção da Confederação Brasileira de Ginástica e até um patrocínio generoso para montar seu próprio projeto. Do outro lado, os meninos que trocavam o Mesc pelo São Caetano do Sul – outro polo de treinamento em São Paulo – para fugir dos abusos, eram humilhados por auxiliares, técnicos e, principalmente, pelo treinador Marcos Goto, coordenador da seleção brasileira de ginástica, como contaram durante a entrevista.

A primeira denúncia à polícia aconteceu em junho de 2016. Desde então, a investigação não andou muito e as vítimas que tiveram coragem para reviver essas memórias traumáticas se sentem mais uma vez ignoradas. E aí eu volto a mesma pergunta de meses atrás: como é possível ocorrer uma atrocidade dessa magnitude sem que ninguém tivesse conhecimento, como alegam as entidades envolvidas? Ou, ainda, como é possível alguém tomar conhecimento desse tipo de crime e não fazer nada? E pior, fazer piada de algo tão cruel?

Como eu disse a época do caso Nassar, repito agora apenas mudando os nomes: Fernando de Carvalho Lopes, se comprovados os crimes, não é o único responsável pelos abusos. O Mesc, a Confederação Brasileira de Ginástica, a psicóloga Thais Coppini e os técnicos e auxiliares que assim como Marcos Goto sabiam das constantes violências sofridas pelos meninos, como alegam as vítimas em seus testemunhos, são tão responsáveis quanto ele. Como dizia minha avó: quem cala consente. E consentir com uma monstruosidade é se tornar parte dela.

Miro Palma é subeditor de Esporte e escreve às quartas-feiras.