'Acabou meu Natal', diz morador de Brotas que viu carro cair em vala após chuva

Ao todo, oito veículos ficaram em buraco; lama invadiu diversas casas

Funcionários da Embasa trabalham em vala onde carros caíram na véspera de Natal (Foto: Vinicius Nascimento/CORREIO) Quem via a serenidade de Lucas Bela na entrada da Vila Rio Branco, em Brotas, não imaginava o perrengue que o porteiro de 30 anos passou em pleno Natal. Abastecido com uma cervejinha bem gelada e ouvindo Harmonia do Samba em sua caixinha de som, ele acompanhava o trabalho dos homens da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), órgão do governo do estado, na Rua Dom Jerônimo Thomé da Silva, que fica logo acima da Vila onde habita e onde oito carros caíram em uma vala aberta após as chuvas dessa segunda-feira (24).

A situação aconteceu porque há cerca de 15 dias a Embasa realizou um trabalho de troca na rede de tubulação da rua. Segundo Lucas, não eram raras as reclamações de que a água bombeada para a Vila Rio Branco chegava muito fraca nas casas e gerava desconforto nos moradores.

Com o fim da troca na rede, era hora de fazer o recapeamento na rua. Segundo a Embasa, antes dessa etapa era necessário cobrir o buraco com areia e materiais similares para, aí sim, fazer a pavimentação.

Foi justamente nessa etapa que tudo aconteceu. A Rua Dom Jerônimo Thomé da Silva fica em uma ladeira relativamente íngreme e com a forte chuva que atingiu algumas áreas de Salvador nesta véspera de Natal, boa parte da cobertura foi arrastada pela água até a Vila Rio Branco.

Além disso, ficou o buraco na rua. A Embasa foi acionada e começou a trabalhar nos reparos durante a tarde dessa segunda, e chegou a interromper o fornecimento de água para parte dos imóveis. Em nota, a empresa afirmou que o fornecimento já foi regularizado.

[[galeria]]

Lucas, nosso personagem cervejeiro, não teve prejuízo. Ainda assim, foi impossível não ficar chateado diante de situações como a do vizinho Ademir Nascimento, 48 anos. A lama arrastada para dentro da vila atolou o carro dele, que estava estacionado bem de frente para a casa onde mora. Quando conseguiu tirar a lama percebeu que dois pneus estavam totalmente murchos e uma das rodas traseiras ficou um pouco amassada.“Acabou meu Natal. Não tive mais ânimo pra ceia, pra nada. Fiquei em casa com minha esposa e quando deu umas 20h30 eu já tava na cama pra dormir”, relembrou o morador, nesta terça (25). Quem também teve prejuízo com o carro foi o professor universitário Raime Vasconcelos, 54. Ele já morou em diversos lugares em Brotas, bairro onde nasceu e foi criado: passou pela Boa Vista e pontos da Avenida D. João VI até chegar à Dom Jerônimo Thomé da Silva, onde vive há 9 anos.

Raime contou que sairia para comprar alguns quitutes que faltavam para a ceia de Natal, que uma parte da família celebrou na casa de seu pai, também em Brotas, quando recebeu a notícia de que o buraco abriu na rua e, pior, seu carro ficou preso.

“Rapaz, eu simplesmente não acreditei. Tinha deixado o carro ali parado e passei em casa rapidinho. Já tinha deixado ele ali para poder subir a Daniel Lisboa e passar no mercado para comprar as coisas que faltavam para a ceia. Aí recebi esse ‘presente’. Fiquei sem carro, estressado e todo sem graça dentro de casa por causa disso”, desabafou o professor, antes de contar que teve dificuldade para dormir devido aos acontecimentos. Raime acionou o próprio seguro para tirar seu carro de dentro do buraco (Foto: Vinícius Nascimento/CORREIO) Em nota, a Embasa informou que já entrou em contato com os proprietários dos veículos e dos imóveis, registrou os danos causados e providenciará o ressarcimento para todos.

Raime confirmou o contato da Embasa. Para retirar o carro do buraco, ele acionou o próprio seguro e afirmou que agora vai aguardar que a empresa de saneamento pague a franquia necessária para fazer o chamado na seguradora.

O estrago atingiu todos os moradores da rua e da Vila. Até aqueles que não foram atingidos diretamente acabaram por sofrer de alguma forma.

Morando em um condomínio bem de frente para o buraco, José Bonfim, 82, conta que não tem a mínima condição de tirar o carro da garagem por conta do risco. Por conta disso, ele mudou os planos de ir para a casa do filho e levou a ceia de natal para sua casa.“É chato, né? Mas a gente vai se ajeitando. Eu já tenho um filho que mora aqui no prédio e no final arrumamos tudo direitinho. Mas meu carro tá aí preso e não posso usar para nada”, contou o aposentado.Se José Bonfim não pode sair, o caso de seu xará, José Raimundo é o contrário: ele ficou impedido de entrar com seu carro na garagem de casa. Aos 62 anos, hoje ele trabalha como representante comercial e saiu na manhã de ontem (24) para sacar dinheiro. Tentou em duas agências e só conseguiu as cédulas quando arriscou o saque em uma lotérica de Brotas. Os momentos de sorte duraram pouco: logo que pegou a grana recebeu uma ligação de sua esposa contando sobre o buraco. Para piorar, a rampa de acesso para dentro de casa também cedeu, tornando impossível a entrada de qualquer carro.“Meu filho, no mesmo instante a pressão foi lá pra cima, eu fiquei nervoso e agoniado. Quando cheguei em casa que vi, só fez piorar. Aí foi aquilo… Com a pressão alta, não comi nada de Natal e como tava retado, fui logo dormir cedo”, explica o morador. Por conta do buraco, carro de Seu José ficou preso na garagem de casa (Foto: Vinícius Nascimento/CORREIO) No caso da empregada doméstica Juciara Rocha, 48, a lama foi parar dentro de casa. Ela acompanhou tudo pela televisão e só conseguiu ver o estrago após chegar do trabalho. Para salvar o Natal, fez uma faxina acelerada enquanto preparava a janta da família.

“Graças a Deus, não tive nenhum prejuízo. Meus móveis e minhas coisas estão funcionando. Mas foi cansativo, minha ceia ontem saiu tarde porque eu tive que limpar a casa toda de novo”, contou Juciara.

Segundo a Embasa, todos os serviços de limpeza e pavimentação da rua com concreto serão concluídos ainda nesta terça-feira. A aplicação de asfalto só vai acontecer na próxima quarta-feira (26).

Chuvas Apesar de todos os pesares, os moradores da região tentavam aproveitar o Natal da melhor forma possível. Afinal de contas, não é todo o dia que se tem a oportunidade de folgas e reunir a família. A única coisa que conseguia mudar a feição de moradores como Carlos José Santos, eletricista de 51 anos e morador da Vila Rio Branco há mais de vinte: a possibilidade de chuva.

Segundo a Codesal, hoje Salvador terá mínima de 24º C e máxima de 32º C. Há 20% de possibilidade de chuva. Hoje, enquanto a Embasa subia e descia o trator para retirada de areia que desceu para a Vila Rio Branco, alguns pingos de chuva caíram bem de leve sob aqueles que lá estavam. Para afastar a possibilidade, Carlos José tentou fazer um afago em São Pedro ao afirmar que os pingos não passavam de uma ducha oferecido pelo santo, afinal de contas o clima estava bem abafado. Carlos é morador da Vila Rui Branco há cerca de 20 anos (Foto: Vinícius Nascimento/CORREIO) Refrescado pelos pingos e pelas cervejas que apareciam a todo vapor, o eletricista se dividia entre a torcida contra a chuva, o bate-papo com os amigos e a fiscalização do trabalho dos homens da Embasa. Junte tudo isso à torcida para que os serviços terminassem o mais breve possível e, então, é Natal na Vila Rio Branco.

*Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro.