Academia de Letras da Bahia declara vaga a cadeira número 33

A vaga pertencia a Mãe Stella de Oxóssi, que foi homenageada em sessão especial nesta quinta-feira (2)

Publicado em 2 de maio de 2019 às 22:35

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/CORREIO

“Uma sacerdotisa de vanguarda, respeitada em muitos países, uma mulher do seu tempo, moderna, que marcou liderança à frente da comunidade”. Os elogios ecoaram no salão principal da Academia de Letras da Bahia (ALB), em Nazaré, nesta quinta-feira (2), para qualificar a líder religiosa Mãe Stella de Oxóssi (1925-2018). Na data em que completaria 94 anos, a ialorixá foi lembrada em sessão especial que declarou oficialmente vaga a cadeira número 33, ocupada por ela.

Muito amiga de Mãe Stella, quando esta ainda estudava para ser enfermeira e estava longe de virar mãe de santo, a etnolinguista Yeda Pessoa de Castro, 82 anos, foi eleita a oradora da sessão. “Mas não estou aqui para falar sobre a minha amizade com ela”, logo avisou a acadêmica que ocupa a cadeira de número 11 da ALB. Assim, no aniversário de nascimento de Mãe Stella e coincidentemente “dia de Oxóssi também”, Yeda relembrou a trajetória da ialorixá.

“Quero ressaltar a importância que ela teve como liderança religiosa, como uma mulher negra que venceu todas as barreiras do preconceito racial e de gênero. Uma mulher que, além disso, ultrapassou a barreira da oralidade tradicional africana para escrever em letras, em livros, e divulgar como era o processo ritualístico e as maneiras de ser da religião negro-africana, sobretudo no mundo dos iorubás”, destacou Yeda. (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) Diante de um auditório vestido predominantemente de branco, a etnolinguista e professora relembrou obras de Mãe Stella, tais como o livro Òsósi: o caçador de alegrias (2006), composto por narrativas míticas de Oxóssi, seu orixá regente; e Opinião (2012), livro que reúne crônicas selecionadas entre as que a ialorixá publicou na imprensa baiana.

“Não podemos ficar confinados no axé. A tradição somente oral é difícil. Os Olorixás têm que se alfabetizar, adquirir instrução, para não passar pelo dissabor de dizer sim à própria sentença”, disse Mãe Stella, em uma de suas frases mais conhecidas que foi citada duas vezes durante a sessão regimental.

O título de Doutor Honoris Causa, concedido a Mãe Stella pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 2005, também foi lembrado no encontro guiado pelo presidente da ALB, Joaci Góes. O evento contou, ainda, com participação da Secretária de Cultura Arany Santana; da secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Fabya Reis; e do presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá, Ribamar Daniel, responsável pela manutenção do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.

“É com muita honra que estamos aqui para celebrar a sacerdotisa que muito engrandeceu a história da Bahia e do Brasil. A estrela Stella marcou a história do candomblé do Brasil”, elogiou Ribamar, que falou em nome dos familiares, amigos, admiradores e discípulos de Mãe Stella.

O presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá destacou, em conversa com o CORREIO, que o Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá atravessa o período de axexê: quando uma mãe de santo morre, todo o terreiro fica de luto e fechado durante um ano para obrigações religiosas internas. Após esse período, é declarado o processo sucessório e convocada uma pessoa para fazer o jogo de búzios que indicará a nova mãe de santo. O processo termina no dia que Mãe Stella morreu, 27 de dezembro, e em janeiro será divulgada a nova sucessora. (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Por outro lado, o processo de sucessão da cadeira de número 33, cujo patrono é o poeta Castro Alves (1847-1871), foi iniciado ontem com a declaração oficial da vaga. Após 45 dias, será convocada uma sessão para votar nos candidatos: aqueles indicados pelos acadêmicos da ALB que obtiverem cinco votos, todos secretos.

Durante a homenagem pública a Mãe Stella, Yeda Pessoa questionou o nome dado à sessão que é tradicional na Academia: Homenagem da Saudade. “Não gosto dessa palavra saudade, porque dá a impressão de uma pessoa que já morreu e ela está tão viva em nossa memória, em nossa presença, na nossa história, que ela não merece ser saudade”.