Aclamado no mundo todo, Balé Folclórico da Bahia faz vaquinha virtual

Sem patrocinador, companhia de dança deixou de pagar salários, contas e manter acervo dos espetáculos

  • Foto do(a) author(a) Ronaldo Jacobina
  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 15 de agosto de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: foto de Vinicius Lima/Divulgação

Ao longo de 32 anos de sua existência, o Balé Folclórico da Bahia viveu entre a glória dos palcos e a dificuldade de recursos para se manter. Aclamado nos quatro continentes por onde já se apresentou, a companhia de dança está vivendo a pior crise financeira de sua história

A bilheteria do Teatro Miguel Santana, no Pelourinho, onde fez sua última apresentação em março deste ano, era uma das únicas verbas que o grupo contava como certa para conseguir girar. A pequena casa de espetáculos, com 100 lugares, que funciona na  sua sede da companhia, era o palco das apresentações de espetáculos diários encenados pelo segundo corpo de baile do grupo, enquanto o principal passava boa parte do ano em turnês nacionais e internacionais, garantindo outra importante renda que não entra no cofre desde o começo da pandemia.

Com a crise, as apresentações foram suspensas e parte da equipe, incluindo bailarinos, foi dispensada. Sem dinheiro em caixa, os salários dos mais de 40 integrantes da companhia estão atrasados desde abril, início da pandemia.

Sem nunca ter conseguido atrair um grande patrocinador, assim como as grandes companhias de dança brasileiras, o balé custeia parte das despesas fixas de sua estrutura com uma ajuda de R$ 33 mil mensais, que recebe do Fundo de Cultura da Bahia.

Inclusão É com este recurso, segundo o diretor e fundador da companhia, Vavá Botelho, que são pagas as bolsas-auxílio dos alunos,  em maioria carentes, das oficinas. “Desde março, além do corpo de baile, os projetos de inclusão social que atendem cerca de 1,2 mil jovens também foram suspensos”, diz.

É destes programas que saem artistas para trabalhar nas mais diversas partes do mundo. A maioria, vinda de comunidades menos favorecidas da cidade. “O BFB é responsável pela formação de jovens talentos que são exportados para o mundo todo. É um patrimônio cultural do Brasil e precisa ser preservado”, defende a atriz Glória Pires, que vai dirigir um documentário sobre a companhia.

Com as dívidas acumuladas – agravadas por outras assumidas no ano passado durante uma reforma na sede histórica que estava em condições precárias, Botelho partiu pra luta e ganhou um aliado de peso: o cantor Caetano Veloso.

Na live que o santo-amarense realizou na Globoplay, no último dia 7, data em que completou 78 anos e o BFB fez 32, Caetano expôs a caótica situação do balé e conclamou o público a contribuir com a causa. O artista pediu como presente de aniversário que as pessoas fizessem doações para ajudar a companhia a sair do buraco.

“Meu entusiasmo pelo Balé Folclórico é grande, mandei meus filhos irem assistir e coloquei no meu Instagram um link para quem quiser fazer doação para ajudar o grupo que está sem poder se apresentar”, disse o artista. (foto de Vinicius Lima/divulgação) Apoio O apelo deu resultado. Nos quatro dias seguintes ao pronunciamento do cantor, a plataforma digital que está recebendo as contribuições, registrou a doação de mais de R$ 180 mil. “Tínhamos aderido a este formato de doação virtual no site em julho último e só tínhamos conseguido arrecadar R$ 25 mil. Com a adesão de Caetano, a coisa alavancou”, conta Botelho.

Para a produtora Paula Lavigne, mulher e empresária de Caetano, este é um momento delicado para todo o setor da cultura. “É muito importante ajudar neste momento em que a Lei Aldir Blanc não saiu e que tem muitos trabalhadores da cultura necessitados e grupos importantes como é o Balé Folclórico da Bahia. Se cada um fizer um pouquinho, já ajuda”, defende.

A entrada destes recursos no caixa da companhia, que deve acontecer até o final deste mês depois de cumprir os trâmites burocráticos da plataforma digital, vai aliviar a situação, “mas ainda não resolve a crise”, segundo relatou o diretor. Isso porque, de acordo com  ele, a retomada das apresentações, as turnês e as participações que costumavam fazer em eventos, ainda não têm prazo para voltar a acontecer.

“Tudo que estava agendado para este ano foi cancelado. Precisaríamos de mais R$ 250 mil para quitar os salários, pagar as dívidas e nos mantermos até o começo do ano que vem, visto que não temos previsão de voltar a atuar”, explica Vavá Botelho.

Em junho passado, quando a situação chegou ao limite, o diretor recorreu a um empréstimo bancário de pouco mais de R$ 100 mil para pagar os salários dos meses de fevereiro, março e abril que estavam atrasados. De lá pra cá, nem os funcionários que foram dispensados receberam. “Dos 48 colaboradores, ficamos apenas com os 13 mais antigos, que também estão sem receber seus salários”, conta.

Faxina Na última quarta-feira, a equipe do balé promoveu uma grande faxina na sede da companhia. A ação, mais do que importante para tirar o mofo das paredes, cenários, equipamentos e mobiliário depois de mais de cinco meses do local fechado, foi também uma forma de chamar à atenção da sociedade baiana para se incorporar à campanha de doação.

“Depois desse tempo fechado o que encontramos foi pior do que imaginávamos”, disse Vavá Botelho, se referindo aos vazamentos e infiltrações encontrados no prédio do século 19.

Com uma carreira consolidada no Brasil e no exterior, o BFB é um dos poucos grupos folclóricos em atividade no país. Ao longo de pouco mais de três décadas, já se apresentou em mais de 200 cidades de 24 países e formou 700 bailarinos, muitos deles atuando hoje fora do Brasil, e conquistou admiradores no Brasil e no mundo.

Para a bailarina Ana Botafogo, o Balé Folclórico da Bahia é um orgulho para todos os brasileiros: “Esperamos que voltem logo à cena para continuar representando o Brasil e nos enchendo de orgulho”.

O descortinamento da situação caótica do balé baiano movimentou a classe artística brasileira em defesa do grupo de dança. O coreógrafo carioca Carlinhos de Jesus, destaca o BFB como uma grande referência para ele próprio e muito importante para a dança. “Me sinto um componente dele, como, aliás, todos nós, dançarinos brasileiros, devemos nos sentir. Pela sua importância e pela grande contribuição para a dança brasileira”, afirma. (foto de Vinicius Lima/divulgação) A atriz Isabel Fillardis diz que o Balé Folclórico da Bahia foi uma das coisas mais lindas que já viu na vida. “Conheci por dentro, sei como é feito, como é conduzido o trabalho internamente e como a cultura afrobrasileira é levada de forma tão linda para o mundo. Acho que o BFB deveria ser tombado como Patrimônio da Humanidade”, empolga-se.

Para o presidente da Fundação Gregório de Mattos, Fernando Guerreiro, o BFB é o grupo de dança mais importante da cidade e o único que nunca interrompeu suas atividades desde a sua fundação. “O Balé Folclórico da Bahia precisa se manter em atividade pela sua importância como companhia de dança. Eu defendo que eles possam ocupar um espaço maior na capital, uma casa de show onde possam contar com bar, restaurante e se apresentar para o turista que visita a cidade e que não tem onde assistir a um show folclórico de boa qualidade”, diz.

Reconhecido pela Associação Mundial de Crítico, em 1994, como a melhor companhia de dança folclórica do mundo e detentor de diversos importantes prêmios, nacionais e internacionais, o BFB vai continuar recebendo doações até 30 de setembro. Quem quiser contribuir, pode fazê-lo pelo site https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajuda-ao-bale-folclorico-da-bahia

Campanha O Correio abraçou a campanha em defesa da preservação do Balé Folclórico da Bahia por considerar que este é um patrimônio da cultura  brasileira. A partir de hoje, o jornal estará publicando em suas redes sociais vídeos de artistas, influenciadores digitais e personalidades da Bahia e do Brasil, que defendem a manutenção da companhia baiana de dança que foi reconhecida como de utilidade pública pela Câmara dos Vereadores de Salvador.

“Tudo que é importante e bom pra Bahia, é importante e bom para o CORREIO, que é um jornal que abraça as causas locais  e de sua gente. O Balé Folclórico da Bahia, conhecido e admirado mundialmente, precisa estar e firme para quando essa pandemia passar voltar à cena brilhando como sempre brilhou”, diz Linda Bezerra, editora-chefe do CORREIO