Ademar Furtacor: artista deixa legado de baianidade e luta pela vida

Cantor e compositor morreu aos 62 após uma luta incessante contra o câncer

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 12 de janeiro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: TV Bahia/Reprodução

A morte de Ademar Furtacor marcou o final do ciclo de um homem que não se deu por vencido e viveu até o seu último fio de vida. O ícone da música baiana se recolheu para o mais profundo dos descansos na segunda-feira (11) após 62 anos de vida, 10 deles dedicados a uma árdua batalha contra um câncer no ânus.

No entanto, Furtacor era muito mais do que um homem que lutava contra um câncer de forma inspiradora - apesar de isso já ser muito. Cantor, músico e arranjador, ele comandou a banda que virou seu sobrenome no lugar do tradicional Andrade e foi a mente por trás de grandes sucessos da axé music na década de 1980.

Músicas como Frenesi, Negra Dourada, Demônio Colorido e Eu Amo Amar Você trouxeram versos que embalaram carnavais, amores que subiram e desceram serra e também romances mais efêmeros - como um dia qualquer na festa de Momo preza que deve ser.  Ademar e banda Furtacor em cima de um trio elétrico, numa das diversas performances nas décadas de 80 e 90 (YouTube/Reprodução) Dono de uma personalidade forte e posições muitas vezes intransigentes quando o assunto é trabalho, Ademar Furtacor deixa na memória de quem pôde conviver com ele a imagem de uma figura conversadeira, de alto astral. E um amor gigantesco pela música. Quem garante isso é o cantor Virgílio, parceiro quase inseparável de Ademar nos anos 90.

Quando saiu de Cachoeira com destino a Salvador carregando na mala apenas os seus 16 anos e o sonho de ser um cantor conhecido, foi em Ademar que ele encontrou segurança. Trabalhou junto em diversas bandas e, em vários projetos, só aceitava fazer parte se pudesse levar o seu amigo junto.“Ele era genial. Entendia tudo de música e me deu uma série de orientações. Às vezes, estava cantando e me perdia numa mudança de tom. Ele olhava pra mim de fora do palco, eu olhava de volta, e a gente começava a rir. Depois dos shows ele me orientava e assim fui construindo experiência”, lembra Virgílio em conversa com o CORREIO.Durante as gravações, era sempre muito rígido. Virgílio lembra que Ademar foi o diretor musical de seu primeiro disco, gravado em São Paulo, e era irredutível quanto às suas ideias: não costumava aceitar mudanças e quando colocava uma ideia na cabeça, só tirava depois de vê-la concretizada. “Ele era muito duro, muito sério nesses momentos. Curioso porque também tinha um coração gigantesco e acolhedor”, diz Virgílio. 

O prefeito de Salvador, Bruno Reis, foi a público lamentar a morte do músico. “Ademar é mais uma estrela da nossa terra que parte para brilhar no céu, depois de enfrentar, com muita vontade de viver, uma longa batalha contra o câncer. O seu legado e a sua alegria ficarão entre nós, que fomos presenteados com tantas canções inesquecíveis”, afirmou.

Luta Em 2010, Ademar descobriu um câncer no ânus. No mesmo ano, foi submetido à primeira cirurgia para tratar a doença e no dia 11 de novembro, no ano passado, publicou uma foto em seu Instagram lembrando que esse procedimento havia completado uma década. Agradeceu.

Foram muitas batalhas travadas por ele nesse período. Em 2012, viu seu estado de saúde se agravar após sofrer um infarto e perder parte da função cardíaca. Sobreviveu. Em 2015, o câncer que tinha teve metástase no fígado. Sobreviveu.

Enfrentou muitas dificuldades para fazer o seu tratamento durante esse percurso. Tanto que em 2018 foi às redes sociais pedir ajuda para continuar lutando. O apelo resultou num show realizado por Saulo e Luiz Caldas, que teve sessão extra e toda renda revertida para seu tratamento de saúde.

O cantor Ricardo Chaves relembra que não foram poucas as vezes que Ademar foi desenganado por médico, mas conseguiu sobreviver.“Somente o legado cultural e musical que ele deixa para a Bahia já é inestimável, mas ele foi além e deixou um exemplo de luta pela vida”, crê Chaves. Juntos, ele e Ademar Furtacor criaram o bloco Frenesi, em 1987, ano em que desfilaram juntos. Gravaram juntos algumas canções, entre elas, Frenesi.

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Tentando olhar o lado bom das coisas, escreveu durante o seu duro processo a música "A Felicidade tá no Sol", onde cantava que iria viver cada segundo como se fosse o último e valorizar as verdadeiras coisas que importam na vida.

Ademar Furtacor viveu, lutou, cantou e inspirou. Enquanto seu corpo descansa, o espírito e legado seguem vivos, marcados para sempre na história e corações de quem canta na Bahia.