Afro Fashion Day é passarela para o empreendedorismo de marcas locais

Com variados modelos de negócio, marcas assinam criações exclusivas para o evento

Publicado em 21 de outubro de 2019 às 06:20

- Atualizado há um ano

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Para desfilar no Afro Fashion Day há dois pré-requisitos básicos, um em relação aos modelos, outro em relação às marcas de roupas e acessórios. Os primeiros têm de ser negros, e se orgulhar dessa negritude; já as marcas, têm de ser baianas, e expressar com orgulho a identidade local - não é regra, no entanto, que elas sejam comandadas por empresários negros. “Quando o Afro foi criado ele tentou quebrar com duas coisas que pareciam regra. A primeira, a ideia de que não existia modelos negros que soubessem desfilar, um argumento tanto das agências quanto dos estilistas para a ausência deles nas passarelas. A segunda ideia que a gente queria combater era a de que não existia moda que prestasse em Salvador, que a moda feita aqui era uma moda copiada ou que as pessoas não comprovam de produtores locais porque preferiam comprar marcas nacionais”, explica Gabriela Cruz, editora de Conteúdo de Projetos do CORREIO e curadora de moda do evento ao lado de Fagner Bispo. Marcas ligadas ao Afro Fashion Day contaram com espaço para venda de suas criações nas edições passadas do evento (Foto: Arquivo CORREIO)   Em sua quinta edição, o evento segue mantendo o mesmo propósito, reunindo dezenas de modelos e 48 marcas de roupas e acessórios, que devem assinar criações exclusivas relacionadas ao tema da edição. Em 2019, elas deverão se inspirar na beleza das estamparias dos seis blocos afro homenageados pelo evento: Olodum, Filhos de Gandhy, Malê Debalê, Ilê Aiyê, Muzenza e Cortejo Afro. A cada ano, o desafio é comemorado pelas marcas, já que muitas delas não têm uma vitrine como essa, muito menos a possibilidade de produzir para passarela. Participando do AFD desde a segunda edição, em 2016, Kivia Souza, do Ateliê Casalinda, considera que o evento foi fundamental para a sua carreira como estilista, já que foi para ele que produziu sua primeira peça de roupa oficial - até então, sua marca só produzia acessórios. “Ainda lembro como me senti quando vi a modelo entrar na passarela. Fiz questão de apontar e dizer a todos ao redor que eu tinha feito aquela roupa”, diz Kivia. Antes de empreender e se jogar no mundo da moda, ela foi jornalista do CORREIO, onde trabalhou por sete anos até decidir mudar de carreira e investir no próprio negócio. Como muitos pequenos empreendedores, assumir o risco tem sido uma constante em sua trajetória. Tanto assim que foi uma das participantes do reality Salvador Fashion Race, e depois de lançar uma marca com o selo “slow fashion” (moda sem pressa) decidiu ir morar em Jaconina, no interior da Bahia."O Afro me jogou pra cima, me fez acreditar que eu era capaz. Acho que a primeira realização de qualquer designer de moda é ver sua roupa tomar vida em um corpo humano. Até então eu so tinha um manequim" - Kivia Souza, do Ateliê Casalinda  Estilista Kivia Souza, do Ateliê Casalinda, produziu sua primeira peça de roupa para o Afro Fashion Day, em 2016. Ano passado, ela criou peças exclusivas, na cor pink. "Quando eu era adolescente diziam que eu não combinava rosa, porque era "cor de branco". Eu fiz questão de usar um pink brilhante. Ver aquelas modelos negras, vestidas de rosa, brilhando na passarela me curou por dentro. Me impulsionou, inclusive, a produzir peças mais arrojadas e marcantes" (Foto: Lucas Assis/ Divulgação) Entraves  Como empreendedora, no entanto, os desafios têm sido muitos. “Desde 2015 venho tentando me dedicar. Mas não tinha grana o suficiente pra contratar mão de obra e fazer acontecer. E se tivesse, não teria coragem de iniciar uma empresa com um custo tão alto e com os riscos de mercado que eu sabia que existiam”, explica.  Para Najara Black, da N'Black, uma das principais dificuldades para quem quer empreender é justamente ter uma linha de crédito e um capital de giro capazes de manter o negócio por pelo menos um ano, que é quando as empresas começam a mostrar resulttado. “Temos uma dificuldade de entender de gestão financeira, de traçar público. Quando a gente tem muito dinheiro, e não sabe administrar, também é complicado porque acaba investindo em algo que não é tão bom, mistura o que é finança pessoal com o que é da empresa”, comenta Najara, que cria para o Afro Fashion Day desde a primeira edição, e  lançou a marca em 2007, dois anos depois de começar a investir em bijuterias. Da paixão por costumizar roupas e da visão de que faltava uma moda urbana que dialogasse com o jovem negro de Salvador, surgiu a ideia da N'Black. “Pensei de início em uma logo que as pessoas identificassem a mim, e coloquei N'Black porque achei que ninguém compraria uma roupa com meu nome”, confidencia. Najara Black se aventurou no empreendedorismo em 2005, quando começou a vender bijuterias. De lá para cá, aprendeu na prática a gerir sua própria marca, a N'Black (Foto: Arquivo CORREIO) Desafios Quem também não imaginava ter a quantidade de clientes que tem hoje, em todo o mundo, é o empresário Paulo Barbosa, da Closet Clothing, marca de moda praia voltada para o público gay masculino. Ele sempre se viu envolvido com linhas, agulhas e tecidos por conta da avó e da tia costureiras, e, assim como Najara, sempre gostou de costumizar suas próprias roupas. O tino para as vendas também começou cedo.  Sungas da Closet Clothing, de Paulo Barbosa, que investe no público gay masculino, e já ultrapassou fronteiras, com loja em Miami (Foto: Reprodução) “Tem a questão do talento, mas ele não significa muita coisa quando não há persistência. Eu lembro que isso sempre existiu na minha vida, desde pequeno, quando eu vendia gude e pipa para meus primos. Quando minha mãe comprou um freezer, eu não fui me gabar para meus amigos, fui fazer geladinho para vender”, lembra. A ideia de montar uma loja com suas próprias criações veio mais tardiamente, depois de atuar como sacoleiro multimarcas. Hoje, mantém lojas físicas em Salvador,  Rio de Janeiro, São Paulo e Miami, e tem na internet uma boa aliada para as vendas. A ousadia que todos esses empreendedores têm na condução dos seus negócios pode ser observada em cada peça do desfile, que mesmo se conectando ao que eles fazem comercialmente, tem diferenças. “Como meu trabalho era mais artesanal, e eu não venho da moda, eu não tinha esse entendimento do visual da passarela. Hoje vi que é preciso reelaborar, investir nas cores, nos tamanhos, perder o medo de ousar para poder aparecer”, destaca Tarsila Ferreira, da marca de acessórios La Abuela.

Desde a primeira edição participando do Afro Fashion Day, a marca dela tem uma trajetória interessante junto ao evento, por ter entendido desde cedo o quanto o espírito colaborativo pode impulsionar a todos. Tarsila, que já conhecia Isadora Alves, da Com Amor, Dora, de feiras e bazares pela cidade, estreitou os laços com ela por conta do AFD. De lá para cá, as duas já firmaram outras importantes parcerias, como o lançamento da Loja Guapa, espaço que reúne uma série de criadoras baianas em um shopping do Rio Vermelho.

Para Tarsila, desfilar no Afro Fashion Day é também sinônimo de ampliar público, alcançando consumidores com os quais a marca dela ainda não conseguiu estabelecer contato. "É incrível ver aquela vibração quando o modelo entra na passarela, muita gente torcendo, querendo ver", comenta.

Por isso, Paulo Barbosa considera o AFD um sinal de desenvolvimento criativo do empreendedorismo local. “Salvador precisa disso, precisa fomentar essa cultura. Quando fui convidado para o Afro, eu já desejava ver minhas peças em um desfile, criar algo para esse momento. Poder mostrar e me amostrar, como dizem por aqui. A gente precisa ser visto, e o evento possibilita essa troca de experiências, de descoberta de talentos, mexe com a criatividade dos estilistas e com o sonho das pessoas que querem aparecer”, avalia Isadora Alves, da 'Com Amor, Dora', e Tarsila Ferreira, da 'La Abuela', se juntaram a outras pequenas empreendedoras e artesãs para inaugurar a Loja Guapa, um ponto físico em um shopping do Rio Vermelho onde todas revendem suas peças (Foto: Divulgação/ Instagram)

MARCAS DE ROUPA 1 Abanto 2 Adriana Meira Atelier 3 Ateliê CasaLinda 4 Black Atitude 5 Cantuai 6 Carol Barreto 7CP2P 8 Cynd Biquíni 9 Closet Clothing 10 Com Amor, Dora 11 Costa Ribeiro 12 Crioula 13 Colabzona  14 Filipe Dias 15 Goya Lopes 16 Incid 17Jeanne Gubert 18 Jeferson Ribeiro 19 João Damapejú 20 Katuka Africanidades 21Lú Samarato 22 Madame Nalwango 23 Marc Bell 24 MB Conceito 25 Meninos Reis 26 Mônica Anjos 27N Black 28 Negrif 29 Porto de Biquíni 30 Realeza 31Regina Navarro Bella Oyá 32 Rey Vilas Boas 33 Silverino Ojú 34 Soudam 35 Soul Dila

MARCAS DE ACESSÓRIOS1 Ateliê 2 Boutique Negralá 3By Aninha 4Kelba Deluxe 5 La Abuela 6 Maria Coruja Ateliê 7 Outerelas 8 Preta Brasil 9 Sonbrille 10 Sou Diva, Tá Bom Pra Você 11 Turbanque 12 Wari 13 Ziê

O Afro Fashion Day celebra o Mês da Consciência Negra através da valorização do talento dos modelos negros e da criatividade de marcas, estilistas e designers de acessórios baianos, e é uma realização do jornal CORREIO com apoio do Salvador Shopping.