Afro Fashion Day leva elegância dos blocos afros para passarela do Terreiro de Jesus

65 modelos negros desfilaram com 45 marcas baianas neste sábado (30)

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 30 de novembro de 2019 às 21:29

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO
. por Marina Silva/CORREIO

A única passarela deles sempre foi a rua. Nos poucos dias de Carnaval, Ilê,  Malê, Muzenza, Olodum, Cortejo e o Gandhy fazem da avenida o local do seu protagonismo, o momento de maior exposição de suas identidades políticas e estéticas. O Afro Fashion Day, realizado neste sábado (30), no Pelourinho, inverteu essa lógica. Ao se inspirar nas fantasias dos blocos afros, a 5ª edição do evento fez as entidades carnavalescas ditarem moda na passarela de verdade.

Com parte dos tecidos doados pelos próprios blocos, 65 modelos negros desfilaram com 45 marcas, 33 de roupas e 12 de acessórios. Tendo como palco o Terreiro de Jesus, as peças e acessórios do AFD deram tons de sofisticação às cores e formas que costumam estar nas fantasias dos blocos. O branco e azul dos Filhos de Gandhy, o vermelho e amarelo do Ilê Aiyê, o leão do Muzenza, os búzios e máscaras do Malê Debalê, o requinte do Cortejo Afro, o multicolorismo do Olodum. Tava tudo ali, seja nos simples detalhes ou extravagâncias.

“Durante o resto do ano essa estética fica oculta. Só costumamos valorizá-la no Carnaval. Até usamos coisas africanas, mas não originais da nossa afrodescendência baiana e carnavalesca. Nossa intenção era trazer isso”, explica Fagner Bispo, curador do AFD desde a 1ª edição. Em um Terreiro tomado pelo público, o “ajaiô” do Gandhy, misturado a um som eletrônico, iniciou o desfile. Referências do turbante, dos colares e da indumentária foram usadas em peças do dia a dia, como chapéus, viseiras, calças, sungas e alpercatas.

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Declamando Haiti, de Caetano Velloso, o Cortejo Afro veio em seguida, com batas e vestidos alinhados. Foi seguido pelo Muzenza, com longos vestidos exuberantes, um maiô verde-cana, muitos detalhes em verde, preto e amarelo e até oncinha. O Malê trouxe blazers sóbrios e peças cheias de cor. O Olodum entrou com calças, saias e moda praia estampadas com suas cores e símbolo conhecidos mundialmente. O Ilê fechou com looks repletos de diversas referências africanas e seus incríveis turbantes. Todos levaram músicos e dançarinos de suas próprias trupes para se misturar entre os modelos e o som mecânico.

O próprio local escolhido para a realização do AFD deu ainda mais força ao evento. Referência da arte, estética e política negras, o Pelourinho e o Terreiro de Jesus formaram o cenário perfeito, um espaço de resistência e sobrevivência históricas em meio às diversas referências eurocêntricas, brancas e católicas.“Exatamente o que é o Afro Fashion Day. Porque nessas peças há muitas referências europeias. Você não viu os blazers? Mas o mercado está percebendo que as referências negras têm espaço e se misturam à moda tradicional. Este evento mostra que a moda negra não é só um produto cultural, mas também para o mercado”, disse a design têxtil e artista plástica Goya Lopes.Os estilistas destacaram a tranquilidade de trabalhar com referências conhecidas e até alvo de pesquisas anteriores. Adriana Meira, baiana de Brumado que mora em São Paulo, tem um trabalho voltado para os orixás e fez dois looks com toques de fantasias do Ilê. “São referências muito próximas da que eu vinha trabalhando”, explicou. Um dos estilistas convidados, o francês Marc Bell, que morou três anos em Salvador, disse que comprou uma passagem para a capital baiana assim que soube da realização do AFD.“Aqui para mim é o melhor lugar do mundo. Em termos de moda, vejo que as referências originais de vocês estão se fortalecendo, enquanto que na França estão se perdendo”, opinou o parisiense.    Seletiva Além do casting formado por 15 agências locais, dentre os 65 modelos estavam seis que participaram da seletiva de bairros. Este ano, 998 modelos se inscreveram no concurso para desfilar no AFD. Nícolas Ribeiro dos Santos, 17 anos, passou pelas oito seletivas e ficou em 1º lugar entre os homens. Morador de Itacaranha, acredita que nunca houve um momento tão propício para a estética negra, nesse caso dos blocos afros, se inserir na moda. “É uma estética que a moda já deveria ter aproveitado. Mas, a intolerância racial repudia nossa beleza. Os blocos lutam contra esse racismo há muito tempo e o Afro Fashion Day agora soube utilizar isso muito bem este ano”, diz Nícolas.Desde a 1ª edição, em 2015, mais de 250 modelos já passaram pelo Afro Fashion Day, revelando nomes para a moda nacional e internacional, a exemplo de Ana Flávia, Gabriel Pitta, Lucas Evangelista e, mais recentemente, Josana Santos.

Independentemente das top models, o AFD segue quebrando padrões. De altura, de peso, de gênero. Este ano, Josy Alves, que tem deficiência física desfilou com sua cadeira de rodas representando o bloco Muzenza A modelo Renata Trindade, 25 anos, da Bi Produções, é uma das que foge aos padrões de peso e altura ditados pelo mundo da moda. “O Afro Fashion Day desconstroi tudo. E os estilistas esse ano botaram pocando”, brincou Renata, que participa desde a 2º edição e no ano passado desfilou grávida.     O Afro Fashion Day é uma realização do jornal Correio, com o patrocínio do Salvador Shopping, apoio institucional da Saltur, Vem Pro Centro, Pelourinho Dia & Noite e Prefeitura Municipal de Salvador, apoio do Instituto ACM e Salvador Bahia Airport e parceria do Sebrae, Melissa, Vizzano e Imaginarte.

Participantes Das 45 marcas, 33 foram relativas a roupas, enquanto 12 assinaram o style dos acessórios. São elas: Abanto; Adriana Meira; Ateliê 2; Ateliê Casa Linda; Black Atitude; By Aninha Acessórios; Closet Clothing; Com Amor, Dora; Costa Ribeiro; Crioula; Cynd Biquínis; Fagner Bispo, Goya Lopes; Incid; Jeferson Ribeiro; João Damapejú; Katuka Africanidades; Kelba Varjão Deluxe; La Abuela; Lú Samarato; Maria Coruja Ateliê; Meninos Rei; Mônica Anjos; NBlack; Negrif; Outerelas; Porto de Biquíni; Preta Brasil; Rey Vilas Boas; Silverino Ojú; Sonbrille; Sou Diva - tábompravocê?; Soudam; Soul Dila; Turbanque e Ziê, além das oito estreantes no evento: Cantuai; Filipe Dias; CP2P; Jeanne Gubert; o francês Marc Bell; MB Conceito; Realeza; Regina Navarro Bella Oyá e Wari. Foram 65 modelos.