Afro Fashion Day reafirma identidade negra através da diversidade

Mais de 1,2 mil pessoas compareceram ao evento para celebrar a cor das cores; foram 63 modelos e 48 marcas

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  • Da Redação

Publicado em 25 de novembro de 2018 às 05:05

- Atualizado há um ano

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“A cor dessa cidade sou eu” - o primeiro verso da música O Canto da Cidade, imortalizada por Daniela Mercury, ecoou no Museu Du Ritmo às 19h25. Em seguida, foi a vez de Salve Moa do Katendê, na voz da cantora Lurdez da Luz explodir no ar, enquanto o público aplaudia, transbordando emoção na quarta edição do Afro Fashion Day (AFD). Foi um desfile, mas não só. O que aconteceu na noite de deste sábado (24), foi a festa da representatividade. 

Mais de 1,2 mil pessoas compareceram ao AFD para celebrar a cor das cores. Sessenta e três modelos e convidados encantaram a todos, reinando absolutos num palco com área total de 400 m² e passarela de 18 m² que avançou pelo meio da plateia. Teve de tudo: casamento, performance de drag queen, Pantera Cor-de-Rosa e até baile funk. O objetivo era um só: exaltar o protagonismo e a identidade cultural do povo negro.

Hora do show O desfile começou ao som de A Cor Dessa Cidade, primeira música do set do DJ Mauro Telefunksoul, responsável por toda a trilha sonora do Afro Fashion Day.“É sempre um prazer estar no Afro Fashion Day, um desfile que reverencia nossa cor, nossa raça. É lindo ver a passarela, as roupas, os modelos, as músicas... Tudo trabalhado na negritude, na Bahia. Fora que é um desfile mais aberto, sem limitação de padrões. Para embalar a galera vai ter muito afro beat e afro house”.Em seguida, aconteceu uma homenagem ao Mestre Moa do Katendê, assassinado brutalmente após uma discussão política este ano. 

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A passarela foi se colorindo aos poucos. Inicialmente, os modelos começaram exaltando o branco, com apenas alguns detalhes coloridos em cena. O arco-íris, porém, não demorou a chegar. E lá em cima, de roxo, estava Ton Oliveira, 23.

Foi a primeira vez que o rapaz desfilou na vida, porém, esbanjava confiança. Não é para menos: são anos de autoafirmação. “Quando era criança, pensava que não podia usar cores fortes porque não ia combinar comigo. A ficha caiu ainda na época. Uso tudo, adoro amarelo”.

As cores inspiraram também o público, que transformou a plateia num verdadeiro palco colorido. “Interessante que cor está ligada a destaque e, por muito tempo, o negro teve que se colocar no lugar do discreto para ter acesso ao menos a coisas básicas. A discrição é uma ferramenta de defesa. A gente tem que usar cores, se impor e ir de encontro a esse sistema que a todo momento tenta nos apagar”, destacou o redatora publicitária e blogueira Vanessa Ventura (@vanessaventurareal no Instagram), 27, que usou um macacão rosa-choque para o evento. 

Inspirada no tema do AFD, a funcionária pública e poetisa Pérola Anjos, 35, também apostou nas cores: usou um laço laranja e um vestido com flores vibrantes. ”Não podia perder um evento como este, que fala sobre beleza, estética, força e ancestralidade. Historicamente, negaram a nossa beleza e tentavam nos enquadrar em um padrão que não é o nosso. Tudo combina com a gente e a gente combina com tudo”, contou. A funcionária pública e poetisa Pérola Anjos, 35, foi uma das primeiras a chegar no AFD (Foto: Naiana Ribeiro) Destaques O desfile trouxe a diversidade em diversos aspectos. Um deles foi o casamento realizado em plena passarela, ao som de uma marcha nupcial remixada, com os modelos Michelly Marie e Diogo Arcanjo. Já Jonas Bueno, ganhador das seletivas de bairro, estava todo de rosa e se transformou na própria Pantera Cor-de-Rosa, arrancando gritos animados do público.

Outro ponto alto foi quando as modelos plus size desfilaram, cheias de beleza e poder, mostrando que podem usar o que quiserem - e quando quiserem. Gorda de maiô? Teve e pode!

No final, a abundância de cores tomou conta da passarela e todos os modelos se juntaram. Depois de um sonoro “Me solta p***!” , verso da música homônima de Nego do Borel, o palco virou um verdadeiro baile funk, que ferveu até às 22h. Teve até casamento na passarela (Foto: Renato Santana/CORREIO) Solidariedade Mais de 900 kg de alimentos não-perecíveis foram arrecadados e serão doados ao programa social Mesa Brasil, rede nacional de combate à fome e ao desperdício de alimentos do Sesc. Para o gerente de Marketing, Projetos e Mídias Digitais do CORREIO, Fábio Góis, o AFD trata de representatividade e por isso é tão importante. “Envolve moda e economia criativa, mas vai muito além disso. É algo que representa as pessoas, é um evento para a família inteira. Ficamos muito felizes com o novo local, o Museu du Ritmo. Foi uma decisão acertada porque agrega, além de beleza, história”, avaliou.

Estilistas Para Kelba Varjão, o desfile foi surpreendente. “Bebemos muito da moda que vem da raiz africana. E o desfile foi superforte”. Já para Jamile Musafiri, da Madame Nalwango, o Afro faz coro no enfrentamento ao racismo. “Os pretos tiveram a oportunidade de lutar contra estereótipos. Foi fácil trazer as cores porque os tecidos africanos são coloridos”. Madalena Bispo, da Negrif, disse que gostou, principalmente, da estrutura deste ano. “Teve um belo patamar de glamour e identidade”.

Para Gicellia Cruz, do Forum Nacional de Mulheres Negras, a noite foi um verdadeiro quilombo. "Estava lotado de gente negra, resistente e bela", conta a educadora que foi ao evento pela primeira vez assim como nomes de referência na luta antirracista, como a promotora Livia  Sant’Ana Vaz .

Convidados A cantora Majur, o refugiado Abou Ousmane e a drag queen Nininha Problemática foram os  convidados. “Arregacei! Por todas as negras e por todos os gays que acham que não podem chegar nos lugares por falta de oportunidades”, conta a drag. “O evento fortalece a nossa cultura e todas as minorias políticas”, diz Majur. O senegalês, que estreou na passarela, disse que espera seguir na carreira. “Estou feliz, mostrei um bom exemplo. Estar no Afro é responsabilidade”. "Estive presente pela minha cor e  meu gênero, como gay e andrógeno", disse a cantora e compositora que desfilou pela primeira vez (Foto: Renato Santana/CORREIO) Foram 48 marcas baianas no show: Adriana Meira; Aládio Marques; Abanto; Ateliê 2; Ateliê Casa Linda; Black Atitude; Boutique Negralá; By Aninha Acessórios; Candida Specht; Carol Barreto; Closet Clothing; Com Amor, Dora; Costa Ribeiro; Crioula; Cynd Biquínis; Erika Rigaud; Euzaria; Fagner Bispo; Goya Lopes; Incid; Ismael Soudam; Jeferson Ribeiro; João Damapejú; Jorge Nascimento; T Camisetaria; Katuka Africanidades; Kelba Varjão Deluxe; La Abuela; Lú Samarato; Madame Nalwango; Maria Coruja Ateliê; Meninos Rei; Mônica Anjos; NBlack; Negrif; Sungas Oliver; Orig; Outerelas; Porto de Biquíni; Preta Brasil; Rey Vilas Boas; Silverino; Sonbrille; Sou Diva - tábompravocê?; Soul Dila; Tempt; Turbanque e Ziê. O AFD tem apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, apoio do Salvador Shopping, Sebrae, Vizzano, Museu Du Ritmo e Impacto Visual e parceria com O Boticário, Clube Melissa e Edy Diamonds.

Cabelos com tranças coloridas e pele boa As cores que são o tema do Afro Fashion Day 2018 foram além dos looks. A equipe do cabeleireiro Alberto Alves cuidou das tranças que coloriram as cabeças de 20 das modelos que passaram pela passarela. “A ideia foi fugir do óbvio, que seria pensar nas cores na maquiagem. Por isso fomos para o cabelo”, comenta Fagner Bispo, produtor de moda do AFD desde a primeira edição. 

“Depois que recebemos o conceito, adaptamos aos materiais e ao tempo de trabalho”, diz Alberto. Para as tranças foram usados 70 metros de fibras de sete tonalidades: azul, laranja, roxo, rosa, vermelho, amarelo e verde. “Tudo em sintonia com a paleta de cores dos looks que elas vão usar”, pontua Fagner. Cor no cabelo e maquiagem leve (Foto: Lucas Assis) Maquiagem No rosto, quase nada, “pele bonita”, como faz questão de frisar Fagner. A beleza assinada pelo maquiador Dino Neto e sua equipe é bem simples. O motivo: “valorizar nossa beleza”, comenta Dino. “É muito do que se tem usado nas semanas de moda do mundo, que é uma make simples”, continua Fagner.

Um dos pontos principais da maquiagem foi a pele matificada. “A gente tira o brilho do rosto inteiro, menos de dois pontos”, diz Dino, ressaltando o uso de gloss nos lábios e nos olhos, como se fosse sombra. “É tendência no mundo inteiro”, finaliza Fagner.