Agenda Bahia: Qual foi o futuro que a pandemia trouxe?

Algumas megatendências chegaram antes, mas desigualdade é desafio

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 19 de agosto de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

Os quase cinco meses de isolamento social por conta da pandemia trouxeram significativos avanços em relação às grandes tendências que irão influenciar no futuro da humanidade. Ao mesmo tempo, o período escancarou os desafios que precisam ser superados para fazer do que está por vir um período de prosperidade para todos. 

A ampliação da conectividade, o aumento nas preocupações com a saúde preventiva, a difusão do home office e do ensino à distância anteciparam tendências para os próximos cinco ou dez anos. Por outro lado, o isolamento expôs e em muitos casos ampliou as desigualdades. Os desafios do mundo hiperconectado foram discutidos ontem na primeira edição do Agenda Bahia Ao Vivo. 

O futurista Peter Kronstrom, head do Copenhagen Institute for Futures Studies Latin America, acredita que a pandemia não alterou as 14 megatendências para o futuro, mas apenas antecipou-as. Ele foi um dos convidados da live realizada no Instagram do CORREIO ( @correio24horas ), ao lado do consultor em diversidade Paulo Rogério Nunes, cofundador da aceleradora de negócio Vale do Dendê, e da jornalista Rachel Vita, curadora do Agenda Bahia e responsável pela mediação do evento. 

“As megatrends (megatendências) não mudaram, seguem atuando. A covid-19 não foi inesperada, o que foi inesperada foi a rapidez com que todas as pessoas foram colocadas em mesma página”, destacou Peter  Kronstrom. Para ele, a sensação de incerteza que vem sendo percebida por boa parte da humanidade não é nenhuma novidade. “Nós que trabalhamos analisando os futuros possíveis lidamos com as incertezas o tempo inteiro”, explicou. 

Para ele, tudo o que está acontecendo atualmente tem potencial para gerar muita inovação mais adiante. “É um mal, mas poderá trazer muitas coisas boas para a sociedade no futuro”, acredita. Agora, o principal impacto provocado pela pandemia é o de uma grande antecipação de cenários, destaca. “Muita coisa está acontecendo de maneira mais rápida do que aconteceria”, ressalta. “Veja o ritmo em que estamos acompanhando a transformação digital do mundo. Nenhum grande líder empresarial seria capaz de trazer tanta transformação em um espaço de tempo tão curto assim. Estamos vendo a antecipação de vários futuros. Outro exemplo disso é a educação online”, lembrou. A mobilidade é destacada por ele entre as áreas impactadas, mas neste caso apenas num curto espaço de tempo. Com a pandemia, o transporte coletivo perdeu força para as alternativas individuais de deslocamento. “Hoje a grande preocupação é com o transporte seguro. Isso tem atrasado o desenvolvimento do transporte compartilhado, mas é algo que deve ser temporário”, acredita. 

Ao contrário das preocupações com a saúde. “Isso está sendo acelerado pela covid e todos nós estamos nos tornando especialistas em epidemiologia e virologia. Todos se preocupam mais com a própria saúde agora, mas é algo que deve se manter”, avalia. 

Diversidade Mas como seria passar por uma quarentena sem que o mundo estivesse conectado e sem o acesso a todas essas ferramentas modernas? A pergunta feita hipoteticamente por Peter  Kronstrom é uma realidade para milhões de pessoas no mundo. 

Paulo Rogério Nunes acredita que o momento atual é bastante propício para uma “reflexão global e coletiva” sobre o tipo de futuro que se deseja construir.  “A gente sabe que tecnologia está cada vez mais nos centros das nossas vidas. Agora mesmo, vários processos foram acelerados e um exemplo disso é a transmissão digital de um evento que sempre foi físico”, falou, destacando o exemplo do Agenda Bahia.  “A pergunta é se queremos um futuro inclusivo e participativo, ou um futuro onde dados sejam usados de maneira incorreta pelas corporações, onde o acúmulo excessivo de capitais só faça ampliar desigualdade”, ressaltou. Paulo Rogério acredita que o período de isolamento tornou duas questões relacionadas ao acesso à tecnologia de grande importância. Um destes aspectos é a produção de conteúdo online e ele se mostra preocupado com a sobrevivência de empreendedores de pequenos porte. “Temos visto aumento da discussão sobre produção de conteúdos online, mas a pergunta é como fica o pequeno músico que está começando”, questiona. 

Além disso, ele lembra que estar conectado pode ser literalmente a diferença entre a vida e a morte. “Quem tem acesso a dados pela internet consegue acessar informações no conforto do seu lar, usar diversos serviços sem sair de casa. Mas tem muita gente nas filas de bancos porque não sabem usar o celular, indo a postos de saúde por não poderem fazer acesso remoto”, lamenta.  

Pensando mais além, Paulo Rogério destacou a necessidade de modificações na educação para que os jovens possam aprender a ligar adequadamente com a tecnologia. “Aprender programação hoje em dia é quase como aprender português. É preciso que o jovem seja estimulado a usar tecnologia a favor dele no sentido mais prático”, recomenda. 

Paulo defende a necessidade de se alterar as bases da educação brasileira para torna-la mais inclusiva. “Há muitas possibilidades no futuro hiperconectado”.

O Peter Kronstrom lembra que hoje em dia os diplomas tradicionais já estão perdendo importância. “Muitas vezes, minicursos online são bem mais importantes poque o empregador do futuro buscará cada vez mais talentos do que diplomas”, avisa. 

Espaço para todos Uma das perguntas feitas para os dois convidados é se no futuro hiperconectado haverá espaço para todos. Paulo Rogério aproveitou para destacar que a tecnologia é uma ferramenta e que, por isso, o impacto dela vai depender do uso que se der à mesma. “É como uma faca, pode cortar uma alimento, como uma maça, ou ser usada para matar uma pessoa. O que fazer dela é importante, esse direcionamento é fundamental”, avalia. 

Ele destacou que o Brasil possui ferramentas legais que ajudam no controle do uso da tecnologia, porém ressaltou que o desafio extrapola as fronteiras nacionais. “As regras precisam ser globais porque se não empresas saem de um pais e vão para o outro”, ponderou. 

Paulo Rogério externou a preocupação com a possibilidade de os dados serem utilizados para perseguir pessoas. “Hoje em dia um cidadão afro tem três vezes mais chances de ter crédito negado. Se isso for levado para base de dados será muito ruim. Hoje a base já está contaminada com nosso preconceito, ódio, notícias falsas. Em algum momento, quando o trabalho humano for menos necessário, o que será da sociedade em que máquinas estão aprendendo conceitos errados sobre a vida e as pessoas?”, questionou. 

Para Peter Kronstrom, o melhor caminho é o desenvolvimento de uma consciência em relação ao uso dos dados. “É preciso pensar numa espécie de PPP (parceria público-privada) para colocar todos os atores na mesa e entender como vai ficar questão do uso dos dados”, acredita. Ele defende que não apenas organizações gigantescas como o Google e o Facebook deveriam ter acesso ao universo dos dados. “Precisamos que startups e pequenas empresas tenham acesso. Se não compartilharmos dados livremente, vamos perder muito valor que pode se perder em termos de saúde e de segurança”, acredita. Para ele, o mais importante é que o acesso a isso seja universal. 

O Fórum Agenda Bahia 2020 é uma realização do CORREIO, com patrocínio do Hapvida, parceria do Sebrae, apoio da Claro e Sistema FIEB e apoio institucional da Rede Bahia.

As 14 megatendências para o futuro

Desenvolvimento demográfico   As pessoas estão vivendo por mais tempo e se concentrando em centros urbanos.  O fluxo migratório de regiões mais pobres para mais ricas se intensificou.

Crescimento econômico   Apesar do momento de instabilidade global, a tendência segue sendo de crescimento das economias, embora menos acelerado.  Mudanças nas lideranças econômicas (países e organizações) devem acontecer. A preocupação com a diversidade da força de trabalho e a sustentabilidade do desenvolvimento se acentua.

Sustentabilidade   A urbanização e o crescimento econômico demandam maior consumo de recursos naturais e cresce a preocupação com a preservação do planeta. Energia renovável, conservação da natureza e consumo consciente fazem parta da pauta. 

Desenvolvimento tecnológico  Após um período de acelerado desenvolvimento de novas tecnologias, observaremos a implicação de sua implementação na sociedade e a democratização do acesso. Proteção de dados individuais e Inteligência Artificial aplicada a solução de grandes desafios sociais são temas de interesse. 

Foco na saúde  Qualidade de vida e bem-estar ganham importância num contexto de maior longevidade, vida urbana e jornadas estressantes.  A prevenção ganha espaço sobre o tratamento, tanto na perspectiva individual (auto responsabilização) como no ecossistema de negócios (economia para os planos de saúde).   

Comercialização (monetização)  Tudo tem seu valor e seu preço. Estamos dispostos a pagar pelo conforto, uso de bens, tratamento diferenciado, aconselhamento, informação e conhecimento. Na economia informal, todo tipo de serviço pode ser oferecido em pequena escala. A megatendência acentua-se em momentos de crise, quando as pessoas buscam alternativas criativas para ganhar dinheiro.

Globalização  O mundo está cada vez mais conectado.  A interdependência econômica entre as nações é acompanhada pela interação entre povos, com impactos culturais e políticos.  A tribalização não é mais geográfica e conecta pessoas com interesses comuns em diferentes pontos do planeta.  Cresce a consciência de pertencimento à coletividade global.

Individualização   Exigimos, cada vez mais, o reconhecimento e o respeito à nossa individualidade.  Rótulos e caracterizações coletivas, mesmo quando associadas a causas, não são mais satisfatórias. Buscamos o desenvolvimento pessoal e a liberdade de ser. Valorizamos o tratamento individualizado e a exclusividade.

Sociedade em rede  Cresce a percepção de importância de nossas conexões.  As Redes Sociais transformam as relações e possibilitam a comunicação direta (desintermediada) entre pessoas e organizações. A rede de contatos é considerada um ativo cada vez mais valioso para apoiar nossos planos pessoais e viabilizar os coletivos. 

Democratização    Sociedades cada vez mais participativas, aperfeiçoamento dos direitos humanos e das liberdades e responsabilidades individuais e coletivas permeiam a sociedade.  A diversidade é reconhecida e estimulada. A transparência das instituições, públicas e privadas, é exigida.  Acreditamos no direito de voto e veto para tudo aquilo que nos afeta.

Polarização  No contexto socioeconômico, aumenta a distância entre os extremos e desaparecem as posições intermediárias. A classe média e os partidos políticos de centro são impactados.  Diminui o espaço para opiniões conciliadoras e crescem os conflitos ideológicos. A economia é definida por grandes corporações e pequenos negócios, sem espaço para empresas médias.

Imaterialidade  Cresce a consciência de que pagar pelo uso é mais interessante do que pela posse. A experiência de consumo vale mais do que o produto. Conhecimento, influência, acesso, exclusividade e outros valores intangíveis são os novos sinais de riqueza.  

Sociedade do conhecimento  Revolução da Informação se sobrepõe à Industrial e transforma o conhecimento em um bem de alto valor.  Saber vale mais do que ter. O desenvolvimento tecnológico acelerado e seu impacto socioeconômico criam a necessidade de constante atualização e perenizam a condição de aprendiz. 

Aceleração e complexidade  A percepção generalizada é a de que tudo acontece com maior rapidez e a realidade se torna mais complexa.  A renovação e a inovação acontecem em todas as partes.  Organizações incorporam novas tecnologias e transformam sua oferta para promover a satisfação de consumidores cada vez mais exigentes, em busca da gratificação instantânea.