Aglomeração se aprende na infância

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 5 de julho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Aglomeração se aprende na infância. A casa cheia de parentes vindos de outros Estados. As férias de janeiro, o sotaque baiano misturado aos de paulistas e cariocas. Alguns traziam namorados e amigos, recebidos com estranheza e alegria. Todos os cômodos repletos de colchões. Os melhores almoços do mundo.

E passeios turísticos. Íamos todos espremidos nos fundos de um chevette, percorrendo a cidade. A Colina Sagrada, o Porto da Barra, o Farol de Itapuã. Uma luta para ocupar uma das janelas traseiras do automóvel e ver as paisagens, quase tão turista quanto eles. Os primos da mesma idade disputando à tapa nossos brinquedos.

Dava até saudade daquele alvoroço, quando atravessámos o túnel de bambus do Dois de Julho e os aviões levantavam voo. Uma vida inteira sob o signo da festa. O cheiro do caruru, a cada quatro de dezembro, acendendo a memória. A feijoada da Lavagem do Bonfim, feita de véspera, as cadeiras na porta, vizinhos na resenha.

Acordar de madrugada com o barulho da voz de meu pai chegando em casa da fábrica, falando alto, trazendo consigo o pessoal do trabalho. Minha mãe no fogão, à contragosto, preparando tira-gostos, enquanto minha irmã e eu espiávamos sonolentas, pela porta do quarto, encantadas com todo aquele movimento.

Meus pais, gregários, baianos até o osso, sempre cercados de gente por todos os lados. Aprender com eles a aglomeração das festas de largo. As barracas coloridas, as batidas, as imagens pintadas nos bancos. Um jeito de atravessar a multidão sem machucar o corpo, como se dança, deslizando entre braçadas e cotovelos.

Dali até o carnaval, um pulo. Território onde todo mundo circulava com medo e desejo. As moças e os moços adivinhando pelo canto dos olhos. Abrir os braços, estar em grupo. Dezenas de garrafas lançadas ao mar de gente que, em ondas sonoras, parecia sacolejar ao vento. Os saraus, os lançamentos, os amigos no prelo.

De repente, o distanciamento. O pasmo, a tela, a cela, o fardo de dias e dias sem contato. A espera por notícias dos outros. A tristeza diante do número de mortos. O desejo de ir à rua. A calma necessária, a fé, o peso da esperança. A esperança, esse farol aceso. Aglomeração, meu amigos, aprende-se na infância.