Agora empresário, Gustavo Borges faz análise da natação atual

Ex-nadador concedeu entrevista ao CORREIO

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  • Ivan Dias Marques

Publicado em 8 de junho de 2018 às 15:47

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ane Dourado/Divulgação

São quatro medalhas olímpicas (duas pratas e dois bronzes), 19 em pan-americanos e 12 em campeonatos mundiais. A história da natação brasileira tem em Gustavo Borges um dos seus grandes personagens. Longe das piscinas desde 2004, o paulista de Ribeirão Preto, aos 45 anos de idade, agora é um empresário de sucesso.

Formado em Economia pela Universidade de Michigan, nos EUA, onde nadou nos anos 90, desenvolveu um método próprio de gestão esportiva para academias, sejam elas de esportes aquáticos ou não. Hoje, a Metodologia Gustavo Borges está presente em quase 400 licenciados, com mais de 150 mil alunos por todo o país e planos para parcerias no exterior.

Em maio, Gustavo esteve em Salvador para uma palestra com empresários sobre sua metodologia, além de uma atividade com crianças. Nesse entretempo, bateu um papo com o CORREIO, falando de gestão, de natação, paternidade e abuso sexual no esporte. Confira:

CORREIO: Em que consiste a Metodologia Gustavo Borges?

Gustavo Borges: Na metodologia, a gente trabalha em gestão aquática, um dos elementos da forma como a gente educa. Educação por meio da natação. A gente trabalha a habilidade aquática no desenvolvimento motor/idade dos alunos, assim como no desenvolvimento de comportamentos. Então, quando você olha a gestão aquática como um todo, você olha os pilares que são importantes. Um tem a ver com isso, com a metodologia estruturada de trabalho, o processo pedagógico. Outro é a gestão da parte aquática, da parte mais operacional, mapa de ocupação, como você toca seu negócio. E outro do desenvolvimento dos profissionais para deixá-los capacitados e preparados para trabalhar a parte pedagógica do negócio. Então, se você junta o método de trabalho, com uma gestão eficiente e com profissionais bem capacitados, você começa a ter um bom ponto de partida para fazer um bom negócio. A metodologia dá uma assessoria nesses quesitos para a operação da instituição ou da academia.

C: É trabalha um processo de iniciação esportiva ou num nível maior?

GB: A gente atende todos os níveis de clientes, menos o competitivo, que tem uma particularidade própria. Dentro do trabalho que a gente faz, a metodologia cuida de bebês até adultos. Então, vai cuidar de crianças, jovens, do pessoal que está procurando condicionamento físico. A gente tem objetivos semanais, que é passado pro pessoal que está buscando condicionamento físico. O foco não é o esporte competitivo.

C: Qual o alcance que sua metodologia vem tendo?

GB: Hoje, a gente tem 380 licenciados pelo Brasil. Por volta de 150 mil alunos estão dentro do nosso trabalho. A Infinity é nosso representante aqui em Salvador, temos em Camaçari também. Isso representa mais ou menos 12,5 milhões de queda n’água por ano, desses alunos fazendo atividade dentro das nossas unidades licenciadas. São números grandes de crianças participando de aulas, passando por processo educacional, de pais e mães presentes dentro das unidades, trabalhando com os profissionais, com os educadores. É um trabalho bastante amplo, com bastante dedicação para fazer um negócio legal. Gustavo Borges conta suas experiências para crianças e adultos em academia de Salvador (Foto: Ane Dourado/Divulgação) C: Essa metodologia já chegou a outros países?

GB: Tivemos uma parceria na África do Sul há alguns anos e hoje estamos ampliando para alguns clientes no exterior. Mais objetivamente, estamos com acordos bastante costurados no Chile, Estados Unidos e México, pra gente poder fazer umas parcerias e uma inserção no segundo semestre.

C: A vida de empresário está dando tanta satisfação quanto a vida de nadador?

GB: É bem diferente, gosto muito da vida de empresário. Tive um encontro com empreendedores da Bahia e é muito gostoso ver o espírito empreendedor. É parecido com o espírito do atleta, que é acostumado a empreender o próprio corpo. Apesar de ser diferente. (O atleta) Tem uma data marcada praquilo acontecer e, na empresa, você tem uma série de coisas acontecendo, todo mês uma celebração e as emoções acabam acontecendo de uma forma diferente. Gosto muito do que eu faço, do trabalho que tenho. De estar próximo dos gestores, das crianças, dos jovens. Isso é muito legal.

C: Já pensava nisso quando fez economia em Michigan?

GB: Imagine, nem sabia onde eu estava me metendo (risos)! Tô brincando. Eu não esperava fazer isso que estou fazendo isso hoje, mas trabalhar com academia e com atividade física, me dá uma satisfação muito grande. É uma realização, sem dúvida nenhuma. Eu não podia escolher um trabalho diferente.Eu não esperava fazer isso que estou fazendo isso hoje, mas trabalhar com academia e com atividade física, me dá uma satisfação muito grande. É uma realização, sem dúvida nenhuma.C: Seu filho (Luiz Gustavo Borges, de 18 anos) é nadador e bateu seu recorde lá na Universidade de Michigan. Com é que está sendo essa fase de pai, vendo o filho ir no mesmo caminho?

GB: Muito legal. Essa fase é muito boa. Ele é jovem, com aquela potência da juventude, estudando na mesma escola que eu estudei, passando por vários momentos similares que aconteceram comigo, os locais que ele frequenta, todo o ambiente, lembro de todos os detalhes e tenho visitado ele lá. É uma alegria total de ver isso acontecendo, ele já tá muito bem encaminhando. Muito feliz com as decisões que ele tomou e fazendo uma natação boa.

C: Desde que você se aposentou em 2014, o que mudou na natação brasileira? O que foi pra trás e o que foi pra frente?

GB: Acho que pra trás, não foi muita coisa não. A gente teve uma caminhada pra frente, às vezes com passos mais largos, às vezes com mais curtos. Por mais que na Olimpíada a gente tenha tido uma expectativa muito grande de resultados e que não aconteceu, em termos de infraestrutura, ela teve um impacto no Brasil bastante significativo, com piscinas espalhadas que foram reformadas, adaptadas ou refeitas. A piscina do Flamengo, que estava desativada, hoje é uma piscina importante no Brasil para treinamento, para um clube grande como o Flamengo. O Pinheiros renovou sua piscina, agora de altíssima qualidade e com uma infraestrutura magnífica lá dentro do clube, o centro paralímpico também. Então tiveram coisas boas que aconteceram. Mas, de 2004 pra cá, o que aconteceu de mais importante acho que foi o nível de treinamento e capacitação dos profissionais brasileiros, que ajudou muito no desenvolvimento da natação brasileira de forma geral.

C: Uma das piscinas do Rio-2016 veio pra Salvador, inclusive, você sabia? Está sendo instalada na orla da capital baiana.

GB: Aqui é uma alegria muito grande, depois do que aconteceu na Fonte Nova, na piscina na qual eu fui 4º lugar no Brasileiro de 1988. Ela foi desativada e era uma tristeza pra região, porque não eram muitas as piscinas, ainda mais de 50m.De 2004 pra cá, o que aconteceu de mais importante acho que foi o nível de treinamento e capacitação dos profissionais brasileiros, que ajudou muito no desenvolvimento da natação brasileira de forma geral.C: Depois do Rio-2016, a gente teve uma série de episódios de corrupção sendo descobertos. O presidente do COB foi preso durante algum tempo, o da CBDA também. Você acha que é parte do “legado” olímpico esse combate à corrupção, por conta até dos gastos que houveram?

GB: Acho que combate a corrupção precisa ser feito sempre. Acho que o que vem sendo feito na esteira da Lava-Jato ou do Mensalão, no passado, é que não dá mais para viver assim. A parte política ou quem coordena as federações ou confederações, o modelo que funcionou na década de 70 ou 80, não funciona mais. Então, a transparência, o modelo de gestão, o foco no resultado de uma maneira mais profissional, ele é muito importante agora. E tem várias ferramentas para essas pessoas que estão na gestão do esporte hoje balizarem seu trabalho. Pacto pelo Esporte, os ratings das confederações... E na hora que você fala da corrupção, dos caras que vão presos, isso é o mínimo que a gente espera que aconteça. Que quem faz algo errado, que pague pelo que fez, que responda pelos seus atos. O importante é o seguinte: se tiver indiciamento, que se julgue e que busquem os fatos. Mas o que a gente precisa é de uma estrutura mais moderna na gestão do esporte como um todo e essa é expectativa de futuro que todos nós queremos, não só na gestão do esporte, mas do nosso país como um todo.

C: Você acha que falta uma participação dos atletas nas decisões das federações?

GB: Sim, mas tem dois problemas. O atleta quer participar, mas não tem tempo. E o gestor fala que quer que o atleta participe, mas não constrói o ambiente adequado para que essa participação ocorra. Então, quando acontece essas duas coisas, é muito difícil você ter um organismo mais adequado a todas as situações. Mas as decisões que aconteceram no COB e nas confederações - e que está uma movimentação país afora em termos de confederações - têm uma participação maior dos atletas sim. Foi um grande salto dentro do Comitê Olímpico Brasileiro, dentro das confederações, várias delas com bastante participação dos atletas. É um primeiro passo para que a gente possa avançar nesse cenário e ter uma participação mais ativa das pessoas que queiram participar – e que não sejam apontadas para isso – e assim por diante, pra gente ter um esporte melhor.O problema tem que ser tratado de uma forma muita cuidadosa, muito profunda e dando liberdade para pais, mães, treinadores, atletas falarem sobre o tema, discutirem sobre o tema e terem uma evolução sobre esse tipo de coisa (assédio sexual)C: A gente teve essa denúncia gravíssima sobre abuso na ginástica recentemente e queria sua opinião. A gente sabe que isso, infelizmente, acontece em todos os lugares. Como você acha que se pode evitar essa situação no esporte?

GB: Tem casos em todos os esportes, em toda a sociedade. A pedofilia, ou o abuso sexual, é um problema da sociedade como um todo, não só do esporte em si. Para solucionar ou para diminuir isso, a instrução e educação em cima do tema é mais que necessária. E as pessoas que fazem esse tipo de coisa tem que ser punidas de forma exemplar. Não tem cabimento você lidar com crianças e jovens e ter uma atitude como isso. O problema tem que ser tratado de uma forma muita cuidadosa, muito profunda e dando liberdade para pais, mães, treinadores, atletas falarem sobre o tema, discutirem sobre o tema e terem uma evolução sobre esse tipo de coisa. Há algum tempo, quando eu estava na faculdade, o trote era legal, podia fazer. A partir do ponto que uma pessoa morreu com trote, foi proibido. Hoje, você vai parar na Justiça dos EUA se fizer isso lá. E não só a questão do abuso que ocorreu, mas é importante também tratar sobre o bullying que existiu quando os atletas falavam do assunto. Primeiro, é ter as pessoas falando sobre o assunto, abrindo o coração e mostrando o tanto que é importante o tema e deixar mais difícil que pessoas que tenham mentes poluídas exerçam atos como esse.

C: Por fim, ao que a Bahia te remete?

GB: Só alegria! Já fui pra Carnaval, conheci as praias do Litoral Norte, vim pra Salvador muitas vezes. A comida baiana, a receptividade dos baianos é sempre muito agradável. Quando você está na Bahia, em Salvador, o clima é leve. A leveza do ser e estar aqui é incrível. Quando venho de São Paulo nessa correria, paro aqui duas horas e já volto diferente.