‘Ainda não caiu a ficha’, diz Davi Moraes

Artista conta como transformou em música a dor de perder o pai Moraes Moreira, a mãe e avó em 2020

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  • Laura Fernades

Publicado em 1 de janeiro de 2021 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Clarissa Piveta/Divulgação

O ano de 2020 não foi fácil para o músico Davi Moraes, 47 anos: ele perdeu o pai Moraes Moreira, em abril, sete meses depois foi sua mãe Marília Mattos e teve ainda a avó Dona Cândida, que morreu de covid-19 aos 97 anos. Tudo isso aconteceu meses depois de se separar da cantora Maria Rita, com quem tem uma filha, Alice, 7 anos. “Quando nem me dei conta de como lidar com uma, veio outra e outra”, lembra Davi. 

Apesar da porrada, o artista encontrou forças para transformar a dor em música. Na terça-feira (5), Davi lança o EP Todos Nós (Biscoito Fino), com quatro músicas em homenagem a Moraes. A ideia surgiu em um cantinho de casa, onde encontrou no violão uma forma de acalentar o coração. Não imaginava lidar com tanta saudade ao mesmo tempo, então viu ali uma forma de ressignificar o luto.

“A música, em todos os momentos de alegria, tristeza, saudade, dor, está ali com a gente. A primeira coisa que senti foi que era um canal fortíssimo de comunicação com meu pai depois da partida dele”, conta Davi, por telefone. “Busquei muito o violão, cantando músicas dele, do fundo do baú, e isso confortava meu coração, fazia me sentir perto dele”, explica.

Pai, amigo e parceiro, Moraes estava sempre presente. Quando Davi se separou, ele ligou na hora e o filho disse não estar bem. “Eu senti daqui, por isso te liguei”, lembra Davi, sorrindo orgulhoso do pai. Quando Moraes partiu, no início da quarentena, Davi interrompeu o disco que estava preparando, mas já tinha uma música gravada com Joyce Morena. Foi a semente do EP.

Aquele abraço A parceria inédita começou na padaria, onde Moraes entregou a letra 'Aquele Abraço do Gil', em um pedaço de papel a Joyce, que em um dia fez o samba. Davi queria lançar em seu disco solo, mas com a morte do pai adiou o projeto. Depois de um tempo, Joyce retomou a parceria com um convite: “Vamos lançar essa música como homenagem?”.

Diante de toda a repercussão e dos tributos ao pai Brasil afora, Davi achou pouco. “O sentimento de gratidão era enorme no meu peito, por ter sido o pai que foi, o companheiro de estrada que mostrou pra família valores incríveis de vida. Diante do reconhecimento artístico com o do ser humano, pensei: ‘Não posso lançar só uma música’”, diz.

Davi então correu atrás das outras para compor o EP, cuja capa é uma foto dele criança ao lado de Moraes. Com Carlinhos Brown, que tinha “longa amizade com meu pai”, compôs o bolero Ao Santos. A música, que também tem participação do produtor do EP, Kassin, traz um arranjo que é a cara dos eternos Novos Baianos.

Com Marina Lima, gravou Davilicença, música que a cantora viu Moraes compor com Armadinho Macêdo. “Quando a gente morava em um apartamentozinho no Leblon, Armando morou com a gente por seis meses. Tocava com meu pai todos os dias, até de madrugada, e eu ia acordar ele cedinho com um bandolim (risos). ‘Davilicença’ porque eu ficava passando entre eles”, conta, rindo.

Já a música O Cantor das Multidões, que fala do “mestre de Ituaçu, Bahia, que encontrou a companhia de baianos talentosos”, tem participação de Mu Carvalho e Dadi. “Trouxe um pouco do A Cor do Som para falar sobre a cidade natal dele, do encontro com todos os baianos, parceiros em geral”, explica Davi.

“Queria agradecer a essa Bahia que mora no nosso coração. Sou carioca, mas tenho muito da Bahia no meu sangue. Sou filho de um desses imigrantes guerreiros que veio em busca do sonho de viver da música e que conseguiu levar essa cultura para o âmbito nacional. Minha gratidão a essa Bahia que sempre tratou ele com muito amor”, enaltece.

Fé  O trabalho Todos Nós leva esse nome não só porque foi a primeira composição de Davi, gravada quando tinha 11 anos por seu pai e banda. Mas também porque resume essa grande homenagem feita “por todos nós a eles e a todos que, de alguma forma, os reverenciaram”, explica.

“Consegui, de máscara no estúdio, fazendo teste, terminar esse trabalho para começar o ano retribuindo, dando vazão a essa gratidão gigantesca por ele e por minha mãe”, comenta. “Foram duas pessoas que tiveram uma vida incrível juntas. A gente fica com uma enorme saudade, ainda nem caiu a ficha direito”, agradece.

Os três, pai, mãe e avó, tinham uma conexão forte e só isso explica a partida no mesmo ano, acredita Davi. “Lembro dos três conversando à beça no Natal. Foram se encontrar, impressionante, estão olhando por nós”, diz convicto. “Minha mãe caminhou com ele desde Os Novos Baianos, foram casados 20 anos e se falavam todo dia. Regaram a planta da amizade até o fim da vida”, comemora.

Diante desse EP criado a partir da emoção vivida em 2020, Davi acredita que é preciso nunca perder a fé. “Estou falando da minha história, mas cada um dos brasileiros teve seu sofrimento. Não foi fácil pra ninguém. Com perdas ou não, todo mundo teve um desafio grande. Acho que a gente precisa acreditar na força interior que a gente nem sabe que tem”, reflete.