Algo grandioso como um planeta deserto

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  • Kátia Borges

Publicado em 2 de fevereiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Então você espera. Consulta os búzios, um deles cai de lado. Búzio inclinado, dizem, prediz o incerto. Então você espera. Lança as varetas de caule de madeira. Hexagrama 5, é claro. O moço do tarô não mente. Desmente qualquer prognóstico favorável. Mas você sente (peso no coração, Rondó do Capitão, que seja doce, que seja leve).

As cartas na mesa formam o desenho de um leque. Sensação de pânico. Então você sobe ao terraço e há uma explosão de oxigênio sobre a cidade. Essa cidade aberta ao mágico. Deus é um dia ensolarado. Deus é o céu azul de Salvador. Deus é a Baía de Todos-os-Santos. A sua cabeça, diz o jogo de Ifá, pertence ao Tempo.

Mas se nem eu mesma me pertenço? Tempo dirá. Nada fica fora do alcance dos seus olhos, dos seus ouvidos e das suas mãos. Um sorriso se desenha na face de quem lança os búzios. Então você espera. Não esquece aquele banho de folhas, o Terno dos Astros, o cuidado das pessoas. Casa é sentimento.

Lembra os cantos de sua avó em sua infância? O corre gira. A reza contra o mau-olhado. O cheiro do incenso. “Com dois te botaram, com três eu te tiro”. A aroeira sacudida até secar os galhos, em contato com o seu corpo. A sua avó, a sua infância. Banho de pipocas para abrir os caminhos. Seu pai sambando no corredor.

Mil e oitocentas colinas. O dendê cozinhando lento os quiabos. Os dias correndo sem respostas. Então você espera. O mundo gira como um disco na vitrola. Sim, às vezes, ao contrário. E é só a mesma música. Você nem conhece direito essas pessoas. Você respira. Câmara de tortura, antessala do gesto. Só um pouco, mais um pouco.

Então você testa a sua resistência à tristeza. Você checa a sua caixa de e-mails. Você olha para o porteiro, aguardando um aceno. E então, com o Tempo, você já não espera muito. Você se ajeita ali, e é como ler no escuro. Você se ajeita ali em tudo aquilo que você é, e no seu próprio mundo. Algo grandioso como um planeta deserto.

Sim, como um planeta em seu próprio Universo. Há sóis e satélites em torno, tão imensos quanto Ganímedes de Júpiter. Movimentos de translação e rotação nos deixam tontos. Então você percebe que o azul é só um disfarce para a distância que forja o mar e o céu. E, na profundidade dos oceanos, milhões de peixes respiram à salvo dos homens.