Tirei o mês de férias para pensar na conexão entre a Torre de Babel bíblica, onde Deus embaralhou os idiomas para que os Humanos não se entendessem, e esta Era Digital de idiomas com traduções simultâneas, inclusive do árabe, inclusive do mandarim, onde ninguém se entende. Pensei, inclusive, em freqüentar a Universidade da Bíblia, ensino à distância, com especificação em Torre de Babel, para processar a confusão nesse mundo alucinado onde todos os Humanos, finalmente, podem se entender, mas onde ninguém se entende, nem os que nasceram e viveram no século 20, nem os que chegaram perto do 21.
Percebi nesses 30 dias que no século 21 de agora e, possivelmente, nos próximos anos, a recepção e a emissão estão em posições novas e, às vezes, novíssimas. – Voltou maluca? Estão perguntando vocês, leitores, receptores desta Trilha, a mim, emissora dela. E eu lhes peço: – Vamos abrir as portas da percepção (Aldous Huxley, 1954) sem usar mescalina, só palavras, para refletir sobre o verbo de William Blake (1757.1827) que inspirou Huxley: “Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito.” E vamos ler ou reler os dois, por favor, porque As Portas da Percepção estão sujas, finitas e trancadas por um excesso de opiniões agressivas como jamais antes, em tempo algum.
A primeira percepção de que dar espaço de emissão ao receptor macularia a opinião é do início do século 20, quando os periódicos criaram a opinião do leitor, e alguém (?) escreveu que a função do escritor acabaria ali porque todos seriam escritores. Não acabou e nem todos viraram escritores, mas a recepção que ganhava as opiniões de Artistas, Políticos e Sacerdotes nunca em ordem alfabética, sempre em ordem hierárquica a depender da Sociedade, passou a receber a opinião do Leitor. O analfabetismo decresceu, muita gente escreveu, e escritor deixou de ser o que escrevia para ser o que era lido.
Mas o espaço de receptor/emissor foi crescendo através das novas mídias, através do rádio mais democrático que a televisão, até que a WEB dos Anos 1990 provocou a emissão total do século 21, no Orkut (2004.2014), no Facebook (2004), no Instagram (2010), no Twitter (2006), transformando a recepção em mais importante que a emissão. Porque a emissão pode emitir qualquer coisa. A recepção faz seleciona e opina. Há uma diferença tão grande das emissão e recepção de agora para as de antigamente que artistas, escritores, pensadores, políticos que detinham o controle absoluto da emissão, precisam repensá-la a partir de – Eu tenho alguma coisa a dizer? O que eu tenho a dizer interessa a alguém? E de acordo com as respostas emitir ou não. Ou emitir e ser ignorado. Ou emitir e se ferrar.
Milhares de humanos continuarão emitindo sem perguntas. E sem respostas. A Era Digital é um buraco negro capaz de receber tudo para nada. Ou para tudo durante algum tempo. Ou não se sabe muito bem por quanto tempo. Absolutamente tudo que já foi emitido e recebido de uma maneira poderá, de repente, não mais que de repente, ser reprocessado de outra maneira. A Xuxa da minha geração, Monteiro Lobato, nosso ídolo intelectual, atualmente é acusado de racista. Xuxa, o Monteiro Lobato da infância dos Anos 1980/1990, tem sido acusada de pedofilia por conta do filme Amor Estranho Amor.
Nem Monteiro Lobato foi racista, nem Xuxa é pedófila, mas as emissões e recepções sobre eles correm. Definitivamente livres.