Ana Mametto celebra em álbum ídolos que lutaram contra a intolerância

Cantora regrava músicas de Baden e Vinicius; Clara Nunes; Tincoãs e Caymmi

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  • Roberto Midlej

Publicado em 31 de julho de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: foto: Flora Negri

A cantora Ana Mametto, 40 anos, já estava com o álbum Dama da Noite quase pronto quando a finalização foi interrompida por causa da quarentena provocada pela covid-19. Em casa, começou a remexer as coisas e passou a ouvir alguns discos que tinha e andavam meio encostados. “Comecei a ouvir algumas coisas que tinham a ver com minha formação como artista e também como pessoa. São cantores e compositores que representam muito o que falo em minha música, que são uma referência para mim por causa da luta que tiveram e pelo legado que deixaram contra o racismo e contra a intolerância”.

Assim surgiu a ideia de gravar singles, que vêm sendo lançados toda sexta-feira. Hoje, chega às plataformas de música o quarto deles, Canoeiro, um dos clássicos de Dorival Caymmi (1914-2008). No próximo dia 7, o álbum Saudação, com doze canções, será lançado. Saudação tem exclusivamente músicas de Caymmi, Clara Nunes (1942-1983), Os Tincoãs e do mítico álbum Os Afro-Sambas, de Baden Powell (1937-2000) e Vinicius de Moraes (1913-1980). Clara Nunes, uma das homenageadas (foto: Wilton Montenegro/divulgação) “Clara Nunes era uma mulher livre, empoderada, que enfrentou uma luta muito grande para chegar onde chegou. Até ser uma sambista reconhecida, passou por um processo de muita luta. E como a gente caminha a passos lentos! Até hoje, sofro preconceito na indústria da música. Quem canta os orixás sofre muito preconceito”, afirma Mametto.Do repertório da mineira, estão em Saudação as canções As Forças da Natureza, Banho de Majericão e Nação.

De Baden Powell e Vinicius de Moraes, Mametto interpreta Canto de Yemanjá, Labareda e Canto de Xango. Para a cantora baiana, Afrossambas tem um grande significado, já que, na época - o álbum foi lançado em 1966 - Nem Baden nem Vinícius tinham ligação com o candomblé, embora o repertório do disco trouxesse muito elementos da música da religião africana.

Será que hoje isso não poderia ser interpretado como apropriação cultural? “Olha, vejo Vinicius como um homem extremamente culto, estudioso e, sobretudo, cuidadoso. Ele não dizia 'vou fazer isso por fazer'. Ele ia atrás do conhecimento”, defende Mametto. E o violonista Baden Powell, para ela, era um negro de ancestralidade muito forte. “Ele levava nossa cultura, a cultura negra, para seu violão erudito”.

Afro-sambas Quando gravaram Afro-Sambas, Vinicius e Baden estavam “apaixonados” um pelo outro, segundo Mametto. “Eles se trancaram num apartamento e, num transe criativo, encontraram o som dos tambores, a terra, o som do candomblé. E trouxeram isso de forma muito doce”.

De Caymmi, além de Canoeiro, tem O Bem do Mar e O Vento. “Quando a gente pensa no mar, pensa em Caymmi. A música dele nos transporta para o mar. Você sente o mar, o vento... Ninguém além dele é capaz de nos dar essa sensação”. Dos Tincoãs, estão incluídas A Força da Jurema, Atabaque Chora e Canto pra Yemanjá.“Os Tincoãs têm uma força espiritual absurda, têm canções que funcionam como orações, são sagradas. Eles trazem as dores dos nossos ancestrais e o respeito a eles”.Os lançamentos dos singles foram seguidos de lives sobre cada um dos artistas ligados às canções. Amanhã, Mametto conversa com Marielson Carvalho sobre Dorival Caymmi. Marielson pesquisa a obra do compositor e escreveu dois livros sobre ele.

Terminada a quarentena, Mametto pretende retomar a carreira de atriz, que teve início nos palcos com a peça De Um Tudo, dirigida por Fernando Guerreiro. A atuação mereceu uma indicação ao Prêmio Braskem de Teatro como atriz revelação. Também esteve em Sonho de Uma Noite de Verão na Bahia, de João Falcão. Também substituiu Larissa Luz em Elza, sobre Elza Soares. Além de atriz e cantora, ela se prepara para uma outra carreira: está se formando em jornalismo. No Carnaval, fez a cobertura da festa pela TV Band.