Apesar de benefícios, aleitamento materno obrigatório divide opiniões

Seja por dor, pouco leite, bico invertido, falta de apoio, de informação ou escolha, mães desistem de amamentar

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 27 de agosto de 2018 às 06:12

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Que os benefícios do aleitamento materno são inúmeros, muita gente já sabe. As dificuldades da amamentação, por sua vez, não são amplamente divulgadas. Seja por dor, pouco leite, bico invertido, falta de apoio ou de informação, muitas mães desistem de amamentar – segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 38% das crianças recebem amamentação exclusiva até os seis meses.

Por esses e outros motivos, tem sido cada vez mais comum mulheres escolherem não aderir à prática. Em tempos de fortalecimento da força feminina e de entendimento das mulheres em relação aos seus corpos e direitos, a obrigatoriedade do aleitamento materno divide opiniões.  (Foto: Shutterstock) Extremamente pessoal, a decisão envolve fatores como apoio familiar e desconforto. Enquanto em países como a França há algum tempo a amamentação é respeitada como uma opção das mães - que têm acesso fácil à fórmulas e complementos - no Brasil, as mães que não amamentam ainda são muito julgadas.

“O corpo é da mulher e ela é a única proprietária daquele peito. Então, ela decide o que vai fazer. Apesar de existir risco maior de alergias e doenças, o filho não vai morrer se não tomar o leite materno. A pessoa vai crescer com saúde. Aleitamento é um direito da mãe e não um dever dela. Não cabe a mim e a ninguém julgar”, defende a nutricionista da Apae e especialista em pré-natal Zeni Nogueira. “Tenho uma amiga que não quis amamentar. Na época, ela disse que não queria ninguém mexendo no peito dela. Ela não tinha um motivo aparente, mas é o direito dela”, exemplifica.[[publicidade]]

Segundo Zeni, a pressão para que a criança tome leite materno até dois anos acontece, no Brasil, ocorre por conta de um recente agravamento nos índices de desnutrição na infância. “É colocado como uma coisa obrigatória, o que não acho ideal. Mas é que o Ministério da Saúde (MS) foca na população carente, maior parcela do nosso país. Essa supervalorização do governo existe porque outros recursos são inadequados”, explica ela, que é doutoranda em Ciência da Saúde.

Particularidades A enfermeira Joana Costa, especialista em saúde materna e obstetrícia, considera importante que a sociedade respeite as diferentes perspectivas e histórias. “Cada mãe vive a sua experiência de gravidez e maternidade de um modo muito próprio. As alterações físicas e emocionais decorrentes da gravidez e pós-parto são motivo suficiente para que a mulher se questione das suas convicções”, pontua.

Convicções essas que a estudante de psicologia Lana Viégas, 24 anos, já havia se confrontado com sua primeira filha, Cléo, 4. “Eu tinha muito leite, meu peito inchava e empedrava. Sentia uma cobrança social para continuar amamentando e sabia que era melhor para minha filha, então contratei uma assistente de aleitamento para me ensinar a ordenhar”, lembra.  Mesmo com sofrimento, ela amamentou sua primogênita exclusivamente até seis meses: “Nunca gostei. Sempre foi um esforço enorme” (Foto: Reprodução) Quando engravidou da pequena Julieta, de nove meses, Lana tentou se preparar psicologicamente para a amamentação. “Estava tentando ter uma nova relação com isso. Quando ela nasceu, a primeira coisa que fiz foi botar no peito. Só que ela começou a ferir o bico do meu peito, que rachou”, conta. Mesmo com a pega correta e usando pomada, a ferida não sarou. Com tanto sofrimento, a mãe passou a enxergar sua filha como foco de dor. “Não queria carregar ela e foi aí que decidi mudar a relação.

Com 20 dias, escolhi dar meu leite na mamadeira e o alívio foi enorme. Pesquisei muito, para que fosse da melhor maneira para ela. Antes, não sentia um vínculo com ela e não conseguia ver o bebê lindo que ela é. Hoje dou mamadeira e converso e temos uma relação muito melhor”, confessa.  Mamadeira é tabu para algumas mães, para outras, é sinônimo de alívio (Foto: Shutterstock) Lana, porém, sofre diversos julgamentos por sua escolha, mas já tem bem claro na mente que o jeito certo de criar suas filhas é o que funciona para elas.“As pessoas se metem muito. Tem gente que eu nunca vi na vida e vem me perguntar. Todo mundo tem uma prima da amiga da vizinha que teve a mesma coisa que eu. Tem vezes que digo que fiz mastectomia só para pararem de encher o saco”, afirma.Em boa parte dos casos, a mãe passa por dificuldades que vão além do corpo físico. “Nem todo psicológico está preparado para amamentar. Será que temos de impor uma lógica de obrigatoriedade ou de criticismo às mulheres que decidem não amamentar? Será mesmo que temos de forçar e impor uma data de dados estatísticos que mostram indubitavelmente que o leite materno é o melhor para todos?”, questiona Joana.

O alimento pode até ser o mais rico em nutrientes, mas nem sempre o bebê se adapta ao leite da mãe. Outras vezes é a própria mulher que tem dificuldades, como é o caso da publicitária Gabriela Martinez, 30. Mãe de primeira viagem da pequena Mabel Martinez Pereita, de dois meses, ela enfrenta a baixa produção de leite.  “Nasci para ser mãe e queria muito engravidar. Queria ter parto normal, mas não consegui. Queria amamentar logo na primeira hora e também não deu. Logo na maternidade, vi que meu leite não estava sendo suficiente e tive que entrar com leite artificial”, conta (Foto: Marina Silva/CORREIO) Ela acredita que a cobrança pessoal e o estresse afetam diretamente na sua produção. “Hoje dou de 30 a 60 ml no peito e o restante - de 90 a 120 ml - complemento com leite artificial. Tive que ceder e ficar mais humilde”, completa. Gabriela até contratou uma consultoria e fez uma lista enorme de ações para tentar resolver a questão – o que, até então, não adiantou. “Toda vez que falo que meu leite não é suficiente, tem um julgamento, às vezes de outras mães. Já somos julgadas por tantas coisas que temos mais que nos ajudar e respeitar. Não adianta amamentar com estresse e com sentimentos negativos. Melhor uma madeira com amor do que peito com sofrimento”, defende. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Apesar do processo complicado, ela sente prazer em amamentar: “Me sinto muito importante. Ver ela mamar é muito prazeroso. É o tipo de coisa que só eu posso fazer por ela. Mas não mais que isso. Todo o processo para fazer com que o leite saia é muito estressante”.  (Foto: Marina Silva/CORREIO) A auxiliar de desenvolvimento infantil Camile dos Santos Lima, 25, tem dois filhos -  Maria Fernanda, 3, e Ramon, 2 – e é mais um exemplo de que cada caso é um caso. Enquanto sua primogênita recusou o peito com dois meses, Ramon mamou até os oito meses. “Ramon não feriu meu peito e a amamentação foi super tranquila, por livre demanda. Ele praticamente mamava de hora em hora e, de noite, a cada três horas”, lembra. 

Ela enxerga a amamentação como um vínculo maravilhoso entre mãe e filho. “Era o momento que eu tinha para ficar só com eles, em uma sintonia incrível”, resume. Mesmo tendo mamado pouco, hoje sua filha não tem problemas de saúde: “Ambos são extremamente saudáveis. É raro leva-los ao médico”. Camile e os filhos, Maria Fernanda, 3, e Ramon, 2 (Foto: Reprodução) Benefícios A nutricionista Zeni recomenda que, antes de tomar qualquer decisão, as mães tenham em mente os benefícios do aleitamento materno. Também é importante fazer pré-natal e preparar-se para a chegada do bebê. “Amamentação envolve uma rede de apoio, principalmente da família. A mulher precisa fazer exame na mama, buscar informações e treinar. Ninguém nasce sabendo”, diz.

Nutricionalmente, ela reafirma que o leite da mãe é o alimento perfeito para a criança: “É fácil de digerir, ajuda a fortalecer e contém várias células que matam bactérias. Previne doenças na infância, como pneumonia e diarreia, e até câncer, a longo prazo”.

Fatos sobre o leite maternoTem benefícios para toda a vida: Bebês bem amamentados têm menos chances de desenvolver doenças como diabetes, obesidade e hipertensão; Tem todos nutrientes que o bebê precisa: Os benefícios imediatos, além de fortalecer o sistema imunológico, são menos ocorrências de diarreias, pneumonias e infecções respiratórias; A amamentação na primeira hora de vida é importante: Se o bebê estiver em condições saudáveis, esse instinto deve ser estimulado o quanto antes, não importa a via de parto; Estresse pode prejudicar a amamentação: O bem-estar materno é fundamental para a produção de leite. Dor, estresse e outros fatores podem prejudiciar. É bom estar em ambientes que diminuem o cortisol e promovem sensação de bem-estar, aumentando os níveis de prolactina e ocitocina. Por isso, mães precisam de uma rede de apoio que começa dentro de casa.  Mitos sobre a amamentaçãoÉ normal sentir dor na amamentação? Não. É bom observar se a pega está correta. Mamadas com o bebê ou a mãe posicionados de forma errada podem causar  desmame precoce. A melhor posição é a mais confortável para ambos; Se o mamilo for pequeno, o bebê terá dificuldades? Mito. Não interfere, porque a sucção é feita pela aréola, a parte amarronzada ao redor. A ponta do mamilo deve estejar no céu da boca do bebê; O leite nos primeiros dias após o parto é mais fraco? Mito. Mesmo que em volume mais baixo, o chamado colostro é tudo o que o bebê precisa. Depois,  a  produção tende a  aumentar; Mulheres que amamentam precisam seguir uma dieta restrita? A alimentação da mãe deve ser equilibrada e variada, e é importante não ter tantas restrições. Segundo a gastropediatra Vanessa Macedo, não existem alimentos que aumentam ou diminuem a produção de leite. Licença-maternidade de quatro meses antecipa desmame

A licença-maternidade de quatro meses dificulta que as mães cumpram os seis meses de amamentação exclusiva - tempo mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde (MS). 

A volta ao trabalho, a logística complicada  e a consequente falta de apoio são  obstáculos para as mães, que muitas vezes acabam antecipando o desmame. Mas um Projeto de Lei (PL) que amplia o prazo da licença-maternidade de 120 para 180 dias tramita no Senado pode mudar esse senário. “Não existe uma consonância entre a OMS e as leis trabalhistas do país. Insistem em manter os quatro meses de licença e, como a mãe do século XX contribui cada vez mais com as despesas da casa, precisa retomar logo ao mercado. Assim, o desmame é antecipado, porque aumenta a logística e fica difícil manter a amamentação exclusiva”, afirma a nutricionista de pré-natal Zeni Nogueira.  (Foto: Reprodução) Ela considera que, além de ter respaldo científico, o aumento da licença é melhor para o país do ponto de vista econômico. Segundo as Nações Unidas, aumentar as taxas de amamentação para crianças menores de seis meses de vida para 90% no Brasil poderia cortar custos de tratamento ou doenças comuns na infância, como pneumonia, asma e diarreia. O sistema de saúde brasileiro, por sua vez, economizaria 6 milhões de dólares com essa ação. De autoria da senadora Rose de Freitas (MDB-ES), o PL 72/2017 também propõe que o pai acompanhe a mãe do bebê em consultas e exames durante a gravidez.

A economista e pesquisadora da Sempreviva Organização Feminista, Marilane Texeira, pontua que os desafios de se manter amamentando com a nova legislação trabalhista são ainda maiores. Isso porque o que antes era garantido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como os intervalos para amamentação, pode ser objeto de negociação entre as trabalhadoras e empregadores.Serviço: Evento sobre amamentação será acontece nesta segunda (27) O quê? Roda de conversa sobre amamentação com a fonoaudióloga e consultora de amamentação Leila Bonfim;Quando? Hoje, às 16h;Onde? Apae Salvador (Rua Rio Grande do Sul, 545);Quanto? Gratuito.