Após 20 anos de irrigação intensiva, nascentes de rios do Oeste serão recuperadas

Projeto começa por São Desidério, onde 300 nascentes abastecem 23 rios e riachos

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 17 de janeiro de 2018 às 12:23

- Atualizado há 10 meses

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Empresários do agronegócio iniciam esta semana em São Desidério, no Oeste da Bahia, um projeto de recuperação de nascentes de rios cujas águas são utilizadas tanto pela irrigação intensiva quanto por agricultores familiares e pequenos pecuaristas. 

Com recurso inicial de R$ 67 mil, o projeto é o primeiro do tipo na região Oeste, desde a década de 1990, quando começaram as atividades intensivas do agronegócio. De início serão recuperadas 16 nascentes em 11 comunidades rurais de São Desidério, e em março o projeto segue para Barreiras, Correntina e Formosa do Rio Preto.

O projeto é uma parceria entre a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) e Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), com a Prefeitura de São Desidério, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, que elaborou o projeto de recuperação a ser desenvolvido para recuperar as nascentes.

Em São Desidério, a parceria dos produtores com a prefeitura prevê a recuperação de nascentes em áreas de preservação permanente (APP’s) que somam mais de 80 hectares, localizadas nas comunidades de Alegre da Pontezinha, Cabeceira do Salto, Alegre, Conceição de Baixo, Marias, Boqueirão do Palmeiral, Estiva, Canabravão, João Rodrigues, Baixa Bonita e Pindaíba.

Do total a ser investido, R$ 48 mil irão para ações de recuperação das nascentes, como o plantio de 10 mil mudas de árvores nativas do Cerrado, a exemplo de pau jaú, cedro, aroeira, umburana, e cercado do local. O restante do dinheiro vai para educação ambiental em escolas e casas das comunidades onde estão as nascentes.“A Abapa e a Aiba usufruem da água das nascentes que abastecem os rios. Em todo município tem mais de 300 nascentes que abastecem 23 rios e riachos. Já catalogamos umas 70 delas, e para recuperar todas custa mais de R$ 1 milhão”, disse o secretário de Meio Ambiente de São Desidério Joacir Ferreira de Carvalho.O secretário explica que o projeto de recuperação das nascentes será no modelo caxambu, sistema de filtragem natural da água que ajuda a preservar a qualidade e a disponibilidade para o consumo humano, evita a contaminação por lixo, agrotóxicos ou dejetos (humanos e de animais) e diminui a possibilidade de contaminação bacteriológica.

Trabalho de formiguinha A execução do projeto é em parceria com a diretoria de Meio Ambiente da Aiba, entidade que reúne todo os produtores rurais do Oeste da Bahia, que está inserido na maior fronteira agrícola do Brasil, a região do Matopiba, composto por terras do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

O coordenador geral da ONG ambiental 10Envolvimento, que atua no Oeste, Martin Mayer, disse que o trabalho de recuperação das nascentes “é muito bem-vindo, mas parece pouco diante do grande problema ambiental que o setor do agronegócio vem causando com a irrigação intensiva na região”. “Espero que ampliem o projeto”, falou.

O presidente da Aiba, Celestino Zanella, disse que “tanto a Aiba quanto a Abapa estão empenhadas em manter as nascentes”, mas para ele “isso é um trabalho não só das associações, mas também das pessoas que moram em áreas urbanas". As nascentes – ele diz – “passam a ter problemas quando nascem perto dos povoados.”

“Conservar as nascentes é um trabalho de todos. Acho que vai chegar o momento em que a sociedade e a Prefeitura vai ter de pagar para alguém que seja dono da área onde está a nascente para cuidar dela, como já é feito nos Estados Unidos. O apoio da Aiba, que reúne todos os produtores, é total”, ele afirmou.

Zanella disse que este é só o início das ações de recuperação das nascentes. “Esse é um trabalho de formiguinha que estamos iniciando com a intenção de crescermos”, ele disse, e depois criticou as pessoas que veem o setor do agronegócio como o vilão na preservação ambiental na região.

“Nós sabemos o que temos que fazer, quem devia estudar mais são esses movimentos e essas ONGs. Falar bobagem é uma coisa muito fácil, mas fazer acontecer a coisa certa nem sempre é mais fácil. Mas nós estamos fazendo a nossa parte, e cada vez mais vamos estar mostrando isso, com conhecimento, pesquisa, transparência. Nós já fazíamos isso, e agora começamos a divulgar”, declarou.

O presidente da Abapa Júlio César Busato disse que os produtores de algodão deverão investir mais R$ 500 mil em projetos de recuperação de nascentes na região Oeste da Bahia. Para usar a verba, falta apenas, segundo ele, a aprovação por parte do Instituto Brasileiro do Algodão, o que deve ocorrer em março.

“Esse é o primeiro projeto de recuperação das nascentes. Mas temos outro que desenvolvemos há cinco anos e que ajuda na manutenção dos rios também, que é a Patrulha Mecanizada. Possuímos um parque grande de máquinas, com quatro motoniveladoras, quatro escavadeiras, cinco rolos e nove caminhões pipa, e já passamos em mais de 1.000 quilômetros de estradas”, informou.

A patrulha recupera as estradas e retém a água para que as estradas não virem canais que levem água e sedimentos para os rios. Já foram investidos mais de R$ 20 milhões em máquinas, afirma Busato.“É um trabalho que ajuda a preservar os rios, as pessoas acham que os agricultores não preservam os rios, mas temos uma preocupação muito grande com isso”, destacou Busato.Região se destaca pela abundância de água em aquífero Não é à toa que a região Oeste da Bahia está inserida na maior fronteira agrícola do Brasil, com destaque para a produção de soja e milho. O Oeste é rico em belezas naturais e possui rios diversos, com cachoeiras e beleza deslumbrante do Cerrado.

Os rios e bacias que estão na região fazem parte do Aquífero Urucuia, um dos mais importantes mananciais de água subterrânea do Brasil, distribuindo-se pelos estados da Bahia, Tocantins, Minas Gerais, Piauí, Maranhão e Goiás, com área de 120 mil metros quadrados.

O Urucuia abastece diversas cidades da Bahia e Goiás e tem função reguladora para o escoamento de trecho médio do Rio São Francisco. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a vazão dos poços na camada superior do aquífero é de até 60 metros cúbicos por hora, enquanto na inferior atinge mais de 600 metros cúbicos por hora.

Enquanto pesquisadores e ambientalistas afirmam que a irrigação intensiva do agronegócio prejudica os rios e tem feito com que o nível deles seja rebaixado, os produtores da região dizem que são quem mais estão preocupados com a preservação do meio ambiente de uma forma geral.

O problema relacionado aos potentes sistemas de irrigação das empresas agrícolas vieram à tona no Estado com a destruição, dia 2 de novembro de 2017, do sistema de irrigação de duas fazendas da empresa Igarashi, em Correntina, margeada pelo Rio Arrojado.

O prejuízo estimado foi de R$ 50 milhões e ainda não foram apontados culpados pela destruição na fazenda. Semana passada a Polícia Civil pediu à Justiça mais prazo para investigar a autoria do crime e ainda não houve decisão.

No dia 22 deste mês termina o prazo de 60 dias que o Estado da Bahia deu para que os agricultores coloquem hidrômetros para medir a quantidade de água consumida nos rios por meio dos sistemas de irrigação.

O governo afirma que o produtor que estiver consumindo além do autorizado, será autuado para reduzir a retirada de água. E se quem estiver consumindo abaixo do que foi autorizado, poderá ter o valor autorizado para captação reduzido.  

Maior produção Levantamento feito pelo Conselho Técnico da Aiba, realizado na última segunda-feira (15), apontou boas perspectivas para a safra 2017-18 no Oeste baiano. A produtividade média da soja foi estimada em 56 sacas por hectare, a melhor já alcançada.

"Se a chuva continuar a ser boa e a colheita ocorrer com sucesso, esse valor deve se confirmar”, afirmou Luiz Stahlke, assessor de Agronegócio da Aiba. Já em relação à área cultivada, a oleaginosa teve um acréscimo de 1,3% em relação ao ano passado, saltando de 1,580 milhão de hectares para 1,600 milhão. 

O algodão baiano também possui uma boa projeção e deve repetir o sucesso da safra 2016-17. Além do aumento da área plantada em 35%, a produtividade deve alcançar a marca de 310 arrobas por hectare, a mesma da safra anterior. Já a produção deve ser superior, sendo estimada em 1,209 milhão, 35% a mais que o ano passado.

Números mais precisos devem ser estimados no próximo levantamento, já que, até o momento, apenas as áreas de sequeiro foram plantadas. As irrigadas devem finalizar o plantio até o dia 10 de fevereiro.

Para o milho, as perspectivas também são boas. O grão deve chegar as 165 sacas por hectare, um aumento significativo comparado com as 130 sacas da última safra e a retração de área de 22%. 

O Conselho Técnico da Aiba é formado por representantes de associações de produtores, sindicatos, multinacionais, instituições financeiras e órgãos governamentais. As previsões são feitas sempre considerando fatores como perspectivas de mercado, nível tecnológico, condições climáticas e controle fitossanitário.