Após ataques, duas mil pessoas participam da 10ª Caminhada da Pedra de Xangô

Monumento, considerado sagrado, foi alvo de dois episódios de intolerância religiosa desde o fim do ano passado

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 10 de fevereiro de 2019 às 15:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Cerca de duas mil pessoas participaram da 10ª Caminhada da Pedra de Xangô (Foto: Marina Silva/CORREIO)

No segundo domingo de fevereiro, as primas Victória, 9 anos, e Danielle Lemos, 10, já têm um compromisso fixo. Apesar da pouca idade, já conseguem reconhecer a importância da data para as religiões de matriz africana: é quando acontece a Caminhada da Pedra de Xangô - este ano, em sua 10ª edição. 

“Gosto muito de vir, porque é o dia dos orixás”, explicou Bárbara, entre uma cantiga e outra. Com a prima, a mãe e as tias, veio de Simões Filho, na Região Metropolitana (RMS), para participar do ato, que reuniu cerca de duas mil pessoas, de acordo com os organizadores, na manhã deste domingo (11), em Cajazeiras X.  A caminhada chegou à 10ª edição (Foto: Marina Silva/CORREIO) Essa edição da caminhada veio com uma reivindicação por respeito ainda mais forte: do fim do ano passado para cá, a Pedra de Xangô foi alvo de dois episódios de intolerância religiosa. Em 28 de dezembro, suspeitos despejaram cerca de 100 quilos de sal na pedra. Três dias após o monumento ser limpo, o ato de violência foi repetido no dia 1º de janeiro: fiéis encontraram mais quilos de sal no local. Tombada pela Fundação Gregório de Mattos desde 2017, a Pedra de Xangô é considerada sagrada para as religiões de matriz africana. 

Por isso, a mãe de Danielle, a manicure Bárbara Lemos, 40, faz questão de conversar com a filha sobre a importância da caminhada, antes mesmo de sair de casa.“Infelizmente, nossa religião sofre muita intolerância. Então, nada melhor do que nos fortalecermos e preservarmos a nossa religião, que é muito linda”, declarou ela, que é do terreiro Ilê Axé Labareji.  Eliedson, com a avó Crispina, e Fabiane, com a avó Jaguaracira, foram pela primeira vez (Foto: Marina Silva/CORREIO) A baiana de acarajé Crispina de Souza, 50, que participa da caminhada há sete anos, trouxe o neto Eliedson, 5, pela primeira vez. Para ela, as crianças devem aprender com a herança dos antepassados. “Nossa religião vem dos avós, dos pais, das mães. Esses ataques são de pessoas intolerantes, porque você vai vê aqui nenhum de nós indo nas casas deles quebrar coisas”, comentou. 

Ialorixá do Centro de Umbanda Caboclo Rei das Cobras, mãe Jaguaracira de Iansã também levou a neta Fabiane, 7, para conhecer a caminhada. “Ela sabe o que Xangô significa, por isso ela vem. Xangô nos dá livramento e paz”.  Crianças e adultos participaram do ato religioso (Foto: Marina Silva/CORREIO) Os devotos saíram do Campo da Pronaica em direção à Pedra de Xangô, cantando músicas para os orixás e oriundas de diferentes nações do candomblé, a exemplo de Jeje, Angola e Ketu. Ainda na Pronaica, fizeram uma oferenda a Exu - o Padê, feito com farinha e dendê, para abrir e proteger os caminhos. Ao chegar no monumento, fizeram uma oferenda para Xangô.  Os devotos caminharam por cerca de dois quilômetros (Foto: Marina Silva/CORREIO) Preservação Organizadora da caminhada, Mãe Iara de Oxum reforçou a mensagem contra a intolerância religiosa. “Queremos preservar a nossa ancestralidade”, disse ela, que criou a caminhada em 2009, após ter recebido um chamado de Xangô. Naquele primeiro ano, cerca de 30 pessoas estiveram presentes. De lá para cá, o número de participantes só aumentou. 

De acordo com ela, até então, não existem câmeras de segurança no entorno da Pedra de Xangô.“Estamos à mercê da intolerância dos vândalos. Nós que cuidamos de tudo, mas temos que cobrar (das autoridades)”. Uma semana antes, a Pedra de Xangô foi limpa pelos devotos. Semanalmente, alguns têm feito a limpeza constante do monumento. Mesmo assim, ainda era possível ver pichações de nomes como Deus, Jesus e Espírito Santo.  Mesmo com a limpeza, pichações dos ataques à Pedra de Xangô permanecem (Foto: Marina Silva/CORREIO) Também presente, Mãe Jaciara Ribeiro, do terreiro Axé Abassá de Ogum, em Itapuã, denunciou as violências sofridas pelo povo de santo. “Estamos aqui, sem nenhum atrito, para pedir respeito e uma reparação. A gente vai ser resistência, porque a caminhada surge a partir da discriminação de outro segmento religioso", completou. 

Segundo o presidente da Fundação Gregório de Mattos, Fernando Guerreiro, um projeto para a criação de um Parque da Pedra de Xangô está em fase avançada. "No momento que isso acontecer, resolve tudo. Vai urbanizar, ter câmeras e criar outra relação ali", explicou, por telefone, ao CORREIO. O projeto está a cargo da Secretaria Municipal da Cidade Sustentável e deve ser lançado ainda este ano.