Após tragédia, retorno das lanchas divide opiniões em Mar Grande

Enquanto parte da população pede retorno imediato do serviço, há quem exija luto e melhorias urgentes

  • Foto do(a) author(a) Alexandre Lyrio
  • Alexandre Lyrio

Publicado em 29 de agosto de 2017 às 02:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

A tragédia que uniu Mar Grande agora divide. O retorno das lanchas, previsto para esta segunda-feira (28), não se confirmou. Logo cedo, às 4h30, um grupo entre 50 e 80 pessoas realizou uma manifestação pacífica em frente ao píer. As embarcações que fariam a travessia, autorizada pela Agerba (agência estadual que regula os serviços de transporte), sequer encostaram no terminal. Acontece que, cinco dias após o naufrágio que até aqui deixou 19 vítimas fatais, muitos são a favor que os barcos voltem a operar.

Ainda atônita com tudo o que aconteceu, a população se divide entre os que querem um tempo para viver o luto – de preferência tendo suas perdas minimizadas, os seus pertences ressarcidos e o serviço das lanchas melhorado – e os que defendem que a vida de Vera Cruz volte ao normal imediatamente. Nesta segunda, quinto dia do serviço suspenso, a cidade continuava vazia, com o comércio parado e as homenagens aos mortos espalhadas por todo o canto.

[[publicidade]]

O autônomo Edgar Junior, 48 anos, chegou a ir ao píer para pegar a primeira lancha. Deu de cara com a manifestação."A gente está ilhado. Eu mesmo tinha muita coisa para resolver em Salvador. Para mim, não vale a pena gastar com transporte para ir pelo ferry boat. Encontrei o portão fechado e o pessoal protestando", contou Edgar."Eles têm o direito, vivem o dia a dia com a gente. Mas a gente precisa trabalhar, a gente precisa se locomover”, destacou ele, que trabalha para as duas empresas proprietárias dos barcos de Mar Grande. 

“Vou em Salvador buscar moedas, dinheiro trocado para as lanchas. O serviço é seguro, foi uma fatalidade”, acredita. “Vá no ferry pedir para embarcar sem pagar. Aqui eles pensam na gente, são nativos. Ninguém deixa de embarcar”, revelou. 

Com o coração dividido, a ambulante Rita Silva de Souza, 56, disse que o luto precisa ser enfrentado. Seu carrinho de água de coco, refrigerante e doces estava completamente vazio.“As lanchas são o coração de Mar Grande. Sem elas, esse lugar morre. Sei que se trata de um momento de dor, mas precisamos voltar à vida normal. Muitos estão prejudicados”, afirmou Rita, apontando para o píer e para a praça principal. “Ó para isso como está”. Luto e respeito Do outro lado, há os que cobram por melhorias do serviço e não querem que as lanchas voltem enquanto as reivindicações dos familiares das vítimas não sejam atendidas. “Nem bem os mortos foram enterrados e já querem colocar as lanchas para andar. Ainda não resolveram nossos documentos, ninguém ainda tem certeza que as lanchas são realmente seguras e já autorizaram elas voltarem. A cidade ainda está de luto”, afirmou Morenita Santana, 35. 

Ainda nesta segunda, boa parte dos familiares das vítimas e sobreviventes, a exemplo de Morenita, fazia fila na porta da delegacia em busca dos seus pertences, que começariam a ser entregues. Letreiro turístico, em Mar Grande, com homenagens às vítimas da tragédia com lancha (Foto: Betto Jr/CORREIO) “A devida assistência às vítimas dessa tragédia não está sendo garantida”, afirmou uma estudante, durante uma reunião que aconteceu na Prefeitura de Vera Cruz, também nesta segunda, com a participação da Procuradoria Geral do Município e a Defensoria pública. Identificada apenas como Juliana, ela se dizia representante da família do menino Davi, de seis meses, morto na tragédia. “Estamos aqui para reivindicar maior atenção”, comentou.  

Já passava das 13h quando muitos reclamaram da demora do delegado, Ricardo Amorim, que ainda não havia chegado na unidade policial lotada. Os pertences dos familiares das vítimas e sobreviventes só seriam entregues com a autorização dele. Isso para quem ainda conseguiu encontrar algo.“Eu mesmo não achei minha bolsa. Está lá tudo amontoado. Infelizmente, não achei. Perdi tudo que tava dentro. O pior são os documentos”, lamentou Morenita.Durante todo o dia, o CORREIO tentou contato com o delegado, que não atendeu às ligações.

“Do luto à luta” Fazendo coro ao clima de indignação, um grupo de estudantes da Ilha de Itaparica fez um protesto em pleno mar. A cerca de 300 metros da costa, próximo a um farol, estendeu uma faixa enorme com um aviso às autoridades: “Nosso luto se transformará em luta”. 

“O que queremos é a melhoria do sistema. Queremos que o canal seja dragado, para que as lanchas possam encostar a qualquer hora; queremos um sistema de monitoramento das lanchas, para que o socorro não demore, e vários outros pontos”, disse Adriano Alcântara, da Associação de Estudantes da Ilha de Itaparica (Aeita). O sistema é seguro? “Pode até ser. Mas ele precisa ser melhorado”, atestou Adriano. 

Enquanto isso, Vera Cruz segue paralisada com a tragédia. Paralisada e dividida. Com as lanchas paradas, uma agente de limpeza do terminal marítimo, que preferiu não se identificar, reforçou, com uma pergunta, a necessidade do retorno das atividades. “Se um avião cai, o aeroporto fecha?”

Volta anunciada Na noite desta segunda, a Vera Cruz Transporte Marítimo, que presta o serviço junto com a empresa CL – dona da lancha acidentada –, informou que vai retomar as atividades, na manhã desta terça (29). Em nota, informou que “por conta das manifestações ocorridas no terminal, a empresa decidiu suspender as atividades, preocupada com a integridade física da equipe de trabalho, até a situação ser normalizada”. 

Um representante da Astramab, que pediu para não ser identificado, informou que vai aguardar as condições do dia para decidir se o terminal será liberado. A assessoria da Agerba, por sua vez, informou que não é responsável pela liberação da travessia e que o órgão apenas recebeu o aval da Marinha para liberá-lo. Já a Marinha disse que a Capitania dos Portos não interrompe ou autoriza a exploração comercial ou o funcionamento das travessias marítimas.