Aprovados em Medicina na Ufba ensinam como se dar bem no Enem

O curso tem a maior nota de corte do Sisu no estado

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  • Thais Borges

Publicado em 18 de julho de 2018 às 04:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Letícia Agatha, 19 anos, chegou a estudar o dia inteiro. Vinícius Assis, 26, montou o próprio cronograma e alcançou o que queria em nove meses. Joelma Nascimento, 29, já estava até fazendo doutorado, aproveitou os assuntos em comum e o fato de ser uma leitora voraz. Henrique Rocha, 26, conhecia muito bem a prova e dava aulas particulares. Vinicius Leal, 18, entrou no curso de Redação e não abdicou dos treinos de basquete. 

Letícia, Vinícius, Joelma e Henrique tiveram trajetórias diferentes. Cada um criou sua própria rotina e o próprio cronograma. Mas, no fim, todos conseguiram o mesmo resultado: notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que garantiram aprovação no curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) – a maior nota de corte entre todos os cursos no estado. No segundo semestre de 2018, a nota mínima foi 799. Quem consegue uma nota suficiente para essa graduação está praticamente dentro de qualquer outra. 

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Mas o que fez a diferença para cada um deles? A pedido do CORREIO, os futuros médicos contaram suas histórias, compartilharam dicas e estratégias. Entre os planos alternativos, há desde fazer simulados, ler ficção e reservar um momento para relaxar. 

Tudo isso é importante para manter o equilíbrio emocional, como indica o coach Helmuth Felzemburg. Para ele, o Enem é uma prova de resistência, devido à grande extensão. “Muitas vezes, você pega o aluno na hora de fazer a prova e eles estão com o conteúdo na ponta da língua. Mas, na hora da prova, não têm estrutura psicológica e emocional”. 

Maior peso As três disciplinas com maior peso para Medicina são Biologia, Física e Química – que, juntas, compõem as 45 questões de Ciências da Natureza. Para o professor Diógenes Pires, que ensina Biologia no curso Gregor Mendel (Feira de Santana) e nos colégios Helyos e Salesiano, a maior diferença na preparação entre um candidato ao curso de Medicina e os candidatos aos outros cursos é justamente é a concorrência. Diante de tanta gente interessada no jaleco, os estudantes precisam se dedicar mais – e até mesmo se aprofundar mais em alguns assuntos. “Necessariamente, você precisa ter uma pontuação extremamente alta, então, o aluno precisa estudar o conteúdo completo de Biologia”, diz, citando temas como Ecologia, Genética, Fisiologia Humana e Citologia.Para conhecer melhor a prova, ele recomenda que os estudantes refaçam os exames anteriores – inclusive as provas que são aplicadas em presídios, que são diferentes das clássicas. 

Além disso, a Redação precisa ter uma atenção extra. Ele é enfático: não dá para ter uma boa nota, capaz de conquistar uma aprovação em Medicina, sem um bom texto. “E isso não é um trabalho de poucos meses. É um trabalho de uma vida, ter uma capacidade de produção de escrita e leitura muito boas”. 

Mesmo que o Enem tenha se tornado uma prova muito ‘conteudista’, nos últimos anos, segundo os professores, não dá para descuidar dos outros temas – como Linguagens e Ciências Humanas, segundo o professor de Química Ricardo Bichara, coordenador de área de Ciências da Natureza do Villa Campus de Educação. 

“E tem uma parte de ambiental, efeito estufa, buraco na camada de ozônio, poluição que eles batem muito e os próprios professores ficam pensando: ‘que disciplina é essa?’. Podia ser Geografia, mas está em Ciências da Natureza, é a parte interdisciplinar”, pontua. No entanto, a principal cobrança ainda é de temas próprios da Química, como forças intermoleculares, química orgânica, solubilidade e reações químicas. 

Já em Física, de acordo com o professor de Física e sócio do cursinho PontoMed, Wladimir Fernandes, é comum encontrar questões sobre energia, que passam por ondas e ótica. “O assunto de energia é através de onda mecânica, então, todos os temas como eletricidade, circuitos, tudo que envolve conversão de energia é sempre enfático na prova. O modo de cobrar é que muda de ano para ano”. 

Saiba como foi a preparação de cada um deles

Henrique Rocha - 2º semestre de Medicina na Ufba Henrique Rocha, 26, passou todo o Ensino Médio desejando uma vaga em Medicina. Quando terminou, em 2008, não foi aprovado. Fez dois anos de cursinho, mas, sem a aprovação, desistiu do curso. “Acabei indo para Farmácia, mas estava insatisfeito. Não era o que eu queria para o futuro e decidi tentar mais uma vez”, explica o jovem, hoje no 2º semestre do curso. Henrique sonha em fazer Medicina desde o ensino médio (Foto: Arisson Marinho)  Ele tinha estudado tanto durante o Ensino Médio que aprendeu os assuntos. Só que uma das coisas que mais ajudou foi o fato de ter dado aulas particulares das disciplinas de Exatas.“Mantive isso vivo. Depois de tantos anos dando aula, esses conteúdos ficaram sólidos e acabei tendo facilidade”. Daí em diante, foi o momento de praticar. Fazia simulados, treinava questões e praticava para resistir a uma prova grande e exaustiva. Como precisava ensinar aos próprios alunos, Henrique se tornou quase um especialista na prova. Fez e refez tantos exames anteriores que sabia administrar bem o tempo. 

A menor nota foi em Linguagens – Português não era lá seu forte. Mesmo assim, foi tão bem no conjunto que acabou compensando. “Tive que ter uma dedicação de algumas horas, mas não tanto quanto uma pessoa mais nova, que está não só treinando como aprendendo o assunto. Eu estava praticando”, diz ele, que estudou durante todo o ano de 2016. Fez o Enem naquela edição e recebeu a prova em 2017. 

Até mesmo pela experiência com os alunos, conhecia o Sisu. Sabe que a maior parte da atenção é voltada para a seleção do início do ano, que ocorre logo que as notas são divulgadas. “O Sisu de janeiro é um pouco mais concorrido e a nota de corte é maior. Tem pessoas que nem sabem que dá para fazer em junho”. 

Hoje, ele sente que está vivendo o sonho que quase desistiu há dez anos. “Aprender os assuntos me dá prazer. Sinto que estou no lugar certo”.

Joelma Nascimento - 6º semestre de Medicina na Ufba Joelma Nascimento, 29 anos, tinha traçado um caminho diferente. Cursou Farmácia na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e logo emendou um mestrado. O problema é que, em julho de 2014, mesmo com título de mestra, se viu sem emprego em um mercado de trabalho em crise. Ao mesmo tempo, durante toda a carreira, trabalhou com diagnóstico – e se encantou também pelo tratamento. Daí, passou a ver a Medicina com outros olhos. “Quando você vai pegando o desemprego, tem que seguir em frente. Por isso, decidi fazer o vestibular para Medicina. Fiz o Enem duas vezes. Na primeira, ainda era só a primeira fase do vestibular da Ufba. Não passei. Na segunda vez, em 2015, já era o Sisu (Sistema de Seleção Unificada) e consegui”.Primeiro, veio a aprovação no curso da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). 

Ela chegou a cursar, mas, quando veio o Sisu do segundo semestre, decidiu tentar a Ufba novamente. Conseguiu. Só que, àquela altura, já cursava o doutorado em Farmácia. Decidiu levar os dois. “No início, eu não consegui conciliar. Era muita matéria, muito conteúdo. Por isso, tecnicamente estou no sexto semestre hoje, mas pegando disciplinas de segundo e de terceiro”, conta Joelma, que defendeu o doutorado em fevereiro.  Joelma fez até mestrado em Farmácia, mas voltou para a graduação em Medicina (Foto: Arisson Marinho) Aluna de escolas públicas, Joelma já não lembrava de assuntos do Ensino Médio. No entanto, muito do curso de Farmácia ajudou. Ela começou, assim, a focar nos pontos que precisava estudar mais. “Meu planejamento era estudar depois do doutorado, mas acabei passando meio de surpresa. O que ajudou muito foi a Redação, que fiz 970 pontos”. 

A menor nota foi em Matemática – uma das que exige mais conteúdo. “As demais áreas, você tendo conhecimento básico e interpretação de texto, dá para fazer. Pode não tirar um notão, mas vai fazer. É uma prova muito grande, interpretativa. Tem que ter paciência”, afirma ela, que não dispensa literatura fantasiosa, como as sagas Harry Potter e As Crônicas de Nárnia. 

Vinícius Leal - acabou de se matricular na Ufba O jovem Vinícius Leal, 18, acabou se matricular no curso. Foi aprovado no Sisu do segundo semestre e deve começar o primeiro período em agosto. Ao contrário de muitos colegas, ele não pensava em fazer Medicina desde o início. Durante todo o Ensino Médio no Villa Campus de Educação, queria trabalhar com pesquisa científica. A Medicina veio como uma oportunidade.  Vinícius vai começar o curso em agosto (Foto: Acervo pessoal) “Faço Enem desde o primeiro ano do Ensino Médio. Desde o meu primeiro, o meu desempenho foi uma surpresa. Tirei notas boas para o nível de conhecimento que eu tinha, mas a redação era maior falha”, lembra.Como ele sabia que precisaria dela para ser aprovado, no ano passado, durante o terceiro ano, se matriculou em um curso de Redação. 

Funcionou: no último Enem, a nota foi 880. Assim, chegou a ficar na lista de espera para o primeiro semestre de Medicina este ano, mas acabou não sendo chamado. Até que, quando veio o Sisu do meio do ano, foi aprovado. 

Ele acredita que sua maior vantagem tenha sido focar no próprio Enem. Durante o terceiro ano do Ensino Médio, é comum que os estudantes tenham que dividir atenção entre as provas da escola e o exame que virá – alguns até priorizam as avaliações internas. Vinícius, não. 

“Fui resolver o Enem, entender como era a prova e o estilo dela. Eu era mais de resolver simulados, ler sobre atualidades, do que ficar horas vendo conteúdos”. Além disso, ele não abdicou dos treinos de basquete na própria escola duas vezes por semana. “Era o momento em que eu mais relaxava. Esquecia de tudo”. 

Letícia Agatha - 2º semestre de Medicina na Ufba  A primeira vez que Letícia Agatha, 19, fez o Enem, ainda no primeiro ano do Ensino Médio do Colégio Militar de Salvador, foi quase um desastre. “Fui horrível. Fui muito mal mesmo. Fui mal na redação também e fiquei preocupada com isso”, lembra. Ela sabia que queria cursar Medicina desde a oitava série do Ensino Fundamental, mas ficou com medo de que o sonho ficasse distante.  Agatha treinava quatro redações por semana (Foto: Acervo pessoal) Com uma nota de 540 na redação daquele primeiro Enem, entrou em um cursinho específico. No segundo ano, a nota foi menor ainda: 540. No terceiro, começou a fazer quatro redações por semana e treinava questões. No meio do ano, foi aprovada em Farmácia na Ufba e em Biomedicina na Unifacs. Começou a frequentar somente cursinhos pré-vestibulares nos últimos seis meses antes da prova. “Tinha dias que estudava o dia todo, tinha dias que não estudava nada, mas a média era de cinco horas por dia. Fazia 50 questões por dia. Saí do curso de inglês na época e acabei deixando de ir para academia porque ficava muito cansada. Deixei de sair com os amigos, até porque todos estavam na mesma onda de estudar para vestibular”, conta. Para ela, foi a Redação o seu grande diferencial. Logo veio a aprovação na Universidade Estadual Santa Cruz (Uesc). Três meses depois, veio a Ufba, no Sisu do segundo semestre. Agora, ela já está no segundo período do curso. 

“Tive muitos colegas bons no colégio, até melhores do que eu, que demoraram mais para passar. Acredito que isso seja muito por conta da pressão psicológica, então, é importante fazer um cronograma, identificar suas dificuldades e tentar focar mais nas suas deficiências”, diz ela, que defende que os futuros colegas não deixem de fazer coisas que os deixem felizes. “Eu fui muito para a praia, na época, porque meu curso era perto, e comecei a fazer terapia. Foi muito importante”. 

Vinícius Assis - 1º semestre de Medicina na Ufba Vinícius Assis, 26, se formou em Direito, se tornou advogado e era apaixonado pela profissão. Ficou dois anos trabalhando e estudando para concurso, mas, em um determinado momento, percebeu que não era bem aquilo que queria. Pensou em mudar de área. “Amigos que fazem Medicina me disseram: por que você não faz para ver?”, lembra. 

Faltavam nove meses para o Enem. Ele não tinha livros e sequer tinha feito Enem na vida – quando saiu do Ensino Médio, em 2009, os principais vestibulares do estado não usavam o Sisu. Decidiu, então, focar no vestibular da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). “Peguei as provas e comecei a tentar as matérias que tenho mais afinidade, como História, Português e Redação. Como eu lembrava de muita coisa, parti para comprar livros de Química, Física e Matemática”, diz.Escolheu não fazer cursinho presencial e assinou o pacote de um cursinho online, onde assistia videoaulas dessas matérias. Fez, então, o vestibular da Uefs – de 15 vagas para não cotistas, ficou lá pela 30º posição. 

Foi aí que Vinícius se voltou para o Enem. “Peguei o edital do Enem, li e vi que algumas coisas eram cobradas de formas diferentes. Não era tão decoreba e era mais raciocínio. Comecei a pegar as provas antigas e fiz um esquema de estudos”, explica. O cronograma tinha programação todos os dias da semana.  Vinícius Assis assinou até pacote de cursinho online (Foto: Acervo pessoal) Aos domingos, pela manhã, respondia uma prova como se fosse o próprio Enem – uma espécie de simulado. A partir do resultado da prova, decidia os assuntos da semana. Percebeu que, na maioria das universidades, Matemática, por exemplo, não tem um peso tão grande para Medicina. Assim, decidiu focar nas Ciências Naturais – era o que tinha tempo para aprender. 

De segunda a sábado, de manhã, ele reservava uma hora de estudo para Física, uma para Biologia e uma para Química. À tarde, repetia a mesma divisão, mas acrescentava uma hora de Matemática. “À noite, era o que eu conseguisse pegar, já cansado. Acabava indo para as humanas”, lembra. Além disso, reservava uma hora todos os dias para ir à academia. Os momentos de lazer eram no sábado à noite e nas tardes de domingo. “Nove meses é muito, mas não para quem estava há oito anos fora do Ensino Médio e não tinha noção de nada. Comecei a focar para responder questões e deu tudo certo. A nota foi maior do que eu esperava”, relata.Primeiro, veio a aprovação na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Na segunda lista para a Ufba, foi chamado. 

Agora no primeiro semestre, está satisfeito. “Me apaixonei pelo curso de novo e espero não me frustrar. Mas por mais que você estuda para o vestibular, quando você entrar, vai estudar mais. Durante o curso de Direito todo, nunca virei noite para estudar para prova. Nesse primeiro semestre, já virei uma dez”, revela. 

Salvador tem cursinho específico para quem quer Medicina Tanta gente querendo fazer Medicina foi o principal motivo para a fundação de um cursinho específico para esse vestibular. “O que motivou foi a demanda. Os alunos que querem fazer Medicina ainda são a maioria nos cursinhos hoje, porque a facilidade para entrar em outros cursos ainda existe. Medicina ainda tem uma dificuldade grande, mesmo com a abertura de vários cursos particulares”, diz o professor Wladimir Fernandes, um dos sócios do Pontomed, criado há quatro anos com essa proposta. 

De acordo com ele, essas disciplinas têm maior carga horária nas aulas e há um material de estudo específico para o trabalho – ou seja, não há módulos ‘importados’ de outros estados, por exemplo. 

Para Wladimir, o aluno que quer Medicina deve estar entre outros alunos que também querem esse curso.“Faz uma diferença muito grande porque o estudante respira em um ritmo de estudo que é o ritmo que ele precisa para passar. Essa é a ideia principal do curso”, afirma. Ele defende que, na preparação dos alunos, os próprios professores tratem o Enem com realismo. “As pessoas falam uma coisa do Enem, mas, no momento em que ele passa a ser a seleção para as universidades federais do país, nos últimos nove anos, ele tem sido, cada vez mais, uma cobrança de conteúdos específicos”.