Armandinho Macêdo e Daniela Mercury relembram histórias da folia

Artistas visitaram a Casa do Carnaval, que será inaugurada no dia 5 de fevereiro

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  • Laura Fernades

Publicado em 31 de janeiro de 2018 às 06:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Célia Santos

Convidados a fazer uma visita à Casa do Carnaval, que será inaugurada na próxima segunda-feira, a cantora Daniela Mercury e o guitarrista Armadinho Macêdo mergulharam em uma viagem no tempo. Foi só citar a maior festa de rua do mundo que histórias e memórias surgiram na mente dos dois, que estão entre os inúmeros artistas representados no novo museu do Centro Histórico.

Sentado ao lado de miniaturas do trio elétrico, feitas pelos artistas plásticos J. Cunha e Pedrinho da Rocha, Armandinho, 64 anos, lembra sorridente: “o brinquedo da gente era o trio elétrico”. Filho de Osmar Macêdo (1920- 1997), inventor do trio ao lado de Dodô (1920-1978), Armandinho conta que o passatempo dele e dos irmãos, na infância, estava no fundo de casa, onde ficava estacionado este que é um dos principais ícones da folia baiana.

“Com dez anos de idade, meu pai fez um trio mirim e eu, naquele trio pequenininho, já tocava para uma multidão que cercava aquela caminhonete”, conta orgulhoso. “Acostumei com isso desde pequeno, de ver aquela multidão em volta”, completa o mestre da guitarra baiana, que, junto com os irmãos Macêdo, puxa uma das pipocas mais tradicionais da folia.

Assim como o trio, que começou como um carro de som amplificado chamado de Fobica, a guitarra baiana criada por Dodô e Osmar também tem sua história representada na Casa do Carnaval. Primeira voz do trio, antes da chegada dos cantores, o instrumento batizado por Armandinho começou como um “cavaquinho elétrico”, ou “pau elétrico”. “Quando era menino, ligava meu amplificador na porta de casa e ficava tocando sozinho. Saía gente de todo canto achando que tinha um trio e era só um cavaquinho. Era a marca”, conta.

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Bruxinha Boa Uma das principais vozes da axé music, gênero que passou a reinar na folia  depois de sua explosão nacional em meados dos anos 1980, Daniela Mercury, 52, não esconde a admiração pelos precursores: “Sou apaixonada por Armandinho, Dodô & Osmar e pelo trio elétrico que, pra mim, sempre foi mágico”.

A cantora conta que, quando era criança, esperava o ano inteiro pelo Carnaval, para vestir as fantasias feitas pela avó e ver a festa passar. “Somos todos discípulos de Dodô e Osmar! Então, eu ia pra rua toda fantasiada de holandesa, às vezes de baiana... A gente amarrava os banquinhos na Avenida Sete e ficava vendo os blocos”, lembra.

No ano em que a Pipoca da Rainha completa 20 anos e o hino O Canto da Cidade faz 25 anos, Daniela sorri para o passado. “Algumas crianças queriam ir pra Disney, eu só queria o Carnaval. Muito melhor, mais encantador e eu era personagem, fazia parte daquele mundo mágico que, com certeza, me inspirou a ser artista”, completa a cantora, orgulhosa.

Outra história que a Rainha Má resgata também vem da infância, quando se vestiu de “bruxinha boa” para ir a um baile com a família, na Ilha de Itaparica. Quando viu todo mundo desistir, já fantasiada, Daniela foi para a varanda chorar. “Dava pra ver Salvador e as luzinhas da cidade. De longe, elas piscam e eu tinha a sensação que era um trio elétrico com todo mundo pulando. Foi meu consolo”, ri.

Além de ter doado dois figurinos que vão ficar expostos na Casa do Carnaval, um assinado por Martha Medeiros e outro por J. Cunha, Daniela sugeriu coreografias para a sala de dança do museu. O espaço vai reunir onze vídeos com danças marcantes e O Canto da Cidade vai fazer parte da trilha. O visitante poderá escolher um dos vídeos para dançar por cinco minutos e terá, à sua disposição, fantasias e instrumentos.

“Museu é o que precisa ser vivido, é o que a gente precisa sentir, precisa tocar, e esse é um museu de um grau de interatividade. Com certeza, as pessoas vão ter uma vivência do que é o Carnaval e vão sair pra rua com essa percepção. Salve o Carnaval que nos explica, que nos salva, que nos une”, comemora a Rainha.

Movimento Instalada em um casarão do início do século XX, com cerca de 700m² de área útil e capacidade para 150 pessoas, a Casa do Carnaval conta com um acervo permanente e multimídia. Objetos inéditos, cedidos por artistas, vídeos, textos e sala de cinema estão entre os atrativos que vão tentar recontar três séculos de história da maior festa de rua do mundo.

Com visitação aberta a partir de março, o museu conta com três andares: dois de exposição e um onde vai funcionar o café-bar Terraço do Samba, com apresentações acústicas e lançamentos. Além disso, no subsolo, será implantado um centro de referência sobre o Carnaval.

A curadoria é do artista, designer e cenógrafo Gringo Cardia junto com o professor doutor em Cultura Contemporânea e vice-reitor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Paulo Miguez, um dos maiores especialistas nos estudos sobre festa. A dupla é a mesma responsável pela Casa do Rio Vermelho.

“O conceito principal do museu é que o Carnaval é o espaço da liberdade de cada um, que vai ser rei da rua por um dia. Um exercício de liberdade, uma explosão de identidade”, resume Gringo, 60 anos, que tem trabalhos marcantes com artistas como Tom Jobim (1927-1994), Gilberto Gil, Marisa Monte e a própria Daniela Mercury.

Daniela destaca, ainda, que “museu é lugar de perpetuar a criação humana”. “No mundo capitalista, que coisifica a gente, o museu personifica, humaniza e guarda boa parte do que a gente fez. Os museus também são perecíveis, porque a arte é cultura oral, é construção. Então o museu precisa estar em movimento, tem que ser o próprio trio elétrico”, finaliza sorrindo.

Museu terá centro de pesquisa Estudiosos e interessados no Carnaval terão um espaço a mais para servir de fonte de pesquisa, já que a Casa do Carnaval vai abrigar um centro em parceria com a Universidade Federal da Bahia (Ufba). Localizado no subsolo do museu, o espaço vai reunir livros, artigos e banco de imagens que podem ser acessados mediante agendamento.

“É um desejo antigo, de todos aqueles que têm uma relação mais intensa com a festa que não apenas de ser folião. É uma lacuna, se você considerar o tamanho, a importância que essa história tem”, justifica o curador da Casa do Carnaval, o professor e vice-reitor da Ufba, Paulo Miguez.

Prefeitura vai administrar a Casa do Carnaval A partir do projeto inicialmente pensado para o Museu da Cidade, assinado pelos arquitetos Alexandre Prisco e Nivaldo Andrade, a Prefeitura de Salvador decidiu implantar a Casa do Carnaval no casarão que está localizado ao lado do Plano Inclinado Gonçalves e atrás da Catedral Basílica e do Museu da Coelba.

Gerido pela Prefeitura, o museu faz parte do Conjunto Arquitetônico, Paisagístico e Urbanístico do Centro Histórico que foi tombado em nível federal, em 1984, e incluído na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, em 1985. "Sua maior importância é reunir toda a história do Carnaval. Não temos uma memória à disposição do cidadão comum e é uma história muito rica, que passa por uma influência não só da informação do povo. É importante valorizar no imaginário das pessoas o que esta festa representa", destaca o secretário municipal de cultura e turismo, Claudio Tinoco.

Serviço Casa do Carnaval (Praça Ramos de Queirós, s/n, Praça da Sé, Centro Histórico, ao lado do Plano Inclinado Gonçalves) Abertura: 5 de fevereiro (para convidados) Visitação: soft opening para grupos agendados (em fevereiro), aberto ao público a partir de março, das 11h às 19h Ingresso: R$ 50 | R$ 25