Arte baiana perde o olhar crítico e generoso de Matilde Matos

Corpo da pesquisadora e curadora será enterrado nesta segunda (18) no Cemitério do Campo Santo

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  • Da Redação

Publicado em 18 de janeiro de 2021 às 01:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: divulgação

Presença marcante nos últimos 50 anos no universo das artes plásticas baiana, a crítica e curadora Matilde Matos morreu neste domingo (17) em Salvador, aos 93 anos, devido à complicações decorrentes do Alzheimer, doença da qual se tratava há cerca de 4 anos. Pioneira numa época em que a presença feminina neste ambiente era muito discreta, Matilde ajudou a contar a história de muitos artistas através de seus textos jornalísticos, mas também publicados em catálogos, prefácios de livros e feitos especialmente para exposições – sobretudo de artistas iniciantes, nos quais acreditava. 

“Minha mãe foi uma guerreira. Fez o papel de mãe e pai, Cuidou de mim e meu irmão Jean. Estava sempre disposta a buscar os artistas novos, que estavam começando, para dar um incentivo. Também  procurava valorizar os que já tinham uma carreira” resumiu, muito emocionada,  Claudine Toulier. Que sempre esteve ao lado da mãe em vários projetos. O corpo de Matilde será enterrado nesta segunda-feira (18), às 10h30, no cemitério do Campo Santo, na Federação.

 Amigo de Matilde e colega no trabalho de crítica, César Romero afirma que quem quiser conhecer um pouco da história da arte na Bahia nas últimas décadas terá de conhecer a história de Matilde Matos. “Durante mais de 30 anos ela escreveu sobre arte, com conhecimento de causa e sem querer agradar ninguém. Era muito sincera em suas avaliações”,a afirma César, que também é artista plástico e colunista do CORREIO. 

César destaca a generosidade como um das principais características de Matilde, principalmente na disposição de divulgar os novos artistas. “Ela ia a todas as exposições, visitava ateliês e também recebia os artistas em casa. Era muito acessível, assim como seus textos”, destaca. 

Nascida em Caicó, Rio Grande do Norte, em 1927,  Matilde Augusta de Matos fixou residência  em 1933 na Bahia. Em 1959, assinava crônicas, dia sim, dia não, no novo Jornal da Bahia de João Falcão. Manteve a coluna no jornal até 1962, quando foi dirigir a escola de línguas Ebec, no Rio. Ao voltar, em 1968, passou a abordar os assuntos artísticos e culturais, na edição de domingo do Jornal da Bahia. 

Com vários livros publicados, Matilde lançou em em 2010 a antologia  50 anos de Arte na Bahia, aos 83 anos, que apresentou um panorama da história das artes visuais na Bahia a partir da década de 1945. “Em textos curtos, para dar lugar às imagens, expresso minha visão dos acontecimentos que influenciaram a trajetória da arte visual desenvolvida na Bahia a partir da introdução do Modernismo, e dos artistas que se destacaram nas respectivas décadas, com o sentimento que me despertaram então. Gostaria de ter incluído outros artistas, mas faltou espaço”, afirmou Matilde na época do lançamento. 

Em 2014, uma grande exposição no Palacete das Artes apresentou a Coleção Matilde Matos, um conjunto de 80 trabalhos doados por ela ao governo estado, para fins educativos e de conservação. No mesmo ano foi lançado o documentário Matilde Matos: A Arte do Silêncio, dirigido por Kithi Oliveira. A coleção foi doada ao governo após o encerramento das atividades da escola e galeria de arte Ebec, em 2013. 

Noventa artistas plásticos se reúnem em 2017 para homenagear Matilde, que já sofria com o Alsheimer e passava por dificuldades financeiras, com a exposição 90 Olhares para Matilde - 90 Anos de Vida, com obras de artistas como César Romero, Bel Borba, Sergio Rabinovitz, Chico  Mazzoni, Álvaro Machado, Leonel Mattos, Wilton Bernardo e Viga Gordilho, entre outros.  Curador da mostra, o artista Leonel Matos, relembra que foi uma forma de retribuir o grande trabalho feito por Matilde pela arte baiana. As obras foram vendidas para ajudar no tratamento médico dela. “Ela era muito corajosa, não tinha preconceitos”, resume Leonel.