Artigo de Waldeck Ornélas: 'Transposição: a hora da verdade'

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  • Waldeck Ornelas

Publicado em 3 de abril de 2017 às 15:57

- Atualizado há um ano

Com pompa e circunstância, o presidente da República, Michel Temer, compareceu à cidade de Monteiro, na Paraíba, para acionar o sistema do Eixo Leste da transposição do rio São Francisco, o primeiro a ser concluído. Com isto, as águas do Velho Chico chegaram ao norte de Pernambuco e à Paraíba. Uma semana depois foi a vez dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff repetirem a mesma inauguração... Tanto entusiasmo e disputa pela obra que já custou R$ 9,6 bilhões não se mostra capaz de elucidar aos contribuintes como se dará, a partir de agora, a gestão do sistema e como será custeada a sua operação e manutenção, ou se vai tornar-se um novo sangradouro das contas públicas, dando sua contribuição para a criação de mais déficit fiscal.

Afinal, quanto vai custar o m³ da água transposta? Quem vai paga-la à Codevasf, empresa pública detentora do projeto? O Comitê da Bacia do Rio São Francisco quanto vai receber de indenização para a conservação do rio? Muitos, com certeza, esperam que a água seja grátis, ainda que não caia do céu. Coube à Fundação Getulio Vargas realizar os estudos econômico-financeiros cujos resultados ainda não foram divulgados, embora a água já comece a ser distribuída. Ou seja, como soe acontecer com frequência entre nós, definir a sustentabilidade do projeto é questão de somenos importância. Por mais que se apanhe, nunca se aprende. É assim que se geram as crises. O resultado é sempre mais dívida pública, mais inflação, mais impostos e, ao final, mais desemprego.

O vazamento já apresentado na barragem do reservatório Barreiro, em Sertânia (PE), situado no trecho final do Eixo Leste agora inaugurado, desconsiderando-se a condição de ser recém-construído (e por suposto estar na garantia) é apenas um exemplo do tipo de complexas questões de manutenção, conservação e operação que a transposição requer. Esse reservatório começara a ser enchido no último dia 25 de fevereiro. Por suposto, haverá muito trabalho para o Ministério Público.

Destinado a abastecimento urbano, irrigação e dessedentação de animais, o projeto ambiciona mais do que pode entregar. A promessa é de que venham a ser beneficiados 12 milhões de nordestinos, moradores de 390 municípios. E muitas vezes nós baianos fomos chamados de egoístas, como se não quiséssemos repartir com os demais irmãos nordestinos a água de que disporíamos em abundância. Ledo engano: de há muito o Velho Chico apresenta graves vulnerabilidades, negando-se até a manter cheio o reservatório de Sobradinho, base para a geração de energia que, esta sim, há décadas abastece todo o Nordeste.

Na verdade, é preciso ficar claro que, salvo o polo Juazeiro (BA)-Petrolina (PE), de maior expressão, a Bahia nunca se beneficiou significativamente das águas do São Francisco para o desenvolvimento de sua agricultura. Projetos como o Baixio de Irecê, o Vale do Iuiu e o Cruz das Almas, de maior porte, nunca foram executados. E se a irrigação às margens do próprio vale nem sempre suporta os custos de água e energia envolvidos – até por falta de uma exploração econômica empresarial – o que haverá de se dizer dos custos adicionais de uma água transportada a tão longas distâncias?

E a revitalização, que curso terá? Como a água é pouca e o antigo “rio da unidade nacional” está degradado, não há qualquer garantia, nem segurança de que as suas águas fluam permanentemente pelos canais recém-concluídos. Mais provável é que tenhamos ciclos frequentes de interrupção do fornecimento. Na prática, puseram o “carro adiante dos bois”, porque a revitalização não é tão vistosa e não promete os votos que a transposição parece inspirar. É de supor-se que pelos menos agora venhamos a ter novos aliados na defesa do rio e da sua indispensável revitalização, sempre negligenciada e postergada.

Tendo estado todo o tempo, desde os anos 1980, na trincheira do questionamento quanto à viabilidade econômico-financeira e a eficácia do projeto, defendendo a precedência da revitalização sobre a transposição – uma questão de evidente racionalidade e bom senso – assisto impávido à disputa que se trava pela transposição.

Com a inauguração das obras, chegou a hora da verdade. A festa certamente deve durar pouco.

*Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional e ex-secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia.