Arturzinho sobre ter virado meme: 'Lamento que levem pra chacota'

Veja entrevista exclusiva com treinador que fez história no futebol baiano

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  • Daniela Leone

Publicado em 23 de agosto de 2017 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo pessoal

Arturzinho era figurinha carimbada no futebol baiano até 2008, um ano depois de comandar o acesso do Bahia à Série B, mas depois disso, nunca mais trabalhou por aqui. Ídolo rubro-negro nos tempos de jogador, virou “rei” na década de 90 e voltou ao clube como técnico quatro vezes. No cargo, ganhou dois estaduais e uma Copa do Nordeste. Nos últimos nove anos, no entanto, veio a Salvador apenas a passeio. Aos 61 anos, Arturzinho já treinou 17 times, comemorou oito títulos e dois acessos, mas está desempregado desde março. As dificuldades do mercado da bola e as chacotas nas redes sociais em alusão a um possível retorno cada vez que Bahia ou Vitória demite um treinador foram alguns dos assuntos abordados na entrevista a seguir, feita por telefone, que você confere agora em áudio ou escrita, como preferir: 

Por onde você anda? O que tem feito?

Sou do Rio de Janeiro e, todas as vezes que não estou trabalhando, minha residência é aqui e é por aqui que eu fico. Este ano trabalhei apenas 20 dias no Bangu, um clube em que eu joguei durante sete anos. Infelizmente tive um problema com um atleta e resolvi pedir demissão porque estava interferindo no meu trabalho.

Como foi isso?

Foi chocante, porque a minha história é muito bonita no Bangu. Sou um dos maiores ídolos de todos os tempos e as pessoas gostam muito de mim lá, só que eu vi que as coisas estavam de uma forma que não me agradavam. Havia interferência, estava havendo duplo comando, eu não estava com autonomia para trabalhar e vocês que me conhecem aí em Salvador sabem como é a minha maneira de ser. Não tem como ter interferência, duplo comando e eu preferi sair a me desgastar com os dirigentes que tinham me dado todo o apoio quando eu entrei.

Ainda quer voltar a trabalhar como treinador ou já não quer mais?

Eu me cuido muito fisicamente. Corro todo dia, jogo meu futevôlei, me preservo bem, até porque sei que a minha profissão exige que o corpo e mente estejam sempre preparados. Quero continuar trabalhando, amo o que faço, mas a gente sabe que o mercado é muito complexo. Existe o mercado restrito, com muitos profissionais e pouco espaço, e existe aquele negócio de influência. Eu nunca tive empresário, então tenho dificuldade. Pra você ter uma ideia, eu tenho oito títulos como treinador, já disputei 16 finais e fico mais desempregado do que trabalho porque não tenho ninguém para correr atrás de emprego pra mim. Isso dificulta muito para que eu entre no mercado e fique consolidado.

Você optou por não ter empresário?

A questão não é optar. É uma questão de mercado mesmo. Você acha que, através do teu currículo e da tua capacidade, você vai conseguir. E o empresário só te procura quando você está trabalhando e quando você tá em clube de grande porte, aí a coisa fica difícil. Existe no mercado também um perfil já pré-estabelecido. Tem que ter grife. Tem muito treinador de grife sem currículo, e as pessoas preferem esse tipo de profissional, que dá mais ênfase à contratação, do que realmente analisar caso a caso, aqueles que têm um histórico melhor. Isso é muito complicado. Não é que a gente não queira ter empresário, até porque a gente sabe que o mercado exige isso. É que os empresários só te procuram quando você está trabalhando e pode dar algum tipo de retorno e, às vezes, esse comprometimento, esse vínculo, fica um pouco obscuro, um pouco voltado para fazer algo que não seja ético dentro do futebol. Aí eu prefiro ficar sozinho."Os empresários só te procuram quando você está trabalhando e pode dar algum tipo de retorno e, às vezes, esse comprometimento, esse vínculo, fica um pouco obscuro, um pouco voltado para fazer algo que não seja ético dentro do futebol", Arturzinho aponta para um possível conflito de interesses entre técnicos e empresários no futebolVocê tem mais títulos do que muitos treinadores que estão comandando times na Série A. Por que acha que está sem clube?

Eles têm os contatos e eu não tenho. As pessoas que não aparecem não são vistas. Você pode ter o melhor currículo possível, mas se não tem acesso aos contratantes, aos presidentes, aos clubes, ninguém sabe onde você está. Geralmente esse é o meu caso. Eu às vezes fico um ano parado, com o currículo melhor que treinadores de Série A e B porque eles têm os contatos e o envolvimento com as pessoas que influenciam na contratação. Não adianta você ser bom profissional, você tem que estar com as pessoas certas para entrar no mercado de trabalho.

O que tem feito agora que está sem clube?

Tenho feito alguns cursos no Rio de Janeiro e acompanhado alguns simpósios, mas o mercado é complicado. Estou com saudade do futebol, de voltar a trabalhar e espero que até o final do ano eu esteja trabalhando, porque é o que eu gosto e espero que isso venha ocorrer para botar em prática o que eu tenho de ideia e que tem dado certo na carreira.

Depois de 2007, quando subiu o Bahia para a Série B, você nunca mais voltou a trabalhar aqui no estado. Chegou a ser procurado pela dupla Ba-Vi ou por algum clube do interior de lá para cá?

Não. Time do interior, sim. Chegaram alguns contatos, mas não cheguei a acordo, não achei que era o momento correto para ir ao interior. Em relação a Vitória e Bahia, eu costumo dizer que esses dois clubes só vão me procurar quando estiverem necessitando. Por enquanto não necessitam, estão bem financeiramente, estão disputando a Série A. Quando as coisas apertam, é a hora de procurar o Arturzinho. Eu lamento, porque se você ver o meu histórico tanto no Bahia como no Vitória, eu estou entre os 10 melhores treinadores de todos os tempos dessas equipes e com resultados significativos, campeonatos, acessos, com campanhas extraordinárias. Mas infelizmente o prata da casa, por ter um conhecimento e gostar muito dos clubes e da cidade, às vezes não é reconhecido.

Você toparia trabalhar no interior da Bahia ou ainda não cogita?

Depende muito da proposta, e não financeira, mas sim de planejamento, o que se pretende, o que se almeja. Eu trabalho com projeção de conquistas. Sempre tenho no meu contrato alguma coisa em relação a resultado. Se algum clube na Bahia tiver esse tipo de pensamento e achar que o profissional Arturzinho pode ajudar, estarei sempre à disposição. Não só na Bahia, mas qualquer clube que esteja precisando de um profissional que quer sempre conquistar, que adora disputar títulos e se esforça pra isso.

Toda vez que Bahia ou Vitória demite um treinador, os torcedores de um time costumam brincar com os do rival dizendo que você será o próximo técnico. Tem conhecimento dessa brincadeira? Já recebeu algum meme no celular?

Eu soube e lamento que algumas pessoas às vezes brinquem com esse tipo de situação, levando mais pra chacota do que para o profissionalismo real. Se as pessoas analisassem com calma e com a verdade veriam que todas as vezes que eu estive aí, eu fiz boas campanhas, ascendi times, fui campeão várias vezes, fiz campeonatos muito bons. Deveriam respeitar um pouco mais e fazer com que esse profissional tivesse o mesmo respeito que outros que às vezes vão para aí, ganham uma fortuna, endividam o clube e às vezes não têm o mesmo resultado que nós tivemos."Eu soube e lamento que algumas pessoas às vezes brinquem com esse tipo de situação, levando mais pra chacota do que para o profissionalismo real", Arturzinho, sobre ter virado meme entre os torcedoresTem saudade da Bahia? Do que mais tem saudade por aqui?

Desde que eu cheguei em 1992, para jogar pelo Vitória, eu sempre disse que, se eu pudesse, moraria seis meses no Rio de Janeiro e os outros seis em Salvador. Eu adoro Salvador e não é pela cidade, nem pela torcida, é pelo povo. O povo soteropolitano é muito receptivo. Estou com saudade de Salvador, estive aí um ano atrás e espero que este ano eu volte a Salvador, mesmo que seja para passear. Eu sou muito bem recebido. Um negócio engraçado é que o torcedor do Vitória e o do Bahia gostam muito de mim. Às vezes eu não dou sorte é com os dirigentes.

Chegou a visitar a Fonte Nova depois da reconstrução?

Não fui, infelizmente. Não conheço a Fonte Nova depois da Copa do Mundo e espero, quando for a Salvador, poder assistir a algum jogo. É um negócio meio complicado porque se você aparecer para ficar assistindo a um jogo de Bahia e de Vitória, as pessoas já acham que você está forçando a barra, se oferecendo, e isso ai é uma coisa que me incomoda muito. Eu sou muito tímido e muito discreto em minhas atitudes.

Quer mandar um recado para as torcidas de Bahia e Vitória e para as pessoas que queriam saber por onde você andava?

Quero mandar um abraço para o torcedor do Bahia e do Vitória. Mesmo de longe, eu estou torcendo para que ambos os clubes tenham sucesso. A qualquer momento eu estou aparecendo aí em Salvador para rever os amigos, a cidade e matar um pouco a saudade de todos.