As histórias e dicas preciosas de quem prefere aprender sozinho

Autodidatas mostram caminhos para apreender sem auxílio

  • Foto do(a) author(a) Kalven Figueiredo
  • Kalven Figueiredo

Publicado em 12 de março de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Algumas pessoas têm uma ideia equivocada sobre significado da palavra autodidata. Frequentemente são confundidos com aqueles que conseguem aprender sozinhos com a ajuda de tutoriais e vídeo-aulas, quando na verdade não é bem assim. A psicóloga e orientadora profissional Ticiana Carnaúba explica que a confusão é muito comum. “O autodidata não precisa de uma intermediação ou mesmo interpretação sobre determinada área de conhecimento. Isso porque ele consegue absorver conteúdos diversos por conta própria e aplicar na vida cotidiana sem o auxílio de uma tutoria ou professor.”

Após finalizar um curso de inglês, a designer de moda Milena Machado, 22 anos, ficou entusiasmada com a possibilidade de aprender novas línguas sozinha. Entre as que ela já tentou seriamente aprender estão coreano, japonês, inglês, espanhol e mandarim. Ela também já se arriscou no alemão e no francês, mas não levou muito a sério. No meio do percurso, percebeu que aprender sozinha é uma tarefa mais difícil do que parece.

“Eu nunca consegui ir até o fim em nenhuma dessas línguas. Acho que não tenho o foco necessário. A única língua que quase dominei por completo foi o mandarim porque estudava com certa frequência e praticava com amigos, mas não consegui manter o ritmo por conta do TCC”, confessa.

A falta de foco pode ter atrapalhado a jovem, já que esta é uma característica fundamental para ser um completo autodidata. 

Caminhos A psicóloga Ticiana  Carnaúba argumenta que para conseguir ser autodidata os primeiros passos são: ser curioso, ter disciplina, foco e um objetivo guia para não se perder em meio aos inúmeros caminhos do conhecimento. O autodidata também é um entusiasta do método tentativa e erro: se ele não sabe como fazer alguma coisa, ele vai tentar até atingir seu objetivo. Concentração, além de uma inteligência prática e emocional também integram a lista de requisitos.

Quem parece atender a todas as exigências sem grande esforço é o colombiano John Michael Silva. Milena o conheceu em uma rede social e hoje ele lhe serve de inspiração: “Esse cara é incrível!” Aos 22 anos, o rapaz, que fala espanhol, conseguiu dominar outras três línguas em apenas três anos de estudos dirigidos por conta própria: inglês, francês e português.

Tudo começou quando resolveu abandonar a faculdade de Biologia depois de conversar com alguns filósofos e ler muito sobre autodidatismo. “Eu comecei [a estudar por conta própria] porque eu nunca me senti confortável com os professores que tive. Além disso, sou muito curioso. Tenho vontade de aprender coisas novas e me superar constantemente”, assume.

Paixão  Apaixonado por cultura, John encontrou no estudo das línguas uma forma rápida de aprendizado e de se inserir no mercado de trabalho rapidamente. Quando não está debruçado sobre os livros durante as quatro horas diárias previstas, está ensinando seus alunos. A rotina de estudos que leva pode parecer severa, mas para o colombiano é algo prazeroso. De tão apaixonado pelo que faz ele exercita todo conhecimento adquirido produzindo podcasts diversos sobre vários temas para treinar a pronúncia.

A faculdade é algo que, para ele, não faz falta. “Eu não fiz faculdade, nem pretendo fazer. A qualidade é ruim, ou eu sou muito exigente. Você precisa fazer cinco anos de uma língua só, aí pega o diploma e então começa a trabalhar. Em três anos aprendi três línguas até o nível avançado e as ensino. Dá pra entender a minha inconformidade?”, explica.

Decisão de mudar Às vezes é preciso tomar uma decisão e dar um novo rumo na vida, mas nem sempre o caminho é fácil. A tatuadora Helena Klipel, 20, é prova disso. Por ser uma boa desenhista, recebeu a proposta de um amigo para firmar uma sociedade e consequentemente abrir um estúdio de tatuagem. A ideia era que ela o ensinasse a desenhar à medida que ele a ensinaria o básico para se tornar uma tatuadora. A parceria não foi à frente, então ela teve que enfrentar o desafio sozinha.

Sem muitas opções de curso aqui em Salvador, Helena destaca que aprender sozinha não foi bem uma opção. “Hoje em dia eu só conheço um curso aqui na cidade, mas à época eu acho que não existia nenhum. Se tinha, eu não sabia”. Ela começou pedindo a lista de materiais necessários para começar a tatuar a uma amiga; os comprou e então começou a treinar.

“No início eu tive muita dificuldade em montar a máquina e, principalmente, em colocar a agulha corretamente. Mas continuei tentando e buscando informações no Google até que deu certo”, relembra. Os primeiros rabiscos eram feitos em cascas de frutas e peles artificiais; só depois ela começou a tatuar amigos e conhecidos mais próximos. Passado quase um ano, agora trabalha em um estúdio e admite que o processo de aprendizado ainda é frequente.

Assim como Helena, Lorena Sampaio, 28, foi motivada pelo desejo de mudar e pela paixão. A música sempre foi algo que chamou sua atenção, mas foi só aos 18 anos, quando um tio atendeu ao seu pedido e lhe ensinou duas notas no violão, que essa paixão se intensificou. A falta de um curso não impediu o início do seu processo de aprendizagem. Seu tio a presenteou com o violão que era da esposa e a partir daí ela não parou mais. Eram revistas especializadas, sites de cifra, manuais e dias e noites treinando as notas para buscar a perfeição.

Tanto gosto pelo instrumento influenciou na escolha de sua carreira. Hoje, Lorena é estudante de licenciatura em Música, na Faculdade Católica do Salvador (Ucsal) e atua como arte terapeuta. “A arte me transformou tanto que eu procuro instigar a criatividade nas pessoas para que elas possam caminhar melhor”, comenta. Boa de desenho, Helena Klipel aprendeu a tatuar sem ajuda (Foto: Acervo pessoal) Curiosidade A diretora de arte Marília Salles, 28, curiosa desde pequena, acabou traçando seu caminho sem nem perceber. Ainda quando ela era criança, seu pai, um amante de tecnologia, chegou em casa com um computador. Isso foi suficiente para despertar a curiosidade da menina. À época ela morava em Bom Jesus da Lapa, no Vale do São Francisco, portanto ainda não tinha cursos nem opções de professores ou mesmo matérias nas escolas. O jeito era descobrir fazendo.

“Comecei com o PS (programa Photoshop), lá pelos 11 anos. Aprendendo sozinha, instalando o programa, mexendo nas ferramentas, sem medo, como uma brincadeira. Mais tarde com a internet, os tutoriais [ainda em forma de texto] que na maioria das vezes eram em inglês, me ajudaram a desenvolver outras habilidades”,  lembra. “Hoje, os vídeos tornam o aprendizado mais dinâmico. Estou sempre aprendendo algo novo ou me aprimorando em um software que uso menos”, conclui Marília.

Ela aprendeu tudo o que sabe mexendo. Mas foi só quando teve acesso à internet em casa que o processo foi acelerado. Todo o processo para aprender programas como o Photoshop, Illustrator e After Effects, o qual ela ainda está se especializando, durou cerca de cinco anos. Atualmente, Marília integra o núcleo de criação de uma grande agência de publicidade e trabalha com os programas que aprendeu na adolescência.

Dicas para se tornar um autodidataMetas e objetivos - Estabeleça metas e objetivos claros e concretos para saber aonde quer chegar  Ter foco - Tente manter o foco em uma área de conhecimento por vez. Não busque aprender tudo ao mesmo tempo. Saiba para onde direcionar sua atenção Traçar um caminho - Defina um percurso que televará até o seu objetivo. Planejar é importante para o resultado  Saber os limites - Conheça seus limites e teste sua potencialidade antes Ler para entender - Pratique a leitura em diversas áreas de interesse. Essa base adquirida previamente ajuda no processo de escolha Prioridades - Eleja o que é mais importante  Tempo ao tempo - Saiba administrar bem o tempo de estudos e de prática. O cérebro também precisa de tempo para assimilar conteúdo Desistir, jamais - Não ter companhia pode significar também ausência de estímulo. Desistir é fácil, portanto, é preciso controle emocional. Ferramentas que ajudam a se virar sozinhoOutras línguas - Duolingo, Lang8, HiNative e My English Online são alguns dos aplicativos famosos que ensinam línguas estrangeiras a autodidatas. O Duolingo dispõe de 5 idiomas diferentes e oferece um conteúdo quase que personalizado para cada pessoa. Já o Lang8 é uma rede social em que você pode postar textos na língua em que você deseja praticar e aprender e usuários nativos da língua corrigem para você. O HiNative, similar ao Lang8, possibilita ao usuário perguntar tudo sobre línguas e culturas a falantes nativos. Por fim, o My English Online é uma boa dica para quem precisa provar proficiência no inglês, mas não tem muita grana. A plataforma é uma iniciativa do Governo Federal através do programa Idioma Sem Fronteiras e oferece um certificado de proficiência totalmente gratuito Fotografia - O aplicativo Nikon's Learn & Explore além de oferecer imagens como referência, apresenta artigos voltados para todos os tipos de público, desde os que estão começando a aprender a dar os melhores cliques até profissionais da área. Ele oferece também um glossário com termos fotográficos para não se perder durante os estudos. No entanto, o aplicativo está disponível apenas para plataforma iOs Programação - O Codeacademy é um guia para quem deseja aprender a programar. Nele você pode aprender as linguagens Javascript, Python, Ruby e várias outras tecnologias. O site oferece um ambiente seguro para que o usuário experimente e teste os recursos dos códigos desenvolvidos, sem que precise configurar um servidor web  Tutoriais - O YouTube é o principal aliado de quem busca aprender a fazer algo através de vídeos. As aulas costumam ser um bom começo para desenvolver novas habilidades. ***

Habilidades adquiridas sozinho podem ir parar no currículo Se o currículo é um espaço dedicado a demonstrar sua formação e suas habilidades pessoais, é importante saber como preenchê-lo. A especialista em Recursos Humanos Sandra Fiamoncini não dispensa nenhum talento: até os mais incomuns, como saber praticar hipnose, podem acabar te deixando na frente em uma seleção. Mas é preciso que isso tenha a ver com o posto de trabalho em disputa. “Tudo depende da vaga que você vai concorrer. Na hora de escrever sobre suas habilidades, é bom ter o cuidado de filtrar aquelas que podem ser usadas na função que a vaga está ofertando. A hipnose valeria se a vaga em questão fosse para o cargo de dentista, ou psicólogo”, explica. 

Por isso, ela deixa claro que na hora de explicitar no currículo suas habilidades deve-se seguir a regra padrão e fazer um currículo personalizado de acordo com as funções que serão desempenhadas. Além disso, ela aconselha que o candidato não escreva no currículo que é autodidata. “É melhor apenas colocar que possui determinado conhecimento ou habilidade. Prefira dizer que adquiriu tal conhecimento sozinho na hora da entrevista”. 

A dica final é colocar no currículo apenas o que realmente é do conhecimento do candidato. “Já aconteceu de um candidato colocar no currículo que é uma pessoa comunicativa e na entrevista ele respondia de forma monossilábica demonstrando que não era bem assim. É bom tomar cuidado e não inventar habilidades porque na hora da avaliação isso pode acabar manchando a imagem do profissional.”