Aterro sanitário vira lixão e causa dano ambiental em Alagoinhas

Gestão de resíduos é ‘mal feita’ em toda Bahia, diz MP

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 9 de abril de 2018 às 04:25

- Atualizado há um ano

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Com produção diária de cerca de 120 toneladas de lixo, a cidade de Alagoinhas, no Nordeste do estado, viu seu aterro sanitário, um dos 43 existentes no estado, num universo de 417 municípios, ser transformado em lixão durante oito meses. Foi o tempo que durou entre o impasse da Prefeitura local com a empresa ART Construtora – que, sem receber, deixou de realizar a manutenção no aterro – e a contratação emergencial de outra empresa para realizar o serviço, retomado no início deste mês.

Questionada sobre quanto deixou de pagar à ART Construtora, o secretário municipal de Serviços Públicos, Harnoldo Silva Azi,  informou que não tinha o valor e que o problema com a empresa foi na gestão passada, durante o ano de 2016. 

O trabalho, agora, é recuperar o dano ambiental, sobretudo o solo, que ficou com uma camada de 3 a 5 metros contraminada pelo lixo jogado a esmo no aterro. A área ocupada por ele é do tamanho de dois campos de futebol e meio.

A Sustentare Saneamento, empresa paulistana contratada por R$ 1,2 milhão, pelo prazo de seis meses, numa licitação emergencial, informou que prevê o deslocamento de cerca de 30 mil toneladas de lixo despejados de forma irregular.

Ajustamento  A Prefeitura deu início aos trâmites do contrato emergencial após assinar em 28 de novembro de 2017 um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Publico do Estado (MP-BA).

O TAC prevê também que o Município apresente, até dezembro de 2019, o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e estabelece que a Prefeitura incentive no plano a participação de cooperativas ou outras formas de associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. No aterro, o lixo é jogado em espaços chamados de células, que são buracos de 5 metros de profundidade por 7,5 mil metros quadrados de área onde resíduos sólidos são compactados com terra e há sistemas de escoamento do chorume e gás metano.

Há apenas duas células no aterro, uma delas já com vida útil ultrapassada e a outra – que vinha recebendo o lixo de forma desordenada –, já no limite. A Prefeitura de Alagoinhas prevê a construção de uma terceira célula ainda este ano.  No limite O aterro, do jeito que estava, com aspecto de lixão, “em mais alguns dias não ia poder receber os caminhões de lixo”, informou o engenheiro civil e sanitarista Joaquim Neves, à frente dos serviços da Sustentare em Alagoinhas.

“Já promovemos uma limpeza na área e já reduziu a geração do chorume. Os serviços que chegam estão sendo depositados na área prevista e não mais irregularmente. Estamos colocando resíduos nas duas células”, afirmou Neves.

Segundo o engenheiro, o lixo acumulado nesses oito meses criou uma camada de cerca de 2 metros. “Vamos demorar de dois a três meses para cobrir a camada de lixo com terra e fazer a drenagem de gases e a fluvial”, disse ele.

Lençol freático O fato de o lixo estar sendo jogado de forma irregular no aterro levantou suspeitas sobre a possibilidade de contaminação do lençol freático da cidade, onde está localizado o Aquífero São Sebastião, cuja água é considerada pelo Ministério de Minas e Energia como de alta qualidade.

Em Alagoinhas, captam água do aquífero duas empresas de cervejaria e uma fabricante de refrigerante e água mineral. Mas as captações são feitas a cerca de 100 a 150 metros de profundidade, de acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM).

“Não vemos motivo para preocupação quanto à contaminação do aquífero. A não ser que fosse um problema que durasse por muito tempo – dois a três anos. Aí poderia chegar até o aquífero pelo lençol freático, mas não foi o caso”, disse o chefe de fiscalização da ANM em Salvador, Cláudio Lima.

Sem risco O CORREIO procurou o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão vinculado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), para saber se está acompanhando o problema ambiental no aterro em Alagoinhas, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

O secretário municipal de Meio Ambiente da cidade, José Edésio Cardoso Silva, informou que os poços de coleta de água do aquífero ficam a 9 km da cidade e “muito distantes do lixão” (ele não soube precisar). “Não tem risco de contaminação algum”, garantiu.

Gestão de resíduos é ‘mal feita’ em toda Bahia, diz MP Uma pesquisa feita em 2017 junto aos 417 municípios baianos pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano (Sedur) sobre a situação das unidades de disposição final de resíduos sólidos mostra que 216 cidades (52%) possuem lixão e só 10% (43 cidades) possuem aterro sanitário.  

De acordo com a Sedur, 105 cidades não responderam à pesquisa. O  levantamento, feito a partir da autodeclaração dos municípios, aponta ainda que 53 cidades (13%) possuem aterro controlado, que é um intermediário entre o lixão e o aterro sanitário – a diferença é que o aterro controlado não faz a impermeabilização do solo e nem tem sistema de dispersão do gás metano e de tratamento do chorume.

A promotora de Justiça Cristina Seixas, coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo (Ceama) e que acompanha a situação na Bahia há mais de dez anos afirma que “a gestão dos resíduos é muito mal feita nos 417 municípios. Todos têm problema”.

Ela disse que na Bahia 51 promotores atuam em mais de 200 cidades na fiscalização e estruturação dos locais para destinação final de resíduos, e que eles têm encontrado problemas com catadores dentro das áreas e ausência de coleta seletiva. “Tem aterros construídos e não geridos, e aterros que se transformaram em lixão”, cita.

A Sedur, por meio de nota, informou que “vem apoiando os municípios na implementação da Política Estadual de Resíduos Sólidos, instituída por meio da Lei n° 12.932 de 7 de janeiro de 2014, com a definição de estratégias de atuação, a exemplo do desenvolvimento institucional, fomento à associação de municípios em consórcios públicos para a gestão e gerenciamento integrados de resíduos sólidos, e integração entre órgãos federais, estaduais e municipais.”

Segundo a Sedur, dados da regionalização da Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (resultado de convênio entres os governos federal e estadual) indicam que a maioria dos aterros sanitários construídos com recursos federais se transformou em lixões, também chamados de “vazadouros a céu aberto”.

“Dessa forma, constata-se que apenas a implantação de unidades de disposição final de rejeitos não é suficiente para garantir uma gestão adequada por parte das prefeituras”, diz a nota.

“O governo baiano também investiu soma considerável de recursos na construção de aterros sanitários convencionais e simplificados, na década de 1990, obtendo também resultados semelhantes ao governo federal”, informou a pasta.

“Isto porque a maioria das prefeituras brasileiras, e aí se insere igualmente as baianas, possuem baixa capacidade de gestão e dificuldade técnica e financeira para a prestação e gerenciamento dos serviços de limpeza urbana e a Lei Federal nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabeleceu como prazo máximo para o encerramento de vazadouros a céu aberto (lixões) o dia 2 de agosto de 2014. Os titulares dos serviços públicos de saneamento básico, em sua maioria, não conseguiram cumprir o que determina a lei.”

A disposição inadequada dos resíduos sólidos – seja na água ou no solo – constitui crime ambiental previsto pela Lei n° 9.605 (Lei de Crimes Ambientais) desde 1998.

A Sedur comunicou ainda que “desde 2007 vem trabalhando no planejamento do setor de resíduos sólidos, de forma regionalizada, procurando atender todos os municípios de forma integral e planejada, pois antes as ações eram pontuais e sem planejamento”.