Ato no Vale das Pedrinhas pede justiça para menino Micael

A criança foi alvejada com um tiro de fuzil enquanto brincava na porta de casa no último domingo

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 22 de junho de 2020 às 00:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Carmen Vasconcelos

Carrinhos de brinquedo, flores, fotos, a calça de capoeira, a bola e pipas expostas em praça pública. Esses foram os elementos usados para homenagear a vida do garoto Micael Silva Santos, de apenas 11 anos (ao contrário do que foi divulgado, ele faria aniversário no dia 20 de setembro), morto há uma semana numa operação policial, no final de linha do Vale das Pedrinhas.  Objetos que marcaram a breve vida de Micael Silva foram levados à praça para homenageá-lo e pedir justiça (Fotos: Carmen Vasconcelos) Iniciativa foi uma realização do grupo Reaja e contou com a presenças de populares, militantes e de familiares de Micael, no mesmo local onde o garoto foi alvejado por um tiro de fuzil, no último domingo. Segundo testemunhas, Micael estava brincando de empinar pipa na porta de casa, quando foi surpreendido por um grupo de policiais que saiu atirando de uma viela. Um tiro de fuzil atingiu o garoto, que foi socorrido por uma vizinha. Apesar de ter dado entrada no Hospital Geral do Estado, a criança não resistiu aos ferimentos.

De acordo com o militante do Reaja, Hamilton Borges, a ação teve o objetivo de celebrar a vida do jovem e não deixar que o crime caia no esquecimento como mais um dos muitos praticados pelas milícias e grupos de extermínio que agem no local. “Apesar dos poderes públicos atribuírem esses crimes ao tráfico de drogas, o que realmente assistimos é a morte cotidiana de crianças e jovens negros”, pontuou Hamilton.

Para ele, não dá para manter silêncio, quando o mundo chora a morte de George Floyd nos Estados Unidos e a execução de João Pedro, no Rio de Janeiro. “Queremos uma explicação do Comando da Polícia Militar sobre essa situação e sobre a motivação desse crime. Não é possível continuar encontrando jovens negros baleados com sinais claros de legítima defesa e submissão e ninguém fazer nada”, pontuou. Andréa Beatriz, do Reaja, ressaltou que esses assassinatos deixam sequelas na comunidade e que a PM precisa explicar a morte dos jovens negros A coordenadora do Reaja Andréa Beatriz destacou os números do Mapa da Violência, que colocam Salvador e o Rio de Janeiro como as capitais com a polícia mais letal do Brasil. “Em 2017, por exemplo, foram 7.487 mortos no estado e 90,67% dessas vítimas eram jovens negros. Há um genocídio em curso e não pudemos mais nos calar”, disse, ressaltando que essas mortes possuem um impacto devastador na vida das mães e das comunidades. “A mãe de Micael recebeu o corpo do filho destroçado por uma bala de fuzil e ninguém se perguntou como ela vai ficar, como essa dor será aplacada”, completou, destacando que a polícia é motivo de temor constante no bairro.

Reforçando a fala da militante, um morador que preferiu não se identificar por razões de segurança, disse que a ação de milícias é tão naturalizada que os policiais nem sequer tiram as fardas. “A viatura 03, da PM da Boca do Rio é conhecida aqui no Vale das Pedrinhas. Eles entram para matar, sem nenhum respeito com as famílias, com os trabalhadores. A Polícia Civil é muito melhor para a comunidade”, denunciou. 

Visivelmente abatida, a mãe do garoto, a diarista Joselita Santos Meneses 44, diz que nunca imaginaria que tal coisa pudesse acontecer com o próprio filho. “Micael era um garoto cheio de sonhos, fazia capoeira e escolinha de futebol e me dizia que queria ser pastor quando crescesse”, disse. Igualmente consternado, o pai de Micael, Maurício Santos, 45, fez questão de ressaltar que o garoto estava profundamente feliz por ter chegado ao sexto ano e que não se conforma até agora com a perda.  Viaturas da PM estiveram presentes ao ato que foi realizado no mesmo local onde o menino morreu, depois de ser atingido por um fuzil.  Enquanto a equipe de reportagem esteve no local, foi possível identificar pelo menos três viaturas rondando a praça onde os manifestantes estavam presentes e mais um grupo significativo de policiais estavam a postos num ponto de ônibus na localidade. “Os lugares onde eles deveriam ir de verdade, sequer chegam perto, mas aqui, onde tem preto e pobre, chegam assim tentando intimidar”, completou uma moradora, que também preferiu manter sigilo sobre a identidade e acompanhava a manifestação.

Até o fechamento da edição, a reportagem não conseguiu retorno da PM sobre a responsabilização da morte da criança.