Atrás do porto tem uma cidade

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  • Kátia Borges

Publicado em 27 de outubro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Morei durante longo tempo na parte baixa da cidade, primeira capital desse país-colônia, território que se expandiu a partir de um dos maiores portos do Atlântico, altaneira e provinciana. Uma igreja neogótica paira sobre as lembranças da minha infância. Uma pequena freira, hoje santa, atravessa as ruas por onde andei. E confesso que achava um luxo que o cortejo do Bonfim passasse em nossa porta.

Todas as noites, antes de a festa começar, assistíamos ao movimento dos ambulantes, que enchiam de cores e vozes altas a vizinhança. A pista de mão dupla, entre Mares e Roma, ficava estreita, com caixas de cerveja atravancando os passeios, e amigos de infância, em aparições espontâneas, qual simpáticos fantasmas, amigos de infância. Meus pais pareciam felizes desde cedo, devotos, de volta à alegria do mundo.

Bandinhas de sopro faziam a trilha sonora, marchinhas misturavam-se ao som percussivo, agogôs e atabaques, atravessando o ritmo. Roupas brancas improvisando um Réveillon exclusivo, e tão baiano. Água de cheiro no asfalto, carroças ruidosamente enfeitadas, puxadas por animais exaustos, caminhões entulhados de famosos e ricos, trios elétricos com altos falantes à mostra – mal conseguiam dar a volta na colina.

Uma multidão de corpos suados avançava rumo ao sagrado, desde a Conceição da Praia, uma procissão de baianas, equilibrando vasos em seus torços. E a ala dos destemperados. Distribuindo socos e sustos, camisas amarradas na cintura, pareciam lutar contra adversários imaginários, em movimentos de ataque e esquiva. Na parte baixa, mercadores profanos erguiam barracas de festa de largo.

Qual ciganos, transitando pela cidade à medida em evoluía o ciclo das celebrações populares, esses mercadores carregavam suas barracas de madeira, coloridos cacetes armados, cujos nomes decorávamos e esquecíamos a cada encontro amoroso. Aquela bagunça alegre e desmedida, abençoada pelo portentoso hino, organizava para todos o novo ano em versos eneassílabos. Farol e guarda, sentinela avançada, Bahia.