Autor de Torto Arado diz que não está preocupado com expectativas

Itamar Vieira Junior lança Doramar ou a Odisseia, livro que marca seu retorno ao conto

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 9 de junho de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Adenor Gondim / divulgação

Pode até parecer lugar-comum, mas não é nenhum exagero dizer que, com o romance Torto Arado (Todavia), lançado em 2019, o baiano Itamar Vieira Junior, 41 anos, conquistou uma façanha, com três dos mais impritanets prêmio da literatura lusófona: Jabuti, Leya e Oceanos. O resultado foi um dos romances mais lidos no Brasil nos últimos anos, com 165 mil exemplares vendidos até agora.

Torto Arado caiu nas graças também do público: não é raro ver uma personalidade famosa postar uma foto nas redes sociais lendo o livro e o recomendando. Itamar logo foi assunto dos principais cadernos de cultura do país e a chegada ao Roda Viva, programa de entrevistas da TV Cultura, simboliza bem o prestígio que ele tem hoje.

É natural, portanto, que surja uma enorme expectativa sobre seu novo livro, lançado nesta semana, Doramar ou A Odisseia (Todavia/R$ 50/160 págs.). É natural, também, que o autor se sinta pressionado, afinal, agora, as atenções estão voltados para o autor. Mas não é bem assim:

"Essa expectativa não dificulta nem influi na maneira como escrevo. Tento manter a mesma tranquilidade e integridade com que escrevi os outros. E quando escrevia Torto Arado, meu compromisso era com a literatura, um compromisso que não depende de público nem de crítica, mas é um compromisso comigo mesmo e com a escrita", revela o escritor.

Doramar marca o retorno de Itamar ao conto, gênero que marcou o início de sua carreira. O primeiro livro, Dias, foi lançado pela editora baiana Caramurê em 2012. Na nova coletânea, estão 12 histórias, incluindo duas que ainda não haviam sido publicadas. Três contos já haviam lançados em Portugal e outros sete estão sendo reeditados no Brasil.

As novas histórias, Voltar e O Que Queima, são, segundo Itamar, "atravessadas pelo momento político e social que o Brasil tem atravessado nos últimos anos, com esse aprofundamento da crise política, um momento muito obscuro".  

Em O Que Queima, um casal adquire uma que sempre desejou, mas "coisas estranhas passam  acontecer", como diz o escritor. Paralelamente a isso, há a história de um indígena que foge de um incêndio e é o único sobrevivente de sua aldeia. "Essas histórias então se cruzam para dar corpo à narrativa. Embora as histórias aconteçam em lugares distintos, há ali um mesmo tema. Pairam sombras sobre as personagens e o mundo em que elas vivem", revela Itamar.

O outro conto inédito, Voltar, é a história de um homem, José que tenta convencer uma senhora a aceitar a proposta de desapropriação de seu imóvel para a construção de uma hidrelétrica ali, mas ela resiste bravamente.

A escolha dos contos que seriam republicados foi feita por Itamar junto com seu editor, Leandro Sarmatz. Segundo o autor, a coletânea foi guiada por certa unidade entre os temas dos contos. Novamente, o escritor volta-se para grupos de minorias e, muitas vezes, marginalizados pela sociedade, como os indígenas e os ribeirinhos."Todo autor acaba escrevendo sobre ausências. E eu percebia essa ausência. Então, daí surge meu despertar para esses personagens, que não apareciam com frequência em nossa literatura", justifica o autor. "Toni Morrison [escritora americana] dizia: 'Se você procura por um livro e não o achou, então escreva essa história. Essa ideia me guia", acrescenta Itamar.Um outro exemplo de um excluído que se torna protagonista está no conto manto da apresentação - assim mesmo, com as iniciais em letras minúsculas -, inspirado em Arthur Bispo do Rosário, artista plástico que viveu por quase 50 anos numa colônia psiquiátrica. Mas não é só por isso que Itamar decidiu escrever sobre ele: "O problema, na verdade, não estava com ele, mas com a sociedade, incapaz de incompreendê-lo como ser humano", justifica.

Para Itamar, Bispo do Rosário prova que o desejo de criação e de expressão artística não tem barreiras: "Meu interesse é compreender a obra desse grande artista. Mesmo a despeito das grandes privações que passou, ele fez de seu mundo sua arte". O escritor lembra que o artista sergipano descosia as vestes de outros internos e fazia disso, que seria lixo, sua arte.