Azul, rosa e falsos dilemas

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  • Malu Fontes

Publicado em 7 de janeiro de 2019 às 05:40

- Atualizado há um ano

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Os resultados das urnas de outubro de 2018, das quais Jair Bolsonaro saiu eleito presidente da República, não deixam qualquer dúvida de que a sua vitória é legítima e de que ele foi o escolhido pela maioria do eleitorado brasileiro que votou. Recentemente, ouvi de alguém muito sensato uma afirmação óbvia, mas extremamente tradutora da dificuldade que muita gente tem de aceitar o elementar.

“Temer foi uma escolha legítima, e dupla, de Lula. Bolsonaro foi uma escolha legítima do povo brasileiro”. E ponto. O resto é sexo dos anjos e o desenrolar do novelo da recente história política e das transformações eleitorais brasileiras. Mas, sobre o resultados da eleições, uma pergunta que ainda se mantém viva por quem acompanha o comportamento dos eleitos e dos derrotados, as manchetes da grande imprensa e os telecatches das redes sociais: quando vai terminar a campanha eleitoral? 

Pedir dinheiro   A pergunta não é força de expressão. Nesse fim de semana mesmo, o presidente e o candidato derrotado, Fernando Haddad, andaram batendo boca no Twitter. Boa parte dos partidos políticos de oposição a Bolsonaro não compareceu à sua posse e o presidente, referindo-se aos governadores de oposição que não foram à transmissão do cargo, tripudiou do comportamento. Em tom de deboche, falou que o “presidente deles” está em Curitiba [Lula, preso]. E alfinetou: “não venham me pedir dinheiro”. Bem, sobre o “dinheiro” do governo federal, é bom que tanto governistas como oposicionistas lembrem-se de que se trata de dinheiro público. O dinheiro do governo para todos os estados não é de Bolsonaro nem do PSL. Em todos os estados o povo é brasileiro, contribui com impostos independentemente de ter votado em A ou B e não pode ser retaliado por picuinhas. A fala do presidente é só mais uma das inúmeras evidências de que o tom da campanha permanece nas falas dos ex-candidatos e nos dois lados do eleitorado. O tom da campanha ainda está nas ameaças de retaliação, nas provocações, ofensas e até na tal camiseta usada pela primeira-dama.

Durante a semana, a cena do governo federal foi roubada pela nuvem azul e rosa da fala da ministra Damares Alves, sobre a roupa de meninas e meninos no que ela chamou de nova era do Brasil. A ingenuidade, o escarcéu, a paranoia, as teorias conspiratórias e o clima de campanha fora de hora  deram, de novo, o tom da repercussão. Que as redes sociais bombem e causem por conta do rosa e do azul de Damares, ok, é compreensível. É o espírito dos tempos digitais, quando  hashtags substituem qualquer discussão mais profundinha. Quem se importa?  

Crime organizado   Mas peguemos o rosa e o azul da ministra para chegarmos a outros pontos, os falsos dilemas criados por oposicionistas e governistas. É horrível dizer isso, admitir isso. Mas o crime organizado do Ceará, por exemplo, se mostrou muito mais capaz de “enfrentar” o discurso do governo (no caso dos criminosos, a reação quanto às mudanças de medidas no universo carcerário) do que a oposição político-partidária tem conseguido. Oposicionistas reduzem tudo ou a uma suposta tosquice da ministra ou, num outro extremo, a teorias conspiratórias de que o azul e o rosa não passam de cortinas de fumaças propositais lançadas para disfarçar a destruição do país que estaria sendo colocada para funcionar nos bastidores, por Paulo Guedes, o presidente e os militares. De um lado, um primarismo ingênuo segundo o qual vamos todos para a idade média levados pela paleta rosa e azul de Damares. Do outro, uma viagem exagerada segundo a qual enquanto os supostos idiotas se preocupam com a ministra, os Bolsonaros estão destruindo o país escondidinhos embaixo das mesas do Planalto.

Do lado do próprio governo, duas teses tão estapafúrdias quanto e mais falsas que notas de 15 reais avançam. A de que essa gestão vai acabar com os anos de socialismo no país e com a égide do politicamente correto. Em que fase de sua história o Brasil foi socialista? Onde estávamos todos que não temos vestígios de memórias desses tempos? E o que significa o fim do politicamente correto decretado por um governo? Estamos todos esperando a definição governamental, constitucional e institucional de politicamente correto, desse tipo destrutível por um ato de fala do presidente. 

Ah, e do lado da oposição, ainda fortalece-se a cada dia a lenda política da destruição do estado laico pelo governo atual. Todo mundo perdeu a memória? Na Constituição o estado é laico, não tem religião, mas mesmo nos 14 anos petistas quem aí não viu em tudo o que era instituição pública as imagens de Cristo crucificado nas paredes e as dúzias e dúzias de santos da devoção e do agrado do gestor de cada ministério, secretaria, autarquia, órgão?  Tanto a laicidade brasileira quanto a sua destruição, na prática são premissas dessas que nunca pegaram. Nesse país o que não falta é gente, inclusive com altos cargos políticos, que se diz católica, mas não falta por nada às cerimônias nos terreiros, tem um líder espírita como referência para cuidar das coisas do além e quando a coisa aperta faz um reiki ou algo das coisas do oriente, para não terminar o texto sem citar “Alucinação”, de Belchior.