'Baba do vinho' com travestidos é costume profano e divertido da Sexta-feira Santa

Em diversas comunidades de Salvador, feriado religioso tem partidas de futebol amador com homens vestidos de mulher e muita bebida

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  • Da Redação

Publicado em 14 de abril de 2017 às 16:12

- Atualizado há um ano

Com roupas da mãe, da irmã, da tia, atletas entram em 'campo' na Avenida Maria Dusá, Engenho Velho de Brotas (Foto: Almiro Lopes/CORREIO)Momento de reflexão para a maioria dos cristãos sobre o julgamento, crucificação e morte de Jesus Cristo, a Sexta-feira da Paixão também reserva momentos de descontração em muitas comunidades de Salvador. Da tradição religiosa, apenas o vinho é incorporado a outro costume, que nada tem a ver com a motivação do feriado. É o 'baba do vinho', que reúne atletas amadores, de todas as idades, vestidos de mulher.

O hábito não requer muita preparação: basta pegar a roupa da irmã, da mãe ou da companheira para se juntar com os amigos, bater uma bolinha e botar o papo em dia. Na Avenida Maria Dusá, no Engenho Velho de Brotas, essa brincadeira (profana para muitos) é passada de geração em geração.

E começa cedo! Neste ano, muitos travestidos já estavam "montados" às 6h30. E quem chegava primeiro já dava início ao baba e às resenhas, risadas e gozações pelos trajes desajeitados.

“É um hábito que vinha desde os mais velhos que seguimos fazendo. A gente pega as roupas da mãe, tia ou irmã e vem jogar bola logo cedo”, diz um dos organizadores do Baba do Vinho, o segurança, Rogério Silva Pinho, 27 anos.

A galera se diverte resenhando sobre os trajes escolhidos pelos amigos: é cada peça!(Foto: Almiro Lopes/CORREIO)Tapete pretoA avenida pouco movimentada fica próxima ao Dique do Tororó e é cercada de casas. Tapete verde do gramado ou piso marrom da terra batida? Que nada! A bola rola é no asfalto mesmo. Em meio aos carros estacionados, onde se monta uma trave e onde a bola rola pelos cantos. Uma caixa de isopor com vinho e outras bebidas é a testemunha dos lances.

Enquanto o tempo corre, os passes da bola são dados por homens que vestem blusas decotadas, vestidos coloridos e até meia arrastão. A gozação é onipresente. “Toda Sexta-feira Santa tem gente que se veste de mulher e tem uns que resolvem ficar o ano inteiro”, brinca o líder comunitário, André Teles, 43.

Antiguidade é postoO baba é dividido por grupos. Primeiro jogam os mais velhos, em seguida os mais jovens e, por fim, as crianças. Mas a divisão não é formal. Quem participa são moradores de bairros vizinhos, como Brotas e Federação. Habilidade com a bola não é um requisito levado à risca.

No grupo, o sentimento é de orgulho pelos amigos e pela comunidade. “A união da galera é uma das coisas que mais gosto. Lembro de um momento que marcou, que foi quando um amigo nosso do baba faleceu [em 2014], vítima de tentativa de assalto, e nós, naquele ano, jogamos e fizemos uma camisa em homenagem a ele”, relembra o promotor, Ramon Valente, 31.

Das janelas e porta das casas, os vizinhos acompanham tudo em meio ao som. A comunidade colabora e não deixa que os carros atrapalhem a quadra improvisada. Quem já não joga também observa o movimento. “É empolgante assistir e estar com a galera, mesmo com esse tempo de chuva”, diz o morador Roque Ferreira, 54. Ele lembra que, quando jogava, reunia moradores e cada um trazia um prato e almoçavam juntos no feriado religioso.

Um dos jogadores que venceu o baba neste ano, o estudante Lucas Santos, 17, descreve o futebol amador. “É uma brincadeira gostosa e, sendo campeão, é melhor ainda”. Antes de fazer parte do time dos mais jovens, jogava com as crianças. No time dos pequenos, joga o estreante e também estudante, João Guilherme, 13. “É a primeira vez que jogo. Antes, só ficava olhando. Não sei jogar futebol, então, olho o que os meninos fazem e tento fazer também”, revela.

No final das partidas amadoras, os rapazes se juntam e permanecem em grupo com mais resenhas e bebidas. Ali também já organizam o futebol amador de outros encontros para que a tradição não morra. “Os mais velhos vão deixando de jogar, enquanto os mais novos começam a se juntar e assim vão chegando as novas gerações”, relata Valente.