Babalorixá critica descaso da polícia em invasão e roubo a terreiro

Ilê Axé Oludumare, em Camaçari, foi invadido por seis homens armados no sábado (12)

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  • Da Redação

Publicado em 15 de janeiro de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Almiro Lopes

A invasão e agressão a membros do Terreiro Ilê Axé Oludumare, no sábado (12), não sai da cabeça de quem frequenta o local, que fica na localidade de Barra do Pojuca, em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. É difícil esquecer o momento em que seis homens, sendo dois deles armados, agrediram pessoas que estavam incorporadas por orixás - um momento sagrado para quem segue o Candomblé. Dois suspeitos foram identificados pela polícia nesta segunda-feira (14).

O babalorixá do terreiro, Rychelmy Imbirida, ainda está abalado com o que viu. “Eles colocaram as armas nas cabeças dos orixás. Para nós, é um momento sagrado, quando as pessoas estão incorporadas. Quando vi aquilo, um deles balançando o orixá, fiquei apavorado”, relata.Além do trauma emocional, houve as marcas físicas. O babalorixá, agredido com uma coronhada no rosto, precisou de atendimento médico e levou pontos no rosto. Até o fechamento desta reportagem, ele não havia sido submetido a nenhum exame de corpo de delito, o que, para ele, indica um descaso. 

“Quando foram à delegacia, os integrantes do terreiro relataram a intolerância religiosa, os xingamentos, a violência contra os orixás no momento de incorporação, mas os policiais só queriam saber do que foi roubado, só a questão material”, explica o babalorixá.

Na segunda-feira (14), inclusive, o babalorixá Rychelmy Imbirida e outros religiosos estiveram na Secretaria de Promoção de Igualdade Racial (Sepromi), que está à frente da Rede de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa do Estado, que vai apurar o caso. Ele também foi à Delegacia de Monte Gordo para acrescentar à ocorrência policial a intolerância religiosa sofrida pelos membros do terreiro.

Para a coordenadora do Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, Nairobi Aguiar, o episódio não pode ser enquadrado apenas como um assalto. Até porque, os bandidos gritaram palavras de ódio ao Candomblé durante a ação. Algumas das frases foram: “Vamos bater nesses macumbeiros”; “Vocês nem deveriam praticar essa macumba aqui”; “Isso não existe, manda ele (orixá) parar”. 

Nairobi Aguiar relata ainda que as mais de 150 pessoas que estavam no Terreiro Ilê Axé Ojisé Olodumare, no momento da ação dos bandidos, também sofreram com descaso na delegacia, no momento do registro da ocorrência.“Eles só estavam preocupados com os bens materiais e sequer registraram o crime como intolerância”, diz.Ainda de acordo com a coordenadora do órgão vinculado à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), este é o motivo de haver tanta subnotificação de casos de ataque às religiões de matrizes africanas e contra o povo de santo. “É importante sempre fazer o registro, independente do tipo e da intensidade do crime”, opina.“Esse episódio, além de assalto, foi uma violação a toda uma crença, a um patrimônio que é ancestral. Um terreiro de candomblé precisa ser respeitado da mesma forma que respeitam uma igreja católica, espírita ou qualquer outra. Criaram uma imagem de que terreiro é uma coisa do demônio”, destaca Nairobi.Professor, antropólogo e babalorixá de outro terreiro, o Axeloyá, Júlio Braga concorda com Nairobi em relação à prática histórica de atrocidade, desrespeito e maculação permanente aos ataques e crimes cometidos contra o povo de santo. “É importante uma mudança nessa visão, no país, para que se enxergue o Candomblé, de uma vez por todas, como uma cultura nacional”, avalia.

A Sepromi já está atuando diante do ataque ao Terreiro Ilê Axé Ojisé Olodumare, segundo a coordenadora do Centro Nelson Mandela. “A secretária Fábya Reis está cuidando disso e as investigações estão em curso. Já está tudo encaminhado e com o devido acompanhamento”, explica.

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) afirmou que, quando o inquérito policial chegar à entidade, o caso será distribuído para promotores da cidade de Camaçari. O MP-BA também afirmou que nenhuma denúncia sobre o caso foi registrada e que o que aconteceu foi um caso criminoso.   Terreiro foi invadido por seis bandidos (Foto: Almiro Lopes) Vulnerabilidade Presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB Bahia, Maíra Vida, informou que a autarquia também vai fazer o acompanhamento, administrativo e jurídico, de todas as vítimas de intolerância religiosa envolvendo o Terreiro Ilê Axé Ojisé Olodumare. 

Ela ressalta ainda que existe, na Bahia, uma deficiência no cuidado com a tipificação da intolerância religiosa. “Existe uma lacuna a respeito do trato policial e na investigação destes crimes. No Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia, criado em 2014, há a previsão de criação de delegacias especializadas, mas isso não aconteceu. Isso deixa o povo negro e toda a identidade cultural, patrimonial e histórica sempre à margem", pontua.

De acordo com a Sepromi, entre 2017 e 2018 houve um aumento de 124% nos crimes de intolerância religiosa cometidos no estado. Já na série histórica dos últimos seis anos, esse crescimento chegou a 2.250%. Segundo Maíra Vida, a OAB Bahia vai atuar ao lado da Sepromi no acompanhamento administrativo e jurídico do ataque ao Ilê Axé Ojisé Olodumare.

O medo é também tema levantado por Iraildes Andrade. coordenadora geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e Ekedi da Casa de Oxumarê. Ela acredita que, se esse tipo de crime não for receber a devida atenção, os terreiros terão que investir em segurança particular.“Temos que ter cuidado e chegar neste ponto, de ter que contratar seguranças, é muito triste. Os terreiros precisam se unir, como sempre foi feito. A violência contra a nossa religião não é de hoje e tempos difíceis estão por vir”, lamentou.Assim como ela, o babalorixá Rychelmy Imbiriba da Casa do Mensageiro, também teme o futuro. “Na década de 30, o candomblé era proibido. Os meus ancestrais resistiram e, assim como eles, nós faremos”, disse. Alguns membros do terreiro usaram área verde para fugir dos bandidos (Foto: Almiro Lopes) 'Dói como um tiro no peito", diz Babalorixá O babalorixá Júlio Braga, além de falar sobre a constante intolerância religiosa, falou sobre o impacto de um ataque desses a quem é membro de um terreiro. "Dói como um tiro no peito tamanha a dor e falta de respeito com o Candomblé", lamenta.Para ele, quanto maior a visibilidade das religiões de matrizes africanas, maior também é a raiva das pessoas. ““A intolerância com a religião sempre existiu na Bahia. É historicamente marcada por processos como assalto e invasão ao terreiro. Quando há um fenômeno de elevação de importância da religião, há fomento da raiva cotidiana da sociedade”, avalia.

Ainda segundo o babalorixá, o estado também tem uma parcela de culpa na intolerância religiosa, já que "sempre cultivou uma política voltada contra as religiões de matrizes africanas". Para ele, por ser patrimônio cultural, o Candomblé merece mais respeito e atenção das autoridades.“A culpa é do estado, desde sempre. Quando os negros foram libertos, não houve nenhuma política de inserção deles na sociedade. Isso tem reflexos até hoje, seja no racismo ou na intolerância religiosa”, conclui.A Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) informou que apenas a Polícia Civil se manifestaria sobre a acusação de descaso, o que não aconteceu até esta publicação.

* Sob supervisão da subeditora Fernanda Varela.