Baco Exu do Blues realiza profecia em álbum de estreia

Simbologia do orixá Exu inspira aguardado álbum do rapper baiano, lançado há uma semana

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  • Da Redação

Publicado em 12 de setembro de 2017 às 09:44

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mavi Morais/Divulgação

Baco Exu do Blues. Quem ouve esse nome pela primeira vez deve se perguntar o que é que une um deus grego a um orixá africano e que relação eles têm com o gênero musical criado no final do século XIX pelos negros americanos, descendentes de escravos. Quem responde  é o rapper soteropolitano Diogo Moncorvo, 21 anos, cujo nome artístico é exatamente esse: Baco Exu do Blues. “Gostava de blues e sempre me interessei por mitologia, por história. Baco é o deus do vinho, da loucura. Já Exu é o orixá que abre caminhos. Sempre soube que não era o demônio, como as pessoas diziam, mas não tinha dimensão exata do que representava”, recorda, ao enfatizar que hoje o nome faz muito mais sentido que antes.

Esse significado se torna ainda mais explícito quando se escuta Esú, o álbum de estreia do rapper, lançado  semana passada.Batalha Baco define o disco como “uma batalha épica entre a divindade e a humanidade”, na qual ele quis “entender a força do humano e a fraqueza da divindade e, ao mesmo tempo, trocar esses papéis”.  Os sons de Esú, que ele classifica como o “disco do ano”, são uma resposta às pressões e glórias vividas por Baco desde que largou os estudos na adolescência para estudar o rap. De lá para cá, se envolveu em algumas “tretas”, projetou seu nome na cena do rap nacional, fez amigos e desafetos, e se viu em meio a uma depressão. O tom iconoclasta e polêmico da obra é anunciado desde a capa, na qual um homem negro ergue os braços aos céus em frente à Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, uma das mais importantes da capital baiana. Acima dele, o nome Jesus tem a primeira e a última letras riscadas com um “x” e a palavra dá origem a Esú. O trabalho é assinado por David Campbell (foto), Eric Mello (edição) e Gabriel Sicuro (tipografia).

“Eu costumo dizer que acredito em tudo porque eu tenho muito medo de acreditar em uma coisa só e não ser nada. Vejo verdades em todas as religiões. E esses pontos de verdade acabam se encontrando”, explica. 

Dono de uma escrita pesada, ele segue dizendo verdades que dizem respeito a suas vivências. Mas não é só nas letras que ele imprime muitas de suas referências, que passam pela literatura dos chamados poetas malditos Charles Bukowski (1920-1994) e Arthur Rimbaud (1854-1891) e também do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001) - uma das faixas se chama Capitães da Areia. Na sonoridade estão os batuques do maracatu, solos de guitarra baiana, cânticos em iorubá e os atabaques do candomblé. Em transição O disco pode ser encarado como uma grande narrativa, que sintetiza a saga de um personagem em transição, que passa por diversas provações e tem na contradição sua essência.

“Sinto que o mundo tem medo de mim/ Metade homem, metade Deus e os dois sentem medo de mim”, diz o refrão da faixa-título, a quinta do álbum, que traz um total de dez músicas. Nela, há também um sample de Mistério do Planeta, dos Novos Baianos - para Baco, “um dos melhores grupos musicais do Brasil e, quiçá, mundial”.

O fato de Esú estar no meio do álbum também importa, já que o disco ganha um sentido todo especial se escutado na íntegra e na ordem. No YouTube, é possível ainda acompanhar as letras através das legendas, e cada faixa se relaciona fortemente a uma fotografia de Mario Cravo Neto (1947- 2009). 

Aliás, todo o conceito do disco surgiu a partir de um livro do fotógrafo baiano, presente que ele ganhou da mãe para decorar a casa. “Eu sou muito de folhear as coisas e criei todo o conceito em cima daquelas fotografias, antes mesmo de ver o título”, lembra o rapper. 

Para Baco, seu desafio sempre foi fazer uma obra completa.“Esse álbum é só resposta. Fiz querendo acertar. As coisas na vida acontecem muito ao léu. Eu sinto a necessidade de marcar, de mudar as coisas. Inovar por inovar é legal pro ego, mas mudar pra dar novos caminhos, proporcionar uma nova abertura, é bem mais prazeroso”, defende.

Sulicídio Com forte tom autobiográfico, o disco vem um ano após o rapper soteropolitano se fazer conhecido no cenário nacional por conta da música Sulicídio, em parceria com o pernambucano Diomedes Chinaski. A música, cujo vídeo teve mais de seis milhões de visualizações no YouTube, coloca o dedo na ferida da centralização do movimento hip-hop no eixo Rio-São Paulo e chama atenção para o bom rap que vem sendo produzido em todo o Nordeste. “Pode soar como prepotência, mas Sulicídio foi importante não só pro rap, mas pra música brasileira - por quebrar preconceitos de que a gente é burro, preguiçoso, que que aqui não tem água. Todos os passos que dou criam um debate e alguém aprende com esse debate. Demorou um ano para as pessoas perceberem o que a gente dizia. E não tem como a gente ser acusado de xenófobo”, diz ao rebater parte das acusações que sofreu por conta da polêmica. (Foto: Victor Carvalho) Reconhecimento Apesar de ter nascido em Salvador e ter vivido aqui boa parte da vida, Baco se define como um “moleque do interior”, por ter vivido até os 6  anos em Alagoinhas. Foi ainda na infância que ele, filho de professora de literatura, começou a ter contato com o rap, depois de ganhar um disco de Gabriel, O Pensador.

“Salvador tem uma geração antiga de rappers muito forte, mas porque estamos esquecidos no cenário nacional? Era preciso dar uma chacoalhada. Quando citei os MCs em Sulicídio, eu não queria brigar com ninguém, mas queria atingir o público. Pra você alcançar essas pessoas, você tem de atingir a divindade. O público é cego”, provoca.

Foi ao público também que ele direcionou o clipe do Interlúdio En Tu Mira, faixa que também integra o álbum, e na qual ele relata de forma angustiante um suicídio. “Baco cadê o ano lírico?/ E o CD do ano?/ Eles tão me cobrando/ Eu tô trabalhando”, afirma, sobre a pressão que vinha sofrendo nesse um ano após o lançamento de Sulicídio.

Mas é esse mesmo público que agora consagra o rapper, que se diz muito grato com a repercussão do disco. “ Quando você pega a pessoa pelo sentimento, ela vai ouvir no momento de angústia, de tristeza, de alegria. A questão de entender a obra por completo vai vir daqui a um mês,  não tem como digerir tão rápido. Vamos começar a turnê em setembro. Vai começar fora, para depois conseguir trazer para Salvador, e mostrar que tem como acontecer aqui”, manda o recado.