Baiana nota 1.000 na redação do Enem não gostava de escrever

Leia a íntegra do texto de aluna da Ufba que levou nota máxima no último exame

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  • Da Redação

Publicado em 8 de agosto de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Uma das duas únicas candidatas da Bahia a receber nota máxima na Redação do Enem 2017 – nota 1.000, brocância absoluta –, Mariana Camelier, 18 anos, não gostava de colocar suas ideias no papel. Mais que isso: sempre teve dificuldade em redação na época da escola. “Eram minhas piores médias no ensino fundamental. Só comecei a gostar mais no 2º e 3º ano (do ensino médio)”, revela a jovem, que divide a proeza na Bahia com a estudante Bruna Moura, 18, ambas de Salvador. Em todo o país, apenas 53 redações levaram nota 1.000 na última edição do exame.  Mariana Camelier, candidata nota 1.000 em Redação no Enem 2017, foi aprovada em Medicina na Ufba (Foto: Divulgação) Filha de dentistas, foi com unhas e, claro, dentes que Mariana conseguiu adquirir e aperfeiçoar as habilidades necessárias para 'fechar' a prova de redação e abrir caminho para uma das concorridas vagas de Medicina na Universidade Federal da Bahia (Ufba), onde concluiu recentemente o primeiro semestre.

“Eu estudava todo dia de tarde até umas 21h, e fazia curso de redação fora da escola, para o qual eu escrevia duas redações por semana. Dedicava umas 4h por semana para redação”, calcula Mariana, que entrega um dos macetes usados na hora do exame: fazer um brainstorming (tempestade de ideias), antes de começar a redigir o texto. A partir daí, levou mais ou menos 1h20 para organizar e concluir sua obra prima.

A primazia no texto veio, entre outras coisas, com leituras de revistas e sites de notícia, além dos simulados, que ajudaram a controlar o estresse na hora do vamo-ver.“Nunca tinha lido nem treinado [para escrever sobre o tema proposto]. Tive que fazer tudo na hora. Foi bem estressante, até, mas eu já estava acostumada ao estresse, por causa dos simulados que fazia na escola e em casa”, comenta. Das 53 pessoas que alcançaram a nota máxima no ano passado, 40 eram mulheres. A outra ala foi representada por apenas 13 moços. Para Mariana, o resultado não surpreende, e demonstra uma reação da mulherada ao machismo. “Eu acho que, no geral, as mulheres se dedicam mais ao estudo que os homens, por isso o resultado melhor. Isso por causa da cultura machista, na qual as meninas precisam se esforçar muito mais pra provar que são boas”, diagnostica a futura médica.

Mas, afinal, qual a receita para ser primeiro lugar na redação do Enem? “Não pode nunca tangenciar, fugir do tema. Tem que focar e relacionar bem os argumentos a ele, caso contrário, perde-se muito ponto”. Segue a líder. 

Leia o texto nota 1.000 de Mariana Camelier no Enem 2017, que teve como tema "Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil":

Na antiga Esparta, crianças com deficiência eram assassinadas, pois não poderiam ser guerreiras, profissão mais valorizada na época. Na contemporaneidade, tal barbárie não ocorre mais, porém há grandes dificuldades para garantir aos deficientes – em especial os surdos – o acesso à educação, devido ao preconceito ainda existente na sociedade e à falta de atenção do Estado à questão.

Inicialmente, um entrave é a mentalidade retrógrada de parte da população, que age como se os deficientes auditivos fossem incapazes para estudar e, posteriormente, exercer uma profissão. De fato, tal atitude se relaciona ao conceito de banalidade do mal, trazido pela socióloga Hannah Arendt: quando uma atitude opressiva ocorre constantemente, as pessoas param de vê-la como errada. Um exemplo disso é a discriminação contra os surdos nas escolas e faculdades – seja por olhares maldosos ou pela falta de recursos para garantir seu aprendizado. Nessa situação, o medo do preconceito, que pode ser praticado mesmo pelos educadores, possivelmente leva à desistência do estudo, mantendo o deficiente à margem dos seus direitos – fato que é tão grave e excludente quanto os homicídios praticados em Esparta, apenas mais dissimulado.

Outro desafio enfrentado pelos portadores de deficiência auditiva é a inobservância estatal, uma vez que o governo nem sempre cobra das instituições de ensino a existência de aulas especializadas para esse grupo – ministradas em Libras – além da avaliação do português escrito como segunda língua. De acordo com Habermas, incluir não é só trazer para perto, mas também respeitar e crescer junto com o outro. A frase do filósofo alemão mostra que, enquanto o Estado e a escola não garantirem direitos iguais na educação dos surdos – com respeito por parte dos professores e colegas – tal minoria ainda estará sofrendo práticas discriminatórias.

Destarte, para que as pessoas com deficiência na audição consigam o acesso pleno ao sistema educacional, é preciso que o Ministério da Educação, em parceria com as instituições de ensino, promova cursos de Libras para os professores, por meio de oficinas de especialização à noite – horário livre para a maioria dos profissionais – de maneira a garantir que as escolas e universidades possam ter turmas para surdos, facilitando o acesso desse grupo ao estudo. Em adição, o Estado deve divulgar propagandas institucionais ratificando a importância do respeito aos deficientes auditivos, com postagens nas redes sociais, para que a discriminação dessa minoria seja reduzida, levando à maior inclusão.