Baianos comemoram a dádiva de um coração novo

Números divergem na fila para transplante cardíaco no estado

  • Foto do(a) author(a) Raquel Saraiva
  • Raquel Saraiva

Publicado em 3 de março de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Evandro Veiga/CORREIO

Cosme Bispo, 40 anos, foi o único paciente a fazer transplante de coração no Hospital Ana Nery desde 2015 e até hoje faz acompanhamento no local. Duas vezes na semana, ele vem a Salvador em um carro disponibilizado pela prefeitura de Candeias para a reabilitação. “A cada três meses faço exames e consultas”, conta o aposentado.

Segundo o Ministério da Saúde, o paciente transplantado retorna sua vida da forma mais normal possível após o procedimento. No entanto, a luta de quem espera por um transplante não acaba quando a pessoa recebe um coração. Além do cuidado com o uso dos medicamentos que evitam a rejeição do órgão, o paciente ainda deve controlar a doença que levou ao transplante e evitar o aparecimento de outros problemas.

“Até 80% dos pacientes desenvolvem hipertensão pós-transplante e 40% desenvolve diabetes por causa do uso de imunossupressores. O acompanhamento tem que ser rigorosíssimo, e a equipe do pré e do pós operatório tem que ter muito cuidado e treinamento”, diz o médico André Durães.  Além disso, metade dos pacientes morre antes de completar dez anos com o coração transplantado. “No Brasil, a sobrevida dos pacientes gira em torno de 70 a 80% em cinco anos e de 50% em 10 anos”, enumera o especialista.

No Brasil, as doenças mais comuns que levam o paciente a precisar de um transplante de coração é a miocardiopatia isquêmica, que é secundária ao infarto; obstrução das artérias coronárias, valvulopatia, febre reumática e a Doença de Chagas. 

“Eu me sinto ótimo, porque antes eu não podia nem andar nem respirar por causa da Doença de Chagas. Agora respiro direito e subo ladeira de leve, sempre caminho”, diz Cosme Bispo. 

A professora Reinildes Santos Abreu, 53 anos, transplantada em dezembro de 2013, no Messejanas, em Fortaleza (CE), diz que se sente abençoada, mas reconhece as dificuldades dos transplantados. “A gente corre atrás para viver e depois para sobreviver”, resume. Hoje, ela trabalha, faz caminhadas e exercícios na academia e dança muito forró. “Adoro uma festa”. No entanto, por muito tempo não tinha fôlego nem para se manter em pé. “Levei mais de três anos sentada por causa dos problemas cardíacos. Tive três infartos, quatro AVCs, trombose que quase me fez perder a perna e desde dezembro de 2013 vivo com o coração de um rapaz de 43 anos”, revela.

Fila de espera

De acordo com o Ministério da Saúde, a opção pelo transplante é feita pela equipe médica quando esse é o melhor recurso para o quadro clínico do paciente. O MS contabilizou, em fevereiro de 2018, 261 pessoas na fila para transplante cardíaco no Brasil. Na Bahia, enquanto a Central Estadual de Doação de Órgãos contabiliza 15 pacientes aguardando um coração, médicos cardiologistas sugerem que até 40 pacientes novos esperam todo o mês pelo órgão no estado.

A Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) e o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) não têm um número oficial da fila de transplante cardíaco na Bahia porque os pacientes do estado não estão sendo cadastrados na espera do Centro Nacional de Transplantes (CNT). 

“O transplante cardíaco impacta muito na mortalidade. Há subnotificação, porque se o paciente entra na fila e não transplanta em uma semana, ele vem a óbito, depende da evolução da doença dele. Muitos pacientes nem têm oportunidade de ter considerada a possibilidade de realizar um transplante, por causa da cultura de considerar o paciente terminal e ele morre nas UTIs e emergências dos hospitais”, acrescenta Rita de Cássia Pedrosa, coordenadora da Central Estadual de Doação de Órgãos.

Avaliação caso a caso

“Como o hospital ainda não está com o programa perfeitamente funcionando por causa da falta de recursos, nesse momento não temos nenhum paciente listado. A gente avalia os pacientes e discutimos caso a caso”, explica o diretor do Hospital Ana Nery, o médico Luiz Carlos Passos. 

De acordo com ele, os pacientes recebem acompanhamento no hospital, assim como os medicamentos imunossupressores (que evitam a rejeição do órgão). “Existe um credenciamento no hospital para fazer transplantes e esse credenciamento está funcionando. No hospital é realizada avaliação prévia e pós transplante com nossos pacientes que fizeram transplante aqui ou fora do estado. Continua tudo funcionando”, afirma o diretor. 

Atualmente, 19 pacientes que já foram transplantados são acompanhados no hospital. O atendimento semanal é realizado às terças-feiras à tarde. “Nós atendemos normalmente cinco pacientes de retorno e cinco pacientes novos por semana”, explica Luiz Carlos Passos. 

Ainda segundo Rita de Cássia Pedrosa, os transplantes cardíacos no Hospital Ana Nery foram suspensos após a saída do médico André Durães, que era o coordenador da equipe responsável pelo procedimento. “No ano passado, o médico André Durães saiu da equipe. E não é qualquer pessoa que pode ocupar o posto. Agora, conseguimos reestruturar a equipe e o atendimento deve ser retomado no início deste ano”, afirma Rita de Cássia. 

A informação, no entanto, foi negada pelo diretor do Ana Nery. Mesmo após a saída do HAN, André Durães continua acompanhando os pacientes que foram transplantados ou que aguardam um coração na fila.

“Hoje a gente faz ambulatório de insuficiência cardíaca no Roberto Santos, que é a doença que leva à necessidade de transplante. Quando necessário, contatamos colegas de outros estados e mandamos esses pacientes para transplantar. Eu continuo dando suporte aos transplantados, fazendo o acompanhamento em paralelo ao Hospital Ana Nery, que estava com muita dificuldade”, ressalta Durães.