Baladas épicas: histórias de boates que marcaram época em Salvador

Le Zodiaque, Hippopotamus, Maria Fumaça e Bual’Amour dão saudades até hoje

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  • Giuliana Mancini

Publicado em 28 de junho de 2018 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo Correio

Imagine uma balada, em Salvador, na qual o combo Anabela + short não seja o suficiente para entrar. A dupla camisa polo e sapatênis também não tinha vez. Calça jeans? Nem pensar. Não passava nem pela porta.Siga o Bazar nas redes sociais e saiba das novidades de gastronomia, turismo, moda, beleza, decoração e pets: O look mais comum, para elas, era um vestido bem elegante e salto alto. Para eles, blusa, calça e sapato social. Muitas vezes até terno e gravata. Os figurinos das baladas antigas: diferente das boates atuais (Foto: Shutterstock/Reprodução) Figurino aprovado, era possível entrar, sentar e jantar. Sim, em vez de todo mundo ficar em pé dançando o tempo todo, antigamente dava para sentar à vontade. E não tinha nada a ver com funks infames.

A comida podia ser servida de noite ou na madrugada do dia seguinte. No som, nada de David Guetta, Alok ou Hardwell. Era Michael Jackson, Madonna e até Frank Sinatra. Capa de um LP de Sinatra: trilha sonora (Foto: Reprodução) Já deu para ter uma noção do cenário do qual estamos falando? Não, não é um casamento. Muito menos uma festa do Oscar - apesar de, ocasionalmente, ter a presença de alguns artistas, incluindo internacionais, como o ator francês Alain Delon. 

Assim funcionavam as boates mais concorridas de Salvador há cerca de 40 anos, entre o fim da década de 70 e meados de 80. Alain Delon veio para Salvador (Foto: Reprodução) “Elas eram um glamour só. Cheias de charme, chiques... Foi uma época áurea”, diz Carminha Brito, gerente social da Le Zodiaque (as funções eram parecidas com as de uma relações-públicas). O clube ficava no hotel Le Méridien, no mesmo prédio onde funcionou o Pestana, no Rio Vermelho. 

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A história do local, porém, começou um pouco antes, com o Regine’s. Ele pertencia à belga Régine Choukroun, também dona de clubes noturnos em São Paulo, Rio de Janeiro,  Paris e Nova York. Cheia de amigos internacionais, a europeia foi a responsável pela vinda de Alain Delon. Régine comandava uma boate no Le Méridien (Foto: Reprodução/Revista Manchete) Só pra sócios O Regine’s era um clube privê, e, para entrar, era preciso ter uma carteirinha de sócio ou ser amigo de um. Os títulos podiam ser comprados, de maneira parecida com a que funciona no Yacht Clube da Bahia ainda hoje.

Assim era também na Hippopotamus, sua grande concorrente, que ficava no Bahia Othon Palace. A rivalidade das duas casas era tão grande que acontecia aqui, no Rio, em São Paulo e até em Paris. E tanto Régine quanto Ricardo Amaral, dono da Hippo, como era conhecida a casa, eram conhecidos como Rainha e Rei da Noite no Brasil. A Hippopotamus  ficava no Bahia Othon Palace (Foto: Arquivo Correio) Mas, ainda que rivais, tinham suas similaridades. Por exemplo, na música. “Toquei em ambas. Elas eram tão concorridas que chegavam a ter fila na porta”, lembra o DJ Nenga.

“Rolava muitas músicas internacionais, de artistas e bandas como Tears for Fears, A-ha, Madonna... Eram todas novas, lançamentos. E não tinha nada de pagode, como hoje. No máximo, entre as canções nacionais,  Legião Urbana, Kid Abelha”.  A-ha era uma das bandas que faziam sucesso nos anos 80 (Foto: Reprodução) Banda dentro do espaço? Esqueça! “O DJ e seu som eram o foco. A presença de grupos musicais só acontecia em casas noturnas, não em boates”, fala Nenga.

Marcos Sacramento também era DJ nessa época e tocou nos clubes. “Lembro de uma vez, há 40 anos, na Hippopotamus. O gerente era argentino e estávamos em plena Copa do Mundo de 1978. Ele queria me expulsar por torcer pelo Brasil! Mas, como eu fui escolhido por Ricardo Amaral, ele não conseguiu me tirar de lá. E acabou que a Argentina ganhou...”, recorda. Ricardo Amaral (de óculos), na unidade baiana de sua boate (Foto: Arquivo Ricardo Amaral/Divulgação) Tanto Marcos quanto Nenga também tocaram na Le Zodiaque, como foi batizada a boate do Le Méridien, após a Regine’s fechar. 

Mas não pense que, por mudar de donos, o espaço ficou menos bombado: continuava concorridíssimo. Aí, entra em cena Carminha, a gerente social de lá.

“As pessoas iam para se divertir, para ouvir música boa... Sinatra, por exemplo, estava em alta na época. Éramos tão atuais que eu cheguei a ir em uma boate de Nova York e eles tocavam as mesmas coisas que a gente, com o mesmo estilo que Carlinhos Muriçoca, nosso DJ, fazia”.  As canções de Michael Jackson eram hit (Foto: Reprodução) Outros points Não só de Regine’s/Le Zodiaque e Hippopotamus vivia a noite de Salvador nos anos 70 e 80. Na Barra, tinha outro lugar famoso: Maria Fumaça.

“Era a que eu mais gostava. Eu tinha 18, 19 anos e o programa da galera era ir para lá. Às vezes, tinha um limite de pessoas e só deixavam entrar casais. Então, a paquera já começava na fila. A gente formava casais falsos para entrar na Maria Fumaça e, muitas vezes, a queixada continuava lá dentro”, diz o analista de sistemas Manoel Antônio Costa, 57.

“Até hoje, quando ouço a música Souvenirs (sucesso do grupo Voyage), me imagino lá”. Souvenirs fazia parte do LP Fly Away, da banda Voyage (Foto: Reprodução) Um pouco mais longe, na Praia dos Corsários, na Av. Otávio Mangabeira, estava a Bual’Amour. “Essa era chique como Le Zodiaque e Hipoppotamus, mas era diferente, pois não funcionava como um clube privado - qualquer pessoa podia entrar. Ainda assim, todo mundo se produzia para ir”, lembra o arquiteto Antonio Pringsheim, 65. Bual’Amour funcionava na Av. Otávio Mangabeira (Foto: Arquivo Correio) Um pouco depois, surgiram a Close-Up, também na Barra, e a Champanhe, no Salvador Praia Hotel.

“Eu ia muito de penetra em festas de 15 anos na Champanhe. Eu e uns amigos fizemos amizade com o porteiro de lá e, na hora da aniversariante dançar a valsa, por volta de meia-noite, a gente entrava na festa. O lugar marcou minha adolescência”, fala o consultor de vendas de caminhões Yan Sales, 41.

Independente de qual delas o soteropolitano escolhesse, uma coisa era certa: a diversão estava garantida. “Às vezes, faltava pista para tanta gente querendo dançar. Em algumas das boates, era servida uma comida quente no fim do expediente, já de manhã, para nos expulsar”, ri Pringsheim.