Banalidades de um mundo cão

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Publicado em 10 de agosto de 2019 às 04:50

- Atualizado há um ano

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As imagens falam por si. O homem corre para o interior da loja de conveniência de um posto de gasolina na rua Djalma Dutra, região das Sete Portas, seguido por cinco pessoas que haviam lhe espancado minutos antes. Em seguida, a vítima aparece andando cambaleante e ensanguentado, até cair, já sem vida, cerca de dez metros depois, por causa de facadas no peito desferidas por um dos que, assim como ele, é morador de rua. Tudo filmado e acompanhado feito espetáculo pelos transeuntes.

No mesmo dia, em movimentada academia de ginástica da Vila Laura, um homem encontra coincidentemente uma mulher à qual já conhecia e, após rápida discussão, inicia a grave sessão de pancadaria contra ela, com chutes e socos no tórax e cabeça . Agia sem qualquer preocupação com a presença de alunos e instrutores ou ainda blindado ao tamanho da brutalidade pessoal empregada sobre alguém incapaz de se defender ou escapar do ataque.

Apesar da diferença entre as narrativas, os dois crimes evidenciam aquilo que as ciências humanas e criminais classificam como banalização da violência. É possível ver, dia após dias, casos como esses replicados no noticiário, redes sociais e aplicativos de troca de mensagens. Parte deles com direito a filmagem feita pelo próprio criminoso e disseminada por milhões de cidadãos que tratam o materiais dessa ordem como se fossem trailler de filme.

A brutalidade como elemento trivial do cotidiano talvez ajude a explicar números alarmantes de homicídios nas cidades brasileiras, sobretudo as que são situadas no Norte e Nordeste. De acordo com o novo Atlas da Violência nos Municípios, divulgado esta semana e elaborado em parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as duas regiões concentram 18 das 20 cidades mais sangrentas do país. 

Cinco delas estão na Bahia - Simões  Filho, Porto Seguro, Lauro de Freitas, Camaçari e Eunápolis, respectivamente. Em relação às capitais, Salvador ocupa a quinta posição, apontam os dados da pesquisa, que têm 2017 como ano de referência. Mas a realidade está longe de ser um problema localizado. O novo atlas registra uma constante evolução da taxa média de homicídios no Brasil, em comparação com dez anos atrás. Em 2007, o percentual era de aproximadamente 30%. Hoje está acima dos 40%.

Mesmo que se atribua o crescimento da violência à falta de políticas efetivas de combate à criminalidade, as altas taxas de assassinatos, especialmente, nos estados marcados por profundas desigualdades sociais, será impossível conter tais índices enquanto a sociedade, como provam episódios cada vez mais recorrentes, parece se regozijar com o sangue que escorre diariamente nas cidades, às vistas de olhos e lentes. Em muitos casos, os algozes recebem a paradoxal reverência de cidadãos insensíveis ao impacto da bandidagem ou do mal trivializado em larga escala.

É óbvio que não se deve minimizar a política de policiamento ostensivo como instrumento capaz de mudar o quadro de violência crescente. Menos ainda prescindir de um aparato judicial que seja eficiente em seu caráter punitivo. Cidades que conseguiram reverter números estratosféricos de criminalidade - como Nova York, Londres, Barcelona e Bogotá - só tiveram sucesso devido a ações sérias dos órgãos de segurança. Mas seria bastante difícil que conseguissem tais resultados se a própria sociedade curtisse e compartilhasse a morte do outro de modo tão banal quanto repassar um meme cômico.