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Celebrando um ano de formação, musicistas exaltam contribuição das mulheres negras na arte
Da Redação
Publicado em 22 de novembro de 2019 às 05:50
- Atualizado há um ano
Criada há um ano em Salvador, a banda Panteras Negras se anuncia como "a primeira banda instrumental do mundo formada só por mulheres negras". Mais que a necessidade de garantir o pioneirismo, a afirmação é uma provocação. Afinal, quantas bandas instrumentais formadas só por mulheres negras você conhece?
Foi a pergunta que Zinha, uma das integrantes e idealizadoras da banda, se fez. Por não encontrar respostas, decidiu ela mesmo mudar a realidade.
"Não conseguia ter um espelho. Via mulheres negras tocando instrumentos como baixo, bateria, mas elas não tinham nenhuma iniciativa conjunta. Fui lembrando de Line Santana (bateria), Dedê Fatuma (percussão) e Suyá Nascimento (guitarra), pessoas que transitavam nos eventos, que eu encontrava aqui e acolá. Olhei ao redor e vi que só tinhamos nós, e algo precisava ser feito", recorda.
O pontapé inicial foi dado durante um festival na Casa Preta, em novembro do ano passado, quando convidaram diversas artistas negras para se apresentar no local. Uma delas, a nigeriana Okwei Odili, que também marca presença no show que elas fazem nesta sexta-feira (22), no Pátio do Goethe-Institut, no Corredor da Vitória. A apresentação integra o projeto Toca!, que tem dado destaque a artistas da cena alternativa local e nacional, e ainda conta com a participação de Luedji Luna. Luedji Luna e Okwei Odili são as convidadas do show (Fotos: Divulgação) "Luedji é como se fosse a madrinha da banda, por ser nossa amiga íntima. No primeiro ano de banda, queríamos bater esse parabéns com ela, para que ela derrame esse axé sobre nós. Ela que é correria como a gente, constrói a mesma linguagem, tem a mesma leitura das coisas. Já Odili, abriu caminho para gente lá atrás, e quisemos retribuir isso. É uma mulher negra nigeriana, e bebemos muito musicalmente de África. Ela tem muito a nos ensinar, e é sempre um prazer. A gente que ganha", comentam Zinha e Dedê.
Na contramão daqueles que acham que a realização de uma turnê internacional é a consagração do trabalho de um artista, elas pensam diferente: o auge terá sido conquistado quando a banda conseguir fazer uma turnê por bairros periféricos de Salvador. T
odas as integrantes são moradores de locais como Engenho Velho de Brotas, Liberdade, Barris, Pirajá e Periperi. "A gente quer estar onde a gente nunca saiu", dizem, ao lembrar da apresentação feita na semana passada em Cajazeiras, durante o Festival Literário Nacional (Flin).“A gente consegue acessar o público trazendo nossas indignações. Nosso tambor é pedagógico.” (Dêdê Fatuma, percussionista)Por isso, lembram que o ocupar um palco em um dos metros quadrados mais caros da cidade - "um espaço que está no centro, onde transitam corpos brancos e negros, mas estes último geralmente trabalhando em funções subalternas" - é também um ato político. "Nessas ocasiões, marcamos que aquele ali também é nosso espaço e fazemos do palco a resistência, a militância. Nossa música é sobre isso, porque nossos passos vêm de longe, e com eles levamos muita gente", destacam.
Tanto assim, que não tiveram dúvidas sobre qual seria o nome da banda; Panteras Negras é uma alusão ao movimento político norte-americano dos anos 60. "Surgiu para fazer essa alusão, mas transpondo isso para a área musical. Estamos fazendo política dentro da música, através da música. Quantas horas as mulheres conseguem dedicar a isso tirando as horas que está cuidando dos outros, da casa, desviando das balas do bairro?", questiona Dedê Fatuma, que além de acompanhar artistas como Preta Gil, Majur e Larissa Luz na percussão, ainda atua como assistente social.
"Tem gente que pergunta como é que a gente consegue estar no palco fazendo música. Eu sempre digo que a gente só aguenta porque faz isso. A gente tem que encontrar um motivo, um respiro, nesse turbilhão", complementa, ao comparar os encontros do grupo aos "babas dos meninos".
Assim como ela, todas integrantes do grupo se dedicam a outras atividades que não só a música - uma delas, inclusive, foi morar nos EUA nesse intervalo. "Nossa construção musical acontece muito à distância, mas quando estamos juntas tentamos ao máximo extrair tudo que a gente pensa", explica Zinha.
E as Panteras Negras estão cheias de plano. Em fevereiro, marcam presença no projeto Concha Negra, ao lado da banda Didá, e também no ano que vem devem lançar um EP, cujo carro-chefe é a música Nzinga, que inclusive concorre ao Festival de Música da Educadora.“Nosso repertório (os nomes das musicas) é todo pautado em mulheres que fizeram e fazem história no Brasil e no mundo.” (Zinha Franco , baixista e produtora musical)"Nzinga lutou contra a exploração e o sequestro do seu povo, a história de Nzinga é referência política para nós, mulheres negras no Brasil. Criamos nossas canções inspiradas por mulheres negras que fizeram/fazem história na luta contra opressão e exploração do povo negro", complementam.
A canção vem para rememorar a história da Rainha de Matamba e Ndongo no Norte de Angola. Nzinga nasce em 1582, morre em 1663 e vive na luta das mulheres negras, essa composição é símbolo de resistência, a Rainha Nzinga enfrentou durante quatro décadas o projeto colonial escravocrata de Portugal.
Outras músicas da banda são Akotirene, Larissa Luz, Luedji Luna, Maria Bonita. "O que nos leva a nomear cada música com um nome, e não outro, é o sentimento, o afeto, o amor. O racismo é tão perverso, o machismo é tão perverso, que faz com que as mulheres não se olhem, disputem, e isso não vem da gente, vem do externo", dizem.
Na sonoridade, influências do afoxé, do samba-reggae e da música afro-cubana. Apesar de instrumental, a fala também é inserida no contexto musical proposto, seja em intervenções poéticas (muitas delas comandadas por Dedê Fatuma) ou através de coros.
Serviço: Pátio do Goethe-Institut (Corredor da Vitória). Hoje, às 20h (portões abertos às 18h30). Ingressos:R$ 50 | R$ 25 (terceiro lote). 20% de deconto com Clube Correio. Ingressos: Haus Kaffee e site do Sympla.