Banho de Mar a Fantasia reúne foliões em pré-Carnaval na Preguiça

Com humor, fantasias unem diversão e protesto

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  • Gabriel Moura

Publicado em 16 de fevereiro de 2020 às 16:24

- Atualizado há um ano

. Crédito: Gabriel Moura/CORREIO

Quem disse que borboleta não sabe nadar? Acostumada com os céus, a espécie passou, na fantasia da estudante Alice Neiva, 21, por uma quarta etapa de sua metamorfose e, após ser lagarta e casulo, transformou-se em um animal aquático que, de asa e tudo, deu um mergulho no ‘Banho de Mar da Preguiça’, uma das mais tradicionais festas do pré-carnaval de Salvador.

Seguindo o exemplo de Alice, outros milhares de foliões devidamente fantasiados lotaram a Praia da Preguiça, no Comércio, neste domingo, 16, para o banho de mar à fantasia. “Essa festa é maravilhosa. Após beber, curtir e dançar, a gente se refresca nessas águas deliciosas”, elogia.

A ideia da fantasia contraditória de Alice (colocando um animal voador para nadar) foi seguida por outros foliões. Teve Super-Homem, Anjo e (sa)fadas. Mas a maioria preferiu respeitar a mãe natureza e colocar cada bicho em seu quadrado. É o caso da pedagoga Priscila, 20, que foi de piranha (tanto o peixe, quanto o adjetivo).

“Carnaval é para isso mesmo, meu amor. Caiu na rede é peixe e, se der mole, as piranhas vão para cima. Não sobra nada”, defende ela, que foi em cardume ao lado das amigas igualmente empolgadas com o lado profano da celebração.

Aliás, as fantasias e plaquinhas da galera eram uma verdadeira arma na hora do “frete”. Com o barulho, calor e multidão, o diálogo fica difícil e o traje cumpre o papel na hora da paquera. O DJ Jean Cândido, 20, inclusive não quis deixar margem para a dúvida e colocou uma mensagem bem direta: “deixa eu pintar com seu pinto?”.

“Vim aqui para colocar meu pincel para jogo. Felizmente, até o look tem dado muito (com ênfase) resultado, viu? Se na hora do banho de mar Iemanjá não pegar, eu pego”, alerta ele, que, honrando a cidade sede do babado, foi fantasiado de Salvador Dali.

'O Brasil me obriga a beber'

Apesar de difundida e popular, a volúpia não era o único elemento presente nas fantasias. Teve quem optou por homenagear o governo federal na hora de tomar um banho de (Da)mares. Antenada aos discursos do executivo nacional, a doméstica Maria do Socorro, 32, foi do jeito sugerido pelo ministro da Economia Paulo Guedes.

“Já que não posso mais ir para a Disney, vim parar aqui no Carnaval de Salvador. E olha, vou falar a você, não é que o homem lá tinha razão no conselho? Aqui tá bem mais divertido e tem até Mickey (disse, apontando para um rapaz fantasiado igual ao personagem)”, celebrou ela, que estava usando uma plaquinha com os dizeres “sem a Disney, me sobrou Salvador”.

Enquanto isso o estudante João Gabriel Mota, 19, preferiu fazer um ‘crossover’ ambicioso. Juntando o melhor dos dois mundos, ele inovou no look “MBLGBT” (união de MBL com LGBT), que consistiu em uma camisa da seleção brasileira, brincos de faixas verde e amarela e (muito) glitter.

“Eu não sou nem 13 nem 17, estou no meio do caminho. Sou um 15.  O objetivo do figurino foi trazer o patriotismo de forma irreverente. Brincar com os símbolos da bandeira e trazer o questionamento de qual Brasil queremos pro futuro", afirmou.  Irreverência marcou as fantasias e cartazes dos foliões (Foto: Gabriel Moura/CORREIO) Ato de protesto

O teor militante da festa não estava presente apenas nas fantasias do povo, mas na própria vocação do evento, que existe há quase 100 anos, mas que recentemente passou por um ‘hiato’, sendo retomada em 2013 com o propósito de mostrar a realidade vivida na ladeira eternizada pela música de Gilberto Gil.

"Não é um evento pelo evento, é a oportunidade de dar evidência às nossas lutas, de denunciar a gentrificação que nossa comunidade e o Centro Histórico de Salvador de modo geral têm sofrido", explica Marcelo Teles, coordenador do Centro Cultural Que Ladeira é Essa!, um dos grupos promotores da festa ao lado do Coletivo de Entidades Negras.

"Retomamos na festa a perspectiva de colocar na ordem do dia o processo de violência que a comunidade da Ladeira da Preguiça estava vivenciando: o processo de gentrificação, de abandono, de insegurança e violência policial, de deterioração das casas, algumas das quais chegaram a desabar", completa Marcelo, ao lembrar que não houve mudança no modo como a festa acontecia desde meados do século XX.

Além do banho de mar, da cerveja e das fantasias, quem foi à Ladeira/Praia da Preguiça curtiu diversas atrações como a cantora Larissa Luz, o soundystem do Ministereo Público, o afoxé feminino Filhas de Gandhy, o rapper Xarope MC, o grupo cultural de juventude Batekoo, as bandas de samba Vai Kem Ké e Assim Que Se Faz, o bloco afro Ilê Aiyê, os Mascarados de Maragogipe e a Fanfarra da Preguiça, que ditaram a trilha sonora da curtição.

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*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro