Banksy: tudo o que quer e pode o grafiteiro mais famoso do mundo

O artista de rua inglês ganha uma exposição global inédita e reativa a discussão entre apropriação cultural e mercado de arte

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  • Hagamenon Brito

Publicado em 24 de outubro de 2018 às 06:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Banksy, cuja identidade real é desconhecida, numa entrevista para um documentário: um artista revolucionário (Reprodução)

Quando o mundo artístico de metade do planeta parece adormecido ou à espera de que uma megastar da música como Beyoncé lance um álbum de surpresa, Banksy provoca um despertar violento e prova que a sua genial street art também tem o poder midiático de uma estrela pop global. Balloon with Girl (2002) mostra uma menina que perde o balão em formato de coração. No dia 5 deste mês, uma reprodução da obra de arte se autodestruiu após ser vendida num leilão da Sotheby’s, em Londres, por R$ 6,8 milhões  (Reprodução) Girl with Balloon, do famoso artista britânico de rua  cuja identidade permanece desconhecida, foi leiloada pela Sotheby’s, em Londres, por 1,4 milhão de libras (cerca de R$ 6,8 milhões) no último dia 5.

Assim que o martelo selou a venda, a obra (uma reprodução do painel criado num muro de Londres, em 2002) autodestruiu-se através de uma trituradora de papel habilmente escondida na moldura. Uma segunda obra dentro da obra, já explicada por Banksy, que assistia a tudo na sala.

Horas depois da pegadinha, Banksy postou um vídeo no Instagram explicando como tudo foi planejado. E citou uma frase de Pablo Picasso (1881-1973) para ilustrar a subversão: “A urgência em destruir é também uma urgência criativa”.

Inédito na história, o feito deixou o mundo da arte pasmo - e não só ele. Banksy foi a principal tendência mundial do Twitter por horas, gerou muitos memes (como a Constituição dos EUA sendo triturada), inspirou anúncios publicitários e ainda não saiu do foco do noticiário. O momento da histórica autodestruição da reprodução de Balloon with Girl na casa de leilão Sotheby's, em Londres (Divulgação) As opiniões dividem-se sobre a participação da Sotheby’s no acontecimento. Há quem defenda que seria impossível a importantíssima casa de leilões não ter encontrado o dispositivo que destruiu o quadro ao verificar a autenticidade da obra, adicionando, assim, a questão do marketing à operação.   O Amor Está no Lixo -  Sob que pretexto? Para o politizado e mordaz Banksy, seria uma tomada de posição contra a institucionalização da arte e da contracultura, em particular. Para a Sotheby’s, a colaboração em um ato de grande repercussão midiática e uma maneira audaz e performatica de valorizar ainda mais a obra.

Afinal, o quadro - eleito a obra de arte favorita da Inglaterra, em 2017 - foi apenas parcialmente triturado, pois o dispositivo falhou no meio da operação e a parte superior ficou intacta.

“Difícil acreditar que isso aconteceu por acaso. É uma nova e mais valiosa obra de arte, um documento único de um momento emocionante na história da arte contemporânea”, afirma Bence Nanay, professor de Filosofia na Universidade da Antuérpia, na Bélgica.

E não deu outra. A Sotheby’s emitiu um comunicado para confirmar que a compradora (uma colecionadora europeia) decidiu concluir a transação pelo mesmo valor que havia sido acordado antes de a peça ser cortada pela fragmentadora.

Ela declarou que o eco da surpresa gerada a nível mundial fez crescer ainda mais o valor do trabalho que, entretanto, ganhou um novo título: Love Is in The Bin (O Amor Está no Lixo), certificado pela Pest Control, órgão de autenticação da Banksy.

“Quando o martelo caiu  e o trabalho foi triturado, fiquei chocada, a princípio, mas gradualmente comecei a perceber que acabaria com a minha própria história da arte. Ele criou outra obra de arte”, disse. 

Artista publicitário - Diretor das galerias de arte Blandler, John Brandler disse à BBC que “quanto mais publicidade uma obra de arte recebe, mais tende a valorizar-se” e descreveu Banksy, que tem presumivelmente 44 anos, como o “perfeito artista publicitário”, capaz do truque “absolutamente brilhante”.

Por enquanto, predominam as teorias, mas o fato é que Banksy voltou a ser capaz de agitar o circuito da arte contemporânea, numa ação que reativa o debate da apropriação da cultura de rua por parte das galerias e outras instituições clássicas.

O que aconteceu no dia 5 de outubro é o inverso do que ele fez há cinco anos no Central Park, em Nova York, quando vendeu obras avaliadas em milhares de euros a US$ 60 cada.

O que há em comum entre as duas manifestações é uma reação não apenas à institucionalização da arte, como uma rejeição do luxo e da mercantilização. Tudo a ver com as palavras do próprio Banksy no livro Guerra e Spray, editado no Brasil pela Intrínseca em 2012.

“Eu vou falar o que penso, então isso não vai ser nada demorado. Ao contrário do que dizem por aí, o grafite não é a mais baixa forma de arte. Embora seja necessário se esgueirar pela noite e mentir para a mãe, grafitar é, na verdade, uma das mais honestas formas de arte disponíveis. Não existe elitismo ou badalação, o grafite fica exposto nos melhores muros e paredes que a cidade tem a oferecer e ninguém fica de fora por causa do preço do ingresso. Um muro sempre foi o melhor lugar para divulgar seu trabalho. As pessoas que mandam nas cidades não entendem o grafite, porque acham que nada tem o direito de existir se não gerar lucro, o que torna a opinião delas desprezível”.

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MÚSICO DA BANDA MASSIVE ATTACK SERIA BANKSY? O músico Robert Del Naja, do Massive Attack, e uma pintura de Banksy: semelhança física (Reprodução) O inusitado leilão de Balloon with Girl reacendeu a curiosidade sobre a identidade de Banksy. É quase unânime que se trata de alguém oriundo do subúrbio de Bristol, na Inglaterra, cidade que criou o viajante gênero eletrônico trip hop na década de 1990 e gerou as cultuadas bandas Massive Attack e Portishead.

A tese ganhou mais força, o ano passado, quando numa entrevista, acidentalmente, o DJ e produtor Goldie afirmou que o nome de Banksy é Robert - e Robert Del Naja é o nome do líder do Massive Attack, amigo de Goldie desde os anos 1980, quando os dois grafitavam as paredes de Bristol.

Responsável pelos desenhos que ilustram os álbuns de sua banda, Robert Del Naja negou ser Banksy, mas um mapa feito por um jornal londrino traçou uma geografia similar entre o grafiteiro e 3D (como Naja também é conhecido). Todas as cidades onde Banksy deixara sua marca nos muros tinham sido visitadas pelo Massive Attack em turnês.

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MAIS 7 OBRAS CLÁSSICAS DO ARTISTA 1. Soldier Throwing Flowers - Banksy esteve na Palestina algumas vezes e em todas elas deixou trabalhos espalhados pelos muros. Este é um clássico. 2.  Mona Lisa Bazooka - Nas mãos de Banksy, a icônica Mona Lisa de Leonardo da Vinci empunha um lançador de foguetes. Apareceu pela primeira vez num muro no Soho, em Londres. 3. Napalm Girl - A célebre foto da garota Kim Phuc fugindo de um bombardeio americano na Guerra do Vietnã, agora de mãos dadas a Mickey e Ronald Mc Donalds, numa crítica ao capitalismo.

4. Kissing Coopers -  Pintada numa parede de Brighton, na Inglaterra, mostra dois policiais que se beijam sem constrangimento.  5. Steve Jobs - Pintado em Calais, na França, onde está situado um campo de refugiados, lembra  que Steve Jobs (Apple) era filho de  um imigrante sírio. 6.  Stop and Search - Pintado em 2007, em Bethlehem, Palestina, retrata uma inversão de papéis: é a menina que encosta o soldado ao muro e o revista.  7. Napoleon - Apareceu em um muro de Paris, França, em junho de 2018, numa crítica à crise dos refugiados na Europa.

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ASSISTA O VÍDEO EM QUE BANKSY MOSTRA COMO PLANEJOU A AÇÃO NA SOTHEBY'S

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CONHEÇA MAIS SOBRE O ARTISTA

1. Saving Banksy - Disponível no catálogo da Netflix, o documentário de 2017 mostra obras de Banksy e discute apropriação cultural.

2. Guerra e Spray - Livro da ed. Intrínseca (2012/R$ 69,90/240 páginas) expõe trabalhos e alguns dos pensamentos de Banksy nas palavras do próprio artista.