Barra agora é barril?

Welter Arduini*

  • D
  • Da Redação

Publicado em 5 de outubro de 2017 às 17:52

- Atualizado há um ano

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Noite dessas - numa das mesas do restaurante Poró -, discutíamos qual a mais linda das praias urbanas que conhecemos mundo afora. No Rio, elegemos o Arpoador como imbatível e aqui, sem titubear, cravamos o Porto da Barra. Éramos quatro, três moradores e uma (recente) ex-moradora de Salvador. Se o bairro não tem um Copacabana Palace para emprestar seu charme - a nós, moradores -, temos o mais magnífico dos faróis encravado de forma exibida e imponente como nosso cartão de visitas. Mas tudo fica diferente quando você se embrenha pelas arborizadas, floridas, tortas e estreitas ruas bairro adentro... infelizmente.

A Barra é singular dentro desse planeta Salvador, começando pela grande maioria de moradores: é habitado majoritariamente por uma turma mais experiente, por assim dizer. Muito recentemente, pela manhã e/ou final de tarde, essa turma se juntava para saber do que aconteceu de diferente no seu condomínio, na novela, na rua, o que estava mais ou menos caro nas barracas de frutas que povoam o bairro; reclamar de como o trânsito estava ficando insuportável aos morcegos que davam rasantes, os micos que ficam cada vez mais ousados... se discutia o cotidiano. Sem medo ou preocupações maiores. 

Não é de hoje (isso vem de uns 2 anos), não raro, senhores de cabelos brancos (ou horrorosa e quimicamente disfarçados por um tubo de tinta Acaju Nº 5) com sua bermudas folgadas e camisas de manga curta (essas de abotoar e com aquele bolso único, na altura do peito), e as produzidas senhorinhas (na sua maioria, sempre acompanhadas por alguma jovem de ‘farda’ azul bebê), se reúnem e só falam da violência que tomou de (literalmente) assalto o bairro. 

Morador jovem morto na porta de casa, vizinha que tem seu carro levado na saída da garagem, adolescentes que têm seus celulares arrancados de forma violenta de suas mãos, apartamento arrombado... tudo isso se incorporou ao dia a dia e à rotina da Barra de forma inesperada e muito rápida.

Grades e cercas estão cada vez ganhando mais altura –como se fossem trepadeiras de arame farpado e se eletrificando –, e câmeras de vigilância, que antes era motivo apenas de desejo fútil e pauta de reuniões de condomínios. “Temos que colocar, iguais aquelas que instalaram no de Genilda!” A Barra está mudada.

Se na sexta-feira passada, a tentativa de arrancar a bolsa de uma das moradoras foi apenas um grande susto, a réplica soteropolitana de um embate à la Rocinha, hoje pela manhã, apavorou tudo e todos. O confronto entre ladrões e polícia, tiroteio pesado nos moldes “Sabiá/Rubinho” x “Jeiza e Cia”, carros crivados de bala, correria, gente assustada, e tudo isso terminando com morte de um dos assaltantes e o outro sendo levado para o HGE, furado como uma peneira.

Durante os próximos dias, ou até que outra cena de novela – só que real e na calçada de nossas casas –aconteça, esse vai ser o assunto das rodas dos moradores. A Barra não pode se tornar barril.

*Welter Arduini é morador da Barra e gerente de Mercado Leitor & Logística do CORREIO