Bate-papo na Flipelô revela fatos inéditos sobre a vida de Jorge Amado

Biógrafa de Jorge Amado, Joselia Aguiar fala sobre relações extraconjugais, brigas com amigos e outros segredos do escritor baiano

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 11 de agosto de 2017 às 20:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Relações extraconjugais, brigas com amigos, entre outros fatos inéditos sobre a vida de Jorge Amado (1912-2001) e Zélia Gattai (1916-2008) devem ser tornados públicos entre o final deste ano e o início do ano que vem. É que a biografia do escritor, feita pela jornalista baiana Joselia Aguiar, deve finalmente se concretizar após seis anos de trabalho. Cerca de 70 pessoas, que participaram da Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô) nesta sexta-feira (11), puderam ter um gostinho do que vai ser a obra.

"Estava terminando de escrever, quando uma moça entrou em contato comigo no Facebok e disse que a avó dela foi namorada de Jorge Amado, em 1929. Tive que parar tudo o que estava fazendo para correr atrás disso", contou Joselia, em bate-papo, no Museu Eugenio Teixeira Leal. "Descobri que ele foi ao Rio de Janeiro por amor. Ele queria casar com essa moça e não ser escritor lá. Acabou que não deu certo e ele ficou por lá para fazer Direito. Mas ele gostava da Bahia e estava bem aqui. Várias coisas descobri pelas cartas", acrescentou, na conversa sobre biografias que transportou fãs e admiradores do casal para um universo paralelo. Foi como se Jorge e Zélia estivessem vivos revelando os seus segredos mais profundos. Mediado pelo escritor Aleilton Fonseca, o bate-papo gratuito teve ainda a escritora italiana Antonella Rita Roscilli, autora de um livro sobre Zélia. Joselia Aguiar foi uma das atrações da Flipelô nesta sexta-feira (11) (Foto: Arrison Marinho/CORREIO) Na ocasião, Joselia revelou que uma das partes mais difíceis do seu trabalho foi relacionar pessoas e amigos do escritor com os personagens dos seu livros. "Dindinha [do terceiro romance dele, Suor (1934)] é - com certeza - essa namorada. Algumas páginas do livro dizem isso claramente isso. Quando fiz as relações, escrevi para a moça dizendo que a personagem era a avó dela", revela. Segundo ela, conforme o tempo passa fica mais difícil de fazer as relações em sua obra. "Depois de um tempo, ele começa a misturar as características das pessoas com a ficção. Então, não me parece que eram realmente pessoas reais", pontua.

Tão difícil quanto entender os personagens, foi descobrir como devesenvolveram-se as relações de Jorge com as pessoas. "Demorei cerca de três anos para entender com quem ele se deu bem, com quem teve desavenças... Porque tinha que analisar reportagens, depois apareciam cartas, etc". Foi assim com o romancista e poeta Lúcio Cardoso. "Em 1937, Cardoso fez uma declaração dizendo que Jorge Amado era a pior coisa que tinha acontecido nos últimos tempos. Em 1950, entretanto, ele cita Amado como um dos melhores escritores da última década, o que mostra que eles fizeram as pazes", comenta.  

De acordo com Antonella, essas relações - não reveladas em textos ou documentos - são bastante complicadas de se enxergar. "Não dá só pra pesquisar na internet, no Google. É um trabalho de muita pesquisa. São documentos, textos, gravações, cartas, fotos, além de pessoas, as fontes - com seus depoimentos - tendo a história como plano de fundo. A partir daí, lidamos com comparações. É preciso ter um distanciamento para poder escrever", afirma. Antonella Rita Roscilli, autora de um livro sobre Zélia, falou sobre seu estilo de escrita (Foto: Arrison Marinho/CORREIO) Tanto é que as fontes de pesquisa que Joselia mais usou foram as cartas e revista de época. "Quatro pessoas me falaram que estavam no dia que Eulália [mãe do escritor] reclamou com ele sobre ter se tornado comunista. Mas, na verdade, muito do que as pessoas sabem é porque leram e não porque estavam lá", ressalta a jornalista. 

Memórias x Biografias Segundo Fonseca, diferente das memórias, que geralmente vêm carregadas de parcialidade, as biografias têm um distanciamento do narrador. "Nas memórias, o baú se abre para contar as boas lembranças. O biografista é um exímio pesquisador, que mergulha atrás de cartas, reportagens, depoimentos, tudo para tentar retratar os fatos da melhor forma, levando em consideração diversos pontos de vista", destaca. 

Também por isso que a filha do casal, Paloma Amado, recusou quando a mãe pediu para ela fazer a biografia de Jorge. "Quando papai morreu, ela me disse que eu tinha que escrever a biografia dele. Eu disse pra ela que jamais faria isso, porque iria ser extremamente parcial. 'Uma biografia tem que ter tudo, inclusive as outras namoradas que ele teve', disse a ela. Ela me falou que eu poderia escolher o que contar, mas não é bem assim. É que a mamãe não escreveu sobre tudo; ela tinha muito pudor sobre certos temas". comentou Paloma, que marcou presença no encontro. Para Antonella, inclusive, um dos principais legados de Zélia é essa forma dela enxergar o mundo. "A sua obra tem uma força e uma esperança. Ela sempre buscava o melhor lado das coisas", lembra. Paloma Amado marcou presença no encontro (Foto: Arrison Marinho/CORREIO) Público variado A ligação com as obras de Jorge e Zélia levou pessoas de todas as idades ao bate-papo. "Li quase todos os livros dos dois. Mas os meus preferidos são os que ele fala de Ilhéus, em que relata com fidelidade como a cidade foi do auge à decadência em tão pouco tempo", conta a psicóloga Regina Prado, 65 anos. Paulista, ela mora na Bahia há 20 anos e veio para o estado pela primeira vez para conhecer melhor a obra dos escritores. 

Formada em tradução, a italiana Elena Manzato, 27, diz que sua trajetória acadêmica foi guiada pelos livros de Jorge Amado e conta que mudou-se para o Brasil também por isso. "Um dos primeiros livros que eu li foi o de Tereza Batista, que é a minha personagem preferida. Ela é muito forte e traduz o que é a força feminina", diz. Ela faz mestrado e estuda cultura e literatura brasileira.