Bater um baba

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  • Gabriel Galo

Publicado em 14 de janeiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

Nesta semana a bola volta a rolar, abrindo os trabalhos em 2019. Pois neste que é meu primeiro artigo deste ano, peço licença ao usual e cedo (lá elíssimo) o espaço a uma crônica escrita por meu pai, paulista radicado e erradicado na Bahia, nos idos de janeiro de 2013. Dizia ele, grande incentivador para que eu enveredasse pelo caminho das letras, que um de seus sonhos era ser publicado na imprensa baiana. Esta crônica merecia, decerto. Pronto, painho: taí.

Por Paulo Galo (in memoriam)

Incutido é bicho que sofre, diria um velho amigo, nascido em Uauá, sertão da Bahia.

Passei os últimos dias tentando encontrar uma pista, uma raizinha etimológica que fosse para explicar-me a origem histórica da expressão baianíssima “bater um baba”, que equivale a jogar bola, para os que não tiveram a sorte de crescer na Bahia. Liguei para alguns amigos, Paulo Leandro inclusive, e nada, um mistério.

Aí surgiu uma pista, de um paraibano aperfeiçoado na Bahia, Eduardo Braz, que atracado a um valente caranguejo, ontem à tardinha, afirmou que isso tinha a ver com a “baba” que produziam as antigas bolas de couro, quando molhadas. Menino danado, esse Dudu.

Cheguei em casa e ordenei a busca aos robôs do Google, que me trouxeram, por exemplo, a entrevista de um antigo goleiro do Atlético Paranaense, o Altevir, em que ele falava das bolas de couro de seu tempo, que ficavam lisas (gosmentas mesmo, parecendo baba de quiabo) e pesadas com a chuva que elas absorviam. Bingo, a primeira parte do mistério caíra por terra.

Restava, porém, entender o porquê dessa solução linguística para designar uma simples brincadeira esportiva, essencialmente informal. Essa parte foi menos espinhosa, mas certamente mais divertida.

Na terra onde a dissimulação revestiu-se como estratégia necessária de sobrevivência, os baianos desenvolveram fórmulas incríveis, também do ponto de vista linguístico, para afirmar coisas com sentido diverso do aparente. A capoeira – com seus golpes tramados na manha, na dissimulação – e o “sincretismo” católico-iorubá, são dois dos muitos exemplos do que se valeu a cultura negra para resistir ao massacre de que foi vítima.

Enquanto os cariocas e paulistas chamavam os amigos, em priscas eras, para “bater uma pelada”, os baianos juntavam a turma para “bater um baba”. Ou seja, enquanto a expressão sudestina alude a um atributo da bola (“pelada”), a versão baiana trata de um atributo do atributo (a “gosma” da “pelada”). Nada de ir direto ao ponto, pois.

Esse é um dos traços que fazem dos baianos, ainda hoje, a mais perfeita expressão do olhar oblíquo, insuspeitado e absurdamente criativo dos brasileiros. Formado de capas e mais capas, desafia a obviedade e ri da objetividade.

Compreender os baianos, notadamente os do recôncavo, é buscar os reflexos, os signos disfarçados, a coisa dentro da coisa, o sentido real nas roupas do visível.

Aqui se bate um baba porque jogar futebol até europeu sabe fazer.Gabriel Galo é filho de Paulo Galo, de quem herdou, dentre o tanto que não se pede ou se mede, o gosto pelas palavras e a insensata sina de ser rubro-negro.

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