Boca de Brasa, olhos abertos

Atenção à produção artística para além do centro de Salvador

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  • Do Estúdio

Publicado em 26 de maio de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto de Adeloyá Magnoni/divulgação

Salvador está associada a uma imagem de intensa produção artística, capaz de lançar, para além da cidade, nomes importantes nas mais diversas manifestações que compõem a identidade nacional. Promover o fazer artístico nas mais diversas regiões da capital é a ideia por trás do Programa Boca de Brasa. Criado em 1986, o projeto visa fomentar a cultura também na periferia, com foco na promoção da cidadania, através do incentivo às manifestações artísticas dos diversos bairros.

O nome é uma homenagem ao poeta baiano Gregório de Mattos, que ficou conhecido como Boca de Brasa ou Boca do Inferno pelas críticas com a sociedade e políticos no Século XVII. O projeto no início era composto por um caminhão-palco que percorria as comunidades de Salvador, com apresentações artísticas produzidas nessas localidades, além de levar para essas áreas artistas consagrados.

Depois de um tempo sem atividades, foi retomado em 2013, quando o diretor teatral Fernando Guerreiro assumiu a presidência da Fundação Gregório de Mattos. A partir de então, além do caminhão-palco, mais estruturado, a FGM criou oficinas para a população. Até 2016 foram realizadas 21 edições do Boca de Brasa, com público de 42 mil pessoas, 120 oficinas e 2.300 agentes culturais atendidos em 20 bairros.    Em 2017, o programa ganhou nova página com o edital Espaços Culturais Boca de Brasa, que concede aporte financeiro a propostas voltadas à ampliação das atividades artísticos-culturais desenvolvidas em instituições culturais já existentes. Foi o caso do Programa Avançar, no Bairro da Paz. Mantido pela Santa Casa da Bahia, a iniciativa oferece cursos profissionalizantes e de incentivo à cultura e cidadania para os moradores da região. 

Coordenadora de projetos comunitários da Santa Casa da Bahia, Martha Potiguar vê a contemplação no edital como uma forma de fortalecer o vínculo com a comunidade e intercâmbio com outros espaços. “Fizemos apresentações de teatro e dança, mostras de grafite e pintura em tela em espaços como o Teatro Sesi, no Rio Vermelho, e no próprio Teatro Gregório de Mattos. A comunidade levou a história do Bairro da Paz e pôde sair dos limites do bairro, eles foram para além dos muros”, conta. 

Para 2019, o Boca de Brasa já lançou o edital e as inscrições seguem abertas até 26 de junho através do site www.bocadebrasa.salvador.ba.gov.br. A ideia é contemplar até quatro propostas culturais estruturantes que objetivem o aprimoramento, a potencialização, a ampliação e a sustentabilidade de atividades desenvolvidas em espaços culturais situados há pelo menos seis meses, e com notória atuação em uma das regiões administrativas de Salvador.

As propostas devem ser apresentadas exclusivamente por instituições de direito privado sem fins lucrativos (organizações da sociedade civil), estabelecidas há pelo menos um ano em Salvador. Serão priorizadas propostas oriundas de bairros onde não existam equipamentos culturais municipais em funcionamento. 

NOVOS EQUIPAMENTOS Além do edital Boca de Brasa, a Prefeitura de Salvador construiu em 2018 o Espaço Cultural Boca de Brasa - Subúrbio 360, em Vista Alegre, e o Espaço Cultural Boca de Brasa de Valéria, que funciona no Centro de Artes e Esportes Unificados, o CEU das Artes, desenvolvendo atividades artísticas e promovendo oficinas. Gerente de Espaços Culturais da Fundação Gregório de Mattos, Chicco Assis avalia positivamente o modelo: “Nessa nova configuração, a ideia é que eles sejam polos de produção cultural das regiões onde estão situados. Que possam ser um espaço de formação em cultura, e também de fruição, onde a população possa assistir a apresentações artísticas”, afirma.

Aluno das oficinas de Teatro e de Audiovisual oferecidas no Espaço Cultural Boca de Brasa em Valéria, Délio Lima presenciou todas as etapas do projeto. Ele já atuava com a produção de vídeos para um projeto local e viu nas oficinas a oportunidade de aprimorar o conhecimento técnico. Para o futuro, pensa em produzir um curta ou longa contando a história da comunidade. “O Boca de Brasa trouxe vida e cultura para a comunidade. Isso é um choque, uma transformação cultural". O produtor musical e educador Nairo Elo, professor da oficina Tambor ao Computador, complementa a visão de Délio: “Para mim é visível a mudança no comportamento, a satisfação das pessoas. Os alunos recebem muito bem o conteúdo. São dedicados e valorizam muito a oportunidade”.

Dentro dos espaços físicos do Boca de Brasa, além das oficinas oferecidas à comunidade, a FGM realiza projetos como o Diálogos Boca de Brasa, quando convida os moradores para conversas sobre arte e cultura. Outra ação é o Cine Clube Boca de Brasa, que promove exibições mensais de filmes nestes bairros, priorizando a produção audiovisual baiana. No Palco Aberto Boca de Brasa, a intenção é abrir o palco desses espaços para apresentações de grupos e artistas locais.

Ao todo foram realizadas 881 ações. São 31.455 pessoas impactadas pelos eventos realizados nestes equipamentos até abril deste ano. “O Boca de Brasa hoje é uma grande diversidade. A gente potencializa o que vem sendo produzido pelas periferias da cidade. Pretendemos que esses artistas que passaram pelo Boca de Brasa sejam referências da produção cultural dessas comunidades”, anseia Chicco. 

Para o futuro, ampliação do projeto. A expectativa, segundo Chicco, é que cada Prefeitura-Bairro tenha seu Espaço Cultural Boca de Brasa. O processo já teve início e até o final de 2019 mais dois equipamentos serão entregues, um em Cajazeiras - com o primeiro teatro público do bairro - e outro no Centro de Salvador, integrando o complexo no qual estará inserida a nova sede da FGM.

Diretora de Projetos e de Promoção Cultural da FGM, Silvia Russo vê nessa ampliação a possibilidade de consolidar cada vez mais a descentralização da cultura. “Salvador possui um polo cultural em cada região da cidade e todos merecem espaço e visibilidade. Já com a nova sede da FGM, que contará com café teatro, salas multiuso e exposições permanentes, vamos impulsionar a requalificação dessa área, que já conta com salas de cinema, com o TGM e com o Espaço Cultural da Barroquinha. Essa primeira porta de entrada da cidade não poderia ter destino melhor que 'Pulsar Cultura'". Exposição Orixás da Bahia, no Espaço Cultural da Barroquinha, de quarta a domingo, das 14h às 19h  (Foto: Jefferson Peixoto/Secom/divulgação) ANTIGO-NOVO Cabe ainda à Fundação Gregório de Mattos a administração dos demais espaços culturais do município, através da Gerência de Equipamentos Culturais, incluindo o Boca de Brasa, o Teatro Gregório de Mattos, o Espaço Cultural Barroquinha e a Casa do Benin. 

O TGM é composto por dois pavimentos. No térreo tem a Galeria da Cidade, com 400 m² de área utilizável e apta a receber exposições, intervenções artísticas e instalações. No segundo pavimento está a Sala de Espetáculos Tabaris, com capacidade de mais de 200 pessoas, com o espaço da plateia adaptável a diferentes propostas.

Também administrado pela FGM, O Espaço Cultural da Barroquinha foi reaberto em 08 de maio de 2014. A localização privilegiada - em frente a um dos principais cartões postais de Salvador, a Praça Castro Alves - o coloca em uma área importante da cidade. A Casa do Benin, um sobrado de 650 m² na extremidade inferior do Largo do Pelourinho, completa a tríade dos espaços no centro da cidade administrados pela Fundação Gregório de Mattos.  A Casa do Benin conta com um perfil arrojado, traço da restauração comandada por Lina Bo Bardi  (Foto: Jefferson Peixoto/Secom/divulgação) Chicco Assis lembra que, para além da importância enquanto equipamentos culturais, são lugares que contam a história de Salvador: “Esses espaços são históricos. O Gregório de Mattos e a casa do Benin possuem uma arquitetura assinada por Lina Bo Bardi. O da Barroquinha funciona em uma edificação tombada. A Casa do Benin e o Espaço Cultural da Barroquinha tem uma vocação de valorização das culturas negras e o Gregório de Mattos é voltado para experimentações, artes contemporâneas e o teatro musical. Todos guardam a memória arquitetônica, cultural e histórica da cidade”. 

Os números colecionados pelo espaço impressionam: juntos o TGM, a Casa do Benin e o Espaço Cultural da Barroquinha já receberam 42.421 pessoas entre artistas, produtores, diretores, técnicos, profissionais diversos, visitantes e espectadores. Mais do que registro, esse número ressalta como é pensada a produção artística e cultural da cidade.

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