'Bolsonaro não é a volta dos militares, mas há risco de politização dos quartéis', diz general

Em entrevista à Folha de S. Paulo, general Villas Bôas diz que presidente eleito é mais político do que militar

Publicado em 11 de novembro de 2018 às 13:35

- Atualizado há um ano

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Diante da eleição do capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República, o general Eduardo Villas Bôas disse que está preocupado com o risco de politização dos quartéis. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o comandante do Exército disse que pretende estabelecer uma linha divisória entre instituição e governo.

“A imagem dele como militar vem de fora. Ele é muito mais um político. Estamos tratando com muito cuidado essa interpretação de que a eleição dele representa uma volta dos militares ao poder. Absolutamente não é”, afirmou o militar de 67 anos.

Durante a entrevista, o general falou sobre a associação entre Exército e o novo governo, considerada "inevitavel", e sobre a possibilidade da quebra de hierarquia nos quartéis. Além disso, garantiu que descarta riscos à democracia.

Villas Bôas comentou, ainda, sobre o turbulento período político de seu comando, iniciado em 2015, e diz ter agido “no limite” quando publicou mensagens no Twitter na véspera do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em abril. O general nega que a expressão de sua “preocupação com a impunidade” foi uma ameaça velada ao STF.

Confira alguns destaques da entrevista concedida à Folha de S. Paulo

Política externa Em conversa recente com o presidente eleito, Villas Bôas questionou quem a equipe tinha em mente para o Itamaraty. "Achei curioso, eles estavam em um nível bem superficial, com vários nomes, inclusive de pessoas que eles não conheciam e estavam prospectando. Senti que em alguns setores eles estão com a coisa bem definida, e em outros, ao contrário, estão tateando".

Sobre Bolsonaro ser o primeiro militar no poder desde o fim da ditadura General disse que não há dúvida de que "há um risco de ideias serem personalizadas" e encara a situação "como um risco sério". "Ele [Bolsonaro] saiu do Exército em 1988. Ele é muito mais um político", comentou."Ele nunca se envolveu com questões estruturais da defesa do país. Mas aí criou-se essa imagem de que ele é um militar. Estamos tratando com muito cuidado essa interpretação de que a eleição dele representa uma volta dos militares ao poder. Absolutamente não é. (...) E nós estamos trabalhando com muita ênfase para caracterizar isso, porque queremos evitar que a política entre novamente nos quartéis"Associação com o Exército Villas Bôas disse que a associação "é inevitável" e não via "nada de ideológico nisso". "As Forças Armadas são consideradas um repositório de valores mais conservadores. Havia essa demanda por parte da população, então é decorrência natural essa interpretação de que há uma volta de militares ao poder", defendeu.

Autocrítica sobre 1964 General não acredita que uma análise do governo militar de 1964 seria incômoda, mas também não acha que seria um processo produtivo. "Em relação a 1964, muitos protagonistas estão vivos. Então, não há perspectiva histórica isenta possível", justificou."Olhar para trás impede que a gente convirja. É ridículo. De 1964 para cá, se passaram 54 anos. Imagine se em 1954 estivessem discutindo 1900. Não acho que devemos jogar para baixo do tapete. Até a Comissão da Verdade foi um desserviço nesse sentido", defendeu.Ameaças ao funcionamento das instituições Questionado sobre o tema, general diz que "o país está amadurecido, tem um sistema de freios e contrapesos que não permite que essas coisas prosperem a ponto de ameaçar a eficiência do processo democrático".

Chamamento de militares para ocupar cargos em outras áreas "É uma volta à normalidade", garante Villas Bôas. Segundo o militar, havia certo preconceito e até um patrulhamento em torno da questão. "Falavam em fascismo. Eu vejo de forma positiva", defendeu.

Para o general, porém, o nível de gravidade está tão alto "que deixou de ser segurança pública e já se transformou numa questão de segurança nacional". "Mais de 60 mil pessoas assassinadas por ano, todos os indicadores, o narcotráfico, o crescimento das organizações criminosas, isso tem de ser tratado com abrangência. Naturalmente, de acordo com o que a Constituição prevê, os militares inexoravelmente terão de participar desse esforço nacional", garantiu.