Bolsonaro supera falta de estrutura partidária e desconfiança

Novo presidente do Brasil foi subestimado por adversários e aliados na pré-campanha e até em parte do primeiro turno

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 29 de outubro de 2018 às 05:56

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação
Bolsonaro foi eleito deputado federal mais votado pelo Rio em 2014 por Divulgação

Se Jair Bolsonaro quisesse usar um dos cacoetes de seu maior desafeto na vida pública poderia ter iniciado o seu discurso da vitória com algo do tipo: “Nunca antes na história do Brasil um candidato a presidente foi tão subestimado”. Pelos adversários, mas também por seus aliados. 

Ao mesmo tempo em que a elite política brasileira olhava torto para o azarão, fadado a se desidratar até a eleição, Bolsonaro avançava nas redes sociais. Chegou à última semana com 8 milhões de seguidores no Facebook, 1,8 milhão de seguidores no Twitter e mais de 500 mil no Instagram.

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Quando sofreu um atentado a faca no dia 6 de setembro já era o nome a ser batido na disputa presidencial. A comoção e a exposição no noticiário potencializaram a onda que tomou conta das redes sociais no país. 

Com quase 30 anos na vida pública, o capitão da reserva do Exército pode até ser chamado de político tradicional. A campanha mostrou, entretanto, que não deveria ter sido visto como um candidato tradicional. Em sua caminhada, rejeitou a ideia de se apresentar como um “Jairzinho paz e amor”, negativa que confirmou mesmo após chegada ao segundo turno. Com pouco tempo de TV e praticamente sem recursos públicos, transformou a desvantagem em discurso: “Não aceitei receber recursos do fundo partidário”.

Lá em 2014... Na propaganda eleitoral, o recém-eleito presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, contou que a caminhada rumo ao Palácio do Planalto se iniciou há quatro anos. “Após o segundo turno entre a Dilma Rousseff e o Aécio Neves, em 2014, eu decidi que iria disputar a Presidência”, dizia o militar da reserva do Exército. Mas a verdade é que a tentativa começou alguns meses antes. 

Já posicionado entre os mais inflamados opositores do petismo na Câmara dos Deputados, o parlamentar, então filiado ao PP, colocou-se à disposição do senador Aécio Neves, que disputaria a eleição presidencial pelo PSDB. Ignorado pelo tucano, disputou a reeleição como deputado e foi o mais votado do Rio de Janeiro. Apesar da votação, na véspera do segundo turno, foi “esnobado por Aécio”, segundo reportagem do jornal O Globo, em outubro de 2014. 

“Eu vou votar no Aécio, mesmo que ele não queira papo comigo. Faço a opção contra a esquerda. Não sei se partiu dele ou da assessoria dele (o afastamento)”, respondeu Bolsonaro à reportagem, questionado sobre ter ficado de fora da foto. “Acho que ele acha que tenho fama de homofóbico, de defender o regime militar e que pode perder votos”, complementou.

Em alta Em 2016, Bolsonaro começa a crescer nas pesquisas de intenção de voto. No mês de abril daquele ano, ainda estava longe da dianteira, mas começou a se aproximar da segunda colocada, Marina Silva – o ex-presidente Lula liderava. Em dezembro, surge pela primeira vez à frente de Marina, mas em condição de empate técnico. 

É nesse período  que o deputado federal começa a levar a sério a possibilidade de disputar a Presidência. Um ano depois, em dezembro de 2017, Bolsonaro se isola na segunda colocação. Mas nem isso foi suficiente para que ele começasse a ser levado a sério. Seu partido na época, o PSC, foi dúbio em relação à possibilidade de permitir que ele disputasse a Presidência da República. 

Ainda em 2015, quando anunciou a parlamentares mais próximos o desejo de ser presidente, foi desaconselhado. “Tentei desestimulá-lo”, lembrou o deputado Alberto Fraga, que o conheceu na Escola de Educação Física do Exército, nos anos 80, em entrevista recente à Folha de S. Paulo. 

Quando tentou se eleger presidente da Câmara dos Deputados, recebeu quatro dos 513 votos possíveis, em um quórum que inclui o próprio Bolsonaro e o seu filho, Eduardo, também deputado federal. 

Em um esforço para convencer o PSC de que poderia se adequar e disputar a Presidência com chances reais de vitória, chegou a apelar para a consultora de imagem Olga Curado, que tinha trabalhado antes com Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff, além de ter assessorado políticos investigados na Operação Lava Jato. Não foi suficiente para convencer o partido. 

Posteriormente, numa entrevista à Revista Época, Olga definiria Bolsonaro. “O Bolsonaro é um sedutor que tem a profundidade de um pires. Sua truculência faz parte de um personagem”, contou. “Ele tem pouca paciência e se sente atacado quando sua capacidade intelectual é questionada”, complementou.

Escolha do vice Olga deixou Bolsonaro, que deixou o PSC. Após idas e vindas, achou guarida no nanico PSL, onde continuou a ser visto com desconfiança.

O processo para a escolha de um candidato a vice-presidente e de busca por coligações ajuda a entender como Bolsonaro era visto no meio político. Antes de se decidir pelo general Hamilton Mourão (PRTB), Bolsonaro tentou o plano A, com o senador Magno Malta (PR), o plano B, com o general Augusto Heleno (PRP), e o C, com a jurista Janaína Paschoal (PSL). Seja por dificuldades partidárias, ou negativas dos pretendidos, o líder nas pesquisas de intenção de voto nos cenários sem Lula só conseguiu o vice na quarta tentativa. 

A dificuldade chegou a ser apontada como indicativo de dificuldades para “agregar politicamente”. Como antídoto, Bolsonaro passou aos seus apoiadores a ideia de que não tinha interesse em fazer coligações e que isso o levaria a não dever nada a ninguém, se fosse eleito. 

Deu certo. Após o desempenho no primeiro turno das eleições, a residência do capitão, no bairro do Leblon, no Rio, seu quartel-general de campanha após o atentado a faca, converteu-se em um dos mais importantes endereços da política brasileira. E o  subestimado deu lugar ao cortejado.

‘Ele leu o coração do brasileiro’ Para o historiador e escritor Marco Antonio Villa, a ascensão eleitoral do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), se explica pela capacidade de leitura política do novo presidente do Brasil. “Vamos falar desta eleição por muito tempo, mas sem dúvidas o que nós já podemos dizer é que Bolsonaro foi o candidato que melhor conseguiu ler a conjuntura dos últimos dois anos e responder aos anseios mais profundos do povo brasileiro”, avalia. 

Villa, que é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos, ressalta a eficiência eleitoral do discurso de combate à violência. “A questão da segurança pública, sem entrar no mérito da eficácia das ideias propostas por ele, é central para o brasileiro”, lembra o historiador. “A eleição mostra que a insistência dele neste tema estava correta. Ele teve a percepção em relação ao momento político que o Brasil vive”, complementa. 

Além da compreensão em relação aos anseios sociais, Villa aponta como outro ponto favorável a Bolsonaro a dificuldade que os seus adversários tiveram de compreendê-lo. “Apesar dele se apresentar como de direita, é muito difícil defini-lo. Ele tem uma fala fluida, com traços da extrema direita, da direita e até traços da esquerda, com o nacionalismo do século XX”, pondera. 

Desafio na campanha foi medir palavras Quando afirmou para milhares de apoiadores na Avenida Paulista que “os vermelhos” – em alusão aos adversários da esquerda – seriam presos ou expulsos do Brasil, Jair Bolsonaro deu uma rara derrapada no script que o levou à Presidência. Conhecido por frases duras contra adversários, o candidato à Presidência chegou a fazer o papel de “bombeiro” em diversos momentos de sua campanha eleitoral. 

Foi assim quando o vice em sua chapa, o general Hamilton Mourão, criticou o pagamento do décimo terceiro salário e as férias remuneradas. Ou quando o seu guru econômico, o empresário Paulo Guedes, falou sobre a possibilidade de criação de um imposto similar à antiga CPMF, que taxava as operações financeiras. 

Nos dois casos, o candidato desautorizou os aliados e garantiu ser dele a palavra final quando houver discordâncias na equipe. 

Para evitar polêmicas na reta final, Bolsonaro não polpou nem mesmo o filho Eduardo, após o vazamento de um vídeo em que o deputado paulista falava sobre o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF). “Se propôs fechar o STF, precisa de um psiquiatra”, disse.