'Bolsonaro vai perder se apostar no radicalismo', diz ACM Neto

Prefeito de Salvador e presidente do DEM concedeu entrevista ao Estadão

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  • Da Redação

Publicado em 6 de dezembro de 2020 às 16:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo CORREIO

O presidente do DEM, ACM Neto, avalia que 2021 será um ano muito difícil. Prestes a terminar o segundo mandato na prefeitura de Salvador, Neto prevê problemas para o presidente Jair Bolsonaro se ele não aposentar o tom de confronto nem reorganizar a articulação política com o Congresso. “Bolsonaro vai perder se apostar no radicalismo”, diz. “O Centrão, sozinho, não tem voto para entregar ao governo”.

O DEM comanda hoje a presidência da Câmara, com Rodrigo Maia (RJ), e do Senado, com Davi Alcolumbre (AP) e aguarda um veredito do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de reeleição da cúpula do Congresso. O adversário da vez é o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), chefe do Centrão e candidato à cadeira de Maia.

Defensor de uma aliança de partidos de centro e centro-direita na disputa presidencial de 2022, Neto avalia que o apresentador de TV Luciano Huck pode ser “um bom quadro” para um projeto futuro e nega acordo para apoiar o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ao Planalto. “O DEM não está fechado com Doria nem com Huck nem com ninguém”, afirma.

Estadão: Após passar por um período de dificuldades, o DEM sai das eleições municipais fortalecido, com 464 prefeituras. Qual a principal mudança no partido? A gente está se reinventando no Brasil todo. Fizemos quatro capitais (Salvador, Rio, Curitiba e Florianópolis), podendo chegar a cinco, porque neste domingo, 6, tem eleição em Macapá e estamos na frente. Tivemos coerência e planejamento pós-2018. O investimento foi feito nas bases, de baixo para cima, e no estímulo às novas candidaturas.

Estadão: O Supremo Tribunal Federal deve abrir caminho para a reeleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara e de Davi Alcolumbre ao Senado. O Centrão alega que mudar a Constituição para reeleger os dois é “casuísmo tacanho”. Como o sr. responde? O assunto já está no Supremo, que foi acionado pelo PTB, num claro movimento de provocação. Uma vez que começou a ser julgado, não me cabem manifestações agora.

Estadão: O deputado Arthur Lira, líder do Centrão, foi apontado em denúncia do Ministério Público Federal como chefe de um esquema de “rachadinha” em Alagoas. Ele tem condição de presidir a Câmara? Não conheço o teor desses processos. Mas toda a condução que o DEM vem dando até aqui é no sentido de construir uma candidatura que não é a do deputado Arthur Lira. A nosso ver, o perfil mais adequado para presidir a Câmara, especialmente em função dessa necessidade de assegurar absoluta independência ao Legislativo, seria outro.

A condução do processo sucessório na Câmara e no Senado passa por Rodrigo e por Davi. Não vou especular sobre cenário antes da conclusão do julgamento do STF.

Estadão: O desfecho das disputas municipais mostrou o eleitor distante dos extremos. O presidente Jair Bolsonaro sofreu derrotas e o PT também. Isso revela que é preciso construir uma candidatura de centro para 2022? É inegável que houve um recado das ruas, através das urnas, sinalizando que o eleitor deseja gestores que hajam com equilíbrio, que tenham experiência e capacidade de realização. É uma indicação importante para 2022. Agora, o presidente vai dar uma nova cara ao governo nesses próximos dois anos e ter uma postura de moderação ou vai apostar no radicalismo? Não sabemos. Bolsonaro vai perder se apostar no radicalismo.

Estadão: A segunda metade do governo começa em janeiro de 2021. O presidente vem caindo nas pesquisas e tudo indica que terá de manter o auxílio emergencial por mais tempo. Qual agenda pode salvar o governo da crise no rastro da pandemia do coronavírus? Se não houver uma organização da articulação política do governo para tornar mais produtiva a relação com o Congresso, o País vai ter problemas porque o ano de 2021 será muito difícil. Estamos diante de um risco concreto de segunda onda da pandemia do coronavírus e haverá efeitos econômicos pesados.

Não cabe a mim defender isso. O DEM é independente, não é da base do governo.

O presidente é inteligente o suficiente para saber quais são os caminhos. Pode-se produzir uma agenda, sobretudo no campo econômico, que passa por uma relação sólida entre Executivo e Legislativo. Efetivamente, hoje, a gente vê que tem problemas.

Quando eu falo em articulação política, não estou criticando o ministro Ramos (Luiz Eduardo Ramos, titular da Secretaria de Governo). Eu falo na articulação que envolve o governo no seu conjunto, a começar pelo próprio presidente. Tem alguns partidos leais, mas não é isso que vai resolver.

O denominado Centrão não tem voto sozinho para entregar o que o governo precisa. Por isso digo que a estratégia de articulação tem de ser muito mais ampla.

Quanto a mudanças no governo, não cabe a mim dizer. Em relação ao Congresso, não tenho dúvida de que precisa ter uma agenda de reformas, avançar em temas que serão espinhosos e podem trazer desgaste, mas que são necessários. É chover no molhado, mas a gente não pode deixar de falar na necessidade de avançar nas reformas tributária e administrativa. Existem muitas medidas na área microeconômica que podem ser tomadas. E aí, se você não tem uma agenda consistente, o sinal para o País é outro.

Estadão: Uma série de reportagens do Estadão tem mostrado que uma rede de canais no Youtube faturou incentivando atos contra o Congresso e o Supremo e foi alimentada com informações do Planalto. Como enfrentar esse discurso do ódio? Se o presidente não alimentar e tiver uma postura que conduza o governo ao equilíbrio, esse tipo de ação não ganha corpo. Mas, se ele cruzar os braços, aí essa turma ganha espaço. O sucesso ou insucesso do governo vai estar muito vinculado a decisões que Bolsonaro tomar.

Totalmente descartada, não. Vai depender muito de como o cenário vai ser conduzido nesses próximos dois anos. Agora, com o Bolsonaro dos extremos nós não iremos. Não há hipótese.

Estadão: E se ele quiser se filiar ao DEM? O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, que é do DEM, já falou sobre essa possibilidade. Comigo, de maneira concreta, isso nunca foi tratado.

Eu tenho uma relação muito boa com o Luciano Huck. É uma pessoa que conhece os problemas do Brasil, tem espírito público. O Luciano pode ser um bom quadro para um projeto político no futuro? Pode. Agora, nada disso pode ser transformado em compromisso político, em discussão sobre filiação partidária, em sinalização de candidatura.

Quem está dizendo é você.

Hoje, no DEM, você tem pessoas que defendem uma candidatura própria, outras que falam na possibilidade de filiar o Luciano Huck. Temos pessoas que querem o projeto com o Doria, outras com o Ciro Gomes (PDT) e até uma aliança com Bolsonaro. Entendeu?

Estadão: No PSDB há críticas a um acordo alinhavado para que tucanos abram mão da candidatura própria ao Palácio dos Bandeirantes para lançar o atual vice-governador Rodrigo Garcia, do DEM. Esse arranjo não pressupõe o apoio do DEM ao projeto de Doria, em 2022? Rodrigo Garcia é um dos melhores quadros que nós temos na vida pública. Então, eu não vejo nenhum cenário onde ele não seja leal com o governador João Dória. O DEM de São Paulo é pilotado por ele, que tem absoluta autonomia para conduzir o partido lá. O êxito do governo Doria tem a marca do trabalho de Rodrigo Garcia. Agora, quando a discussão nacional tiver de acontecer, vários fatores serão levados em consideração. Não apenas São Paulo.

O perfil que queremos do candidato à Presidência, os caminhos que vamos trilhar. Não é correto dizer que vamos trocar o apoio para a eleição ao governo de São Paulo pelo apoio a uma candidatura à Presidência. Não dá para se fazer uma análise reducionista.

O DEM não está fechado com Doria como não está fechado com Huck nem com ninguém. Estamos absolutamente abertos à construção para 2022.

Estadão: Em 2018, o sr. e Maia tentaram apoiar Ciro Gomes, do PDT, em vez de Geraldo Alckmin, para o Planalto. Mas havia comentários de que Ciro descia “quadrado” no DEM, por ser mais à esquerda. Isso mudou? Eu, particularmente, gosto do Ciro. Respeito a inteligência e o espírito público dele. Hoje a relação do DEM com o PDT é bem mais próxima do que era há dois anos. Prova disso é que o PDT ficou com a vice-prefeitura de Salvador. Em Fortaleza, o DEM apoiou a candidatura de Sarto. E o PDT é um partido que tem excelente diálogo conosco no Congresso.

Eu não teria nenhuma dificuldade de dialogar com o Moro. Acho que é uma pessoa que deve ser respeitada, que teve uma contribuição importante para o País, mas nunca conversei com ele sobre projetos políticos.

Estadão: E o que o sr. achou do fato de Moro ter se tornado consultor de uma empresa americana que comanda a recuperação judicial do grupo Odebrecht, alvo da Lava Jato? Não tenho elementos para julgar se existe conflito de interesses. Não me sinto à vontade para opinar.

Estadão: O sr. deixa a Prefeitura de Salvador com mais de 80% de aprovação, o que o credencia para voos mais altos. O candidato à Presidência pode ser o sr.? Hoje eu me sinto apto a discutir tanto projetos da Bahia quanto nacionais. O mais provável é que meu projeto seja disputar o governo da Bahia. Agora, eu não vou deixar de conversar.

Estadão: Na política, o sr. ficou conhecido como representante do “carlismo paz e amor”, menos truculento, mais negociador. O sr. se encaixa nesse figurino? Eu e meu avô (o ex-senador Antonio Carlos Magalhães) vivemos em gerações muito diferentes. Logo depois que ele faleceu (em 2007), eu disse na Bahia que aquele modelo de “carlismo”, como ficou conhecido, não iria mais existir. Eu não gosto desse personalismo. Uma preocupação que sempre tive foi a de formar quadros. Exemplo disso é meu sucessor, Bruno (Bruno Reis, eleito prefeito de Salvador pelo DEM).

Estadão: O sr. tem mencionado a rejeição do eleitor à polarização. Mas, na Bahia, tanto o DEM na Prefeitura como o PT no governo são bem avaliados. E são dois extremos. Como se explica isso? A política é feita por partidos, mas também por pessoas. Eu e o governador Rui Costa (PT) somos adversários. Aqui, porém, a gente não fica naquela coisa, eu defendendo um polo e ele outro, de maneira antagônica em tudo. A Bahia é o exemplo de que o eleitor não fica ligado se o cara é de direita ou de esquerda. Existe o eleitor ideológico, claro. Mas não é essa visão ideológica de direita e esquerda que decide a eleição. O mesmo eleitor que me avalia bem também avalia bem o Rui. Não está ligado se é o 13 ou o 25. Os políticos precisam aprender com isso. Os políticos precisam aprender com isso.

Estadão: O espectro político de centro tem convergência em relação à economia, mas discordâncias sobre outras pautas, como a agenda de costumes. Isso é um fator que prejudica a aliança de partidos de centro e centro-direita para 2022? Não acho. O jogo ainda nem começou.