Bom humor era marca registrada de Edivaldo Boaventura

Edivaldo Boaventura morreu na madrugada desta quarta-feira

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  • Gil Santos

Publicado em 22 de agosto de 2018 às 19:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação ABL

Edivaldo Machado Boaventura tinha 84 anos e uma carreira invejável, mas a principal lembrança que os amigos guardam dele não é a postura como acadêmico ou como chefe dos muitos cargos que exerceu no setor público e privado. Descrito como um homem humilde, bem humorado e ‘bom de garfo’, o professor, que morreu na madrugada desta quarta-feira (22), tinha muitos discípulos.

Edivaldo veio ao mundo em um período complicado da história brasileira. Era dezembro de 1933 e o país ainda sofria os efeitos da Grande Recessão e da Guerra Constitucionalista de 1932, quando Edith Machado Boaventura deu à luz ao menino, na Princesa do Sertão. Ele foi o mais velho de quatro irmãos.

O jovem não demorou em deixar Feira de Santana e migrar para Salvador, onde fez o curso secundário com os jesuítas, no Colégio Antônio Vieira. Em seguida, se graduou primeiro em Direito (1959) e depois Ciências Sociais (1969). Autoridades comentaram a morte dele. 

Pontualidade Edivaldo começou a lecionar na década de 1960, na mesma época em que ingressou no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). Sempre focado no trabalho, era conhecido pela pontualidade, pela postura sempre cordial e por ser um bom comunicador.

Quando entrava no prédio do instituto, na Avenida Joana Angélica, fazia questão de cumprimentar o porteiro de plantão e os funcionários que encontrava no caminho até o escritório. O historiador do IGHB, Jaime Nascimento, recorda com saudade o primeiro momento que teve com Edivaldo. Aconteceu durante um congresso sobre história da Bahia, em 2001.

“Como ele era membro do instituto, eu já o conhecia, mas a gente nunca tinha parado para conversar até aquele momento. Foi ali que começou nossa amizade. Era engraçado porque os funcionários novos ficavam com medo de falar com ele, por ser o chefe, mas isso mudava logo que percebiam o quanto ele era simples”, contou o professor.

A amizade entre os dois ficou tão forte que Jaime recebeu o apelido de afilhado. O historiador passou a frequentar a casa do mestre e a proximidade permitiu conhecer mais de perto o ídolo. A pontualidade de Edivaldo era percebida até hoje, quando chegava para lecionar na Universidade Federal da Bahia e na Universidade Salvador (Unifacs).

Diplomata Em 1961, Edivaldo casou com Solange do Rego Boaventura. O casal tem três filhos, Lídia, Daniel e Pedro Augusto, e viveu junto até os últimos momentos da vida dele. Os 57 anos de união ajudaram a aprimorar a polidez e a diplomacia, outras características marcantes do professor.

“Ele e a doutora Consuelo Pondé eram muito amigos, mas os dois tinham temperamentos bem diferentes. Ela era explosiva, mais intensa, enquanto ele sempre foi um diplomata, um cavalheiro. A mistura dava certo. Ele dizia ‘Eu não brigo com ela, é ela quem briga comigo’. Era divertido”, contou Jaime.

A sensatez e a calma adquiridas ao logo da vida tornaram Edivaldo uma espécie de conselheiro. Por isso, vez ou outra ele era chamado para apaziguar os ânimos de alguns amigos. Sempre ativo, era a esposa quem tentava diminuir o ritmo frenético com que o professor trabalhava.

Certa vez, quando ouviu da secretária com quem trabalhava há anos que ela pretendia se aposentar, perguntou: “Por quê? Para fazer o quê? Quem se aposenta morre, hein! Não podemos parar”, arrancando gargalhadas de quem estava por perto.

Nos encontros com os amigos, tratava muitos por ‘Eminência’ ou ‘Excelência’, em tom jocoso. O bom humor era uma de suas marcas. A alegria que esbanjava sofreu um abalo em 2002, quando o filho caçula foi assassinado, na véspera de Natal. Com o tempo, ele voltou a sorrir.

Memória Outra característica de Edivaldo era ter uma memória de elefante. Ele conseguia memorizar rostos e nomes com muita facilidade. Nos encontros com ex-alunos ou colegas de trabalho, lembrava das pesquisas que eles estavam desenvolvendo, perguntava como estava o andamento e incentivava a todos a não pararem de estudar.

Logo depois de concluir a graduação em Direito, ele trabalhou como Técnico de Desenvolvimento Econômico na Sudene, lecionou na Escola de Serviço Social da Bahia e foi professor contratado da Escola de Administração da Ufba.

Durante o golpe militar de 1964 ele estava estudando na Universidade de Paris, na primeira viagem de estudos ao exterior do futuro doutor, e quando regressou foi juiz federal do trabalho.

Em 1968, depois do AI-5, pediu para ser transferido da Escola de Administração para a Faculdade de Educação da Ufba, da qual participou da fundação. O envolvimento com a área da educação lhe rendeu um convite, em 1970, do então governador Luiz Viana Filho, para chefiar a Secretaria de Educação e Cultura da Bahia. Ficou no posto até 1971 e depois voltou a assumí-lo entre os anos de 1983 e 1987

Foi nesse segundo momento, no comando da pasta, que ele foi responsável pela criação da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), do Parque Histórico Castro Alves, e, mais tarde, do Parque Estadual de Canudos. A Uneb suspendeu as aulas nesta quinta (23), quando ocorre o sepultamento - marcado para 15h, no Cemitério Jardim da Saudade, em Brotas. Ele deixa esposa, dois filhos, entre eles o ator e cantor Daniel Boaventura, e netos.

Em nota, a Ufba também lamentou o falecimento do professor: "Toda a comunidade universitária une-se com pesar diante da perda irreparável de Boaventura, um profissional dedicado, intelectual notável e homem exemplar que exerceu funções de importância e destaque na sociedade baiana como secretário de Educação e Cultura da Bahia, além de fundador e primeiro Reitor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).  A UFBA  estende os mais profundos pêsames e solidariedade aos familiares e amigos enlutados".

O procurador-chefe da Uefs, Helder Alencar, contou que Edivaldo era uma personalidade marcante em Feira de Santana. “Era uma figura de muito valor intelectual e moral. Sempre estava bem humorado. Fazia piadas nas palestras, o que deixava a plateia mais à vontade, por exemplo. Meu avô foi professor dele. Edivaldo era filho de Feira e um grande escritor”, disse.

Bom de garfo O professor que era bom de papo também era bom de garfo. Segundo amigos mais próximos, Edivaldo adorava comer e sabia apreciar um bom vinho, preferencialmente, os do Porto. Ele tinha uma relação estreita com Portugal, governo do qual recebeu o grau de Comendador, em 2016.

O chanceler da Unifacs, Manoel Fernandes de Barros Sobrinho, foi contemporâneo dele no governo de Luiz Vianna Filho. Ambos eram secretários naquela época e o hoje chanceler contou que tinha grande admiração pelo colega.

“Além do trabalho em Educação, nos aproximava muito o gosto pelo bom vinho. Ele sempre me impressionou pela sua intensa atividade intelectual. Além de membro de três Academias e do Instituto Geográfico e Histórico, do qual era Orador Oficial, ele publicou cerca de 40 livros”, disse.

No prefácio do livro de 40 anos do Ilê, ele conta sobre a paixão pela boa comida e narra como se deliciou com a galinha cabidela que comeu quando foi visitar Mãe Hilda. Os amigos contaram que doces também faziam parte da paixão do professor e que, apesar de tudo, ele comia e bebia com moderação.

Edivaldo também foi um defensor do ensino da História da África nas escolas e colocou o assunto em pauta quando estava à frente da Secretaria de Educação. Católico, ele era oblato de São Bento, ou seja, um leigo que servia a essa ordem religiosa.

Nesta quarta-feira, o bairro de Brotas, onde ele morava, está triste. No apartamento onde vivia com a esposa desde que os filhos saíram de casa – antes a família morava na federação – a biblioteca guarda a alma do professor que dedicou a vida pela educação, das mais diferentes formas.

“Sua biblioteca se espalhava pela sua casa inteira. Era também um professor muito querido dos estudantes, tendo orientado dezenas de dissertações de mestrado e teses de doutorado. Seus alunos nunca o esquecerão. Senti um vazio com a notícia da sua morte mas tenho certeza que ele está bem como bom cristão que foi”, afirmou o chanceler.

Edivaldo estava internado no Hospital Português e morreu depois de complicações cardíacas.