Caçadores de ofertas: povo de santo se vira para salvar festa do orixá da fartura

Com escassez de alimentos e preços altos, terreiros reduzem banquete para Oxóssi

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 1 de junho de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

  Elemaxó Leo mostra o acaçá oferecido a Oxóssi no dia de sua festa: caça aos ingredientes (Foto: Marina Silva/CORREIO)   Patrono da Nação Ketu, Oxóssi é aquele que se mete no meio da mata para trazer o alimento, de preferência a caça, para toda a comunidade. Esta semana, em dois dos terreiros matrizes do candomblé, seus filhos é que tiveram que se enveredar na selva de pedras do comércio de rua de Salvador para “caçar” os melhores ingredientes para sua festa, comemorada nessa quinta-feira (31).

Em tempos de greve dos caminhoneiros, a oferta a Oxóssi teve que ser um pouco regrada. Justo em seu dia, que segundo a mitologia iorubana é considerado o orixá da fartura. A data, que nessa quinta abriu o calendário religioso dos terreiros matrizes da capital baiana, é conhecida pela abundância de alimentos.

De forma alguma faltou comida. Não! Mas os filhos e filhas de santo tiveram que se desdobrar para encontrar as matérias-primas que serviram de alimento para o povo e para o próprio santo. Dendê, cebola, milho branco, camarão seco e feijão fradinho. Quando não estavam em falta nas feiras livres e mercados, os itens base de todas as receitas da culinária dos terreiros estão tão caros que... só Oxalá salva!

Na Casa Branca, terreiro-mãe do Brasil, na Avenida Vasco da Gama, a comunidade teve que agir em conjunto. “Os filhos da casa, os ogãs e as equedes, tiveram que procurar bastante. Contamos com a ajuda de todos para correr atrás. Foi um impacto muito grande, ficamos muito restritos. Teve casa de candomblé que trocou até a data da festa”, disse o elemaxó Arelson Chagas, o Pai Leo, mostrando um acaçá que foi feito para a festa de Oxóssi.

O banquete oferecido ao patrono, em si, não pôde ser fotografado. Dentro do barracão é proibido fazer imagens.   Não só o milho branco, matéria-prima do acaçá, estava mais caro. A cebola foi encontrada com dificuldade (Foto: Marina Silva/CORREIO)   Elemento presente em todas as celebrações do candomblé, o milho branco, base do acaçá, foi um dos artigos que subiram de preço. Mas, nada se comparou à cebola. “Não foi fácil ter que comprar três sacas de cebola com o preço que tá. Cada um teve que contribuir com um pouco mais do que o normal. Eu não tenho como calcular agora, mas saiu muito mais caro”, disse Pai Leo.“Algum jeito a gente tinha que dar. Faltar é que não podia”, observou.   Escadarias do Terreiro Casa Branca lotadas no dia de Oxóssi. Orixá da fartura contou com 'caçadores' de ofertas (Foto: Marina Silva/CORREIO)   Substituição No terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, no São Gonçalo, o baquete para Oxóssi teve fartura, mas não como em outros anos. “Tivemos que reduzir algumas coisas”, afirma Gerson Costa, o Bié, ogã da casa há 25 anos.

Os animais usados em sacrifício, por exemplo, foram encontrados com dificuldade e em menor número. Ainda mais que, como manda o ritual, esses animais não podem ser originários de granjas e sim criados soltos em quintais. No momento da festa, eles são oferecidos ao orixá e dividido entre a comunidade.     Ogã Bié, do Ilê Axé Opô Afonjá: 'Tivemos que reduzir algumas coisas. Mas o importante é ter' (Foto: Marina Silva/CORREIO)   “Algumas aves que a gente usa nesse ritual a gente não pôde usar dessa vez”, conta Bié. O ogã acredita que o orixá entende o momento e aceita as substituições no momento da oferta. Flores podem ser substituídas por galhos das matas, por exemplo. No lugar de um bode pode se oferecer um cágado.“O tatu, que é um animal apreciado por Oxóssi, só encontramos ele pequeno. Mas o importante é ter. Oxóssi está alegre do mesmo jeito! O que vale é a energia”, comenta Bié.A equede de Oxóssi Katia Santos, que ficou responsável por fazer a feira da festa do Afonjá, enfrentou a escassez e o preço alto. Cebola foi o artigo mais em falta.“Fiquei assustada de não achar cebola. Sem cebola não faço nada!”, diz a equede.Depois de muito procurar, achou uma de qualidade inferior. E caríssima. “Só com cebola gastamos R$ 270 em duas sacas e meia de 20 kg. Já tava querendo estragar, mas fizemos uma seleção e limpamos. No final, deu tudo certo”, agradece Kátia. Com Oxóssi, sempre dá! Okê arô! Salve o caçador!